Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria, por favor, de saber a necessidade ou não de repetir o pronome se na seguinte frase:

«Precisamos verificar o que se come e bebe naquela região.»

O certo seria «o que se come e se bebe»? Ou, ainda, seria necessário repetir o relativo que?

«O que se come e o que se bebe»?

Agradeço desde já.

Resposta:

A omissão do clítico pode ocorrer em contextos de coordenação de orações onde os clíticos são posicionados antes do verbo, em próclise. De acordo com Gabriela Matos (in: M. Mateus, A. Brito, I. Duarte e I. Faria, Gramática da Língua Portuguesapp. 834), uma única ocorrência do clítico recupera a referência associada a cada verbo. Por isso, podemos ter, ou não, a repetição do clítico:

(1) «Precisamos verificar o que se come e bebe naquela região.»

(2) «Precisamos verificar o que se come e se bebe naquela região.»

Muitas vezes, a repetição desses pronomes pode ser feita por uma questão de ênfase, clareza ou estilo, mas não é, portanto, uma exigência gramatical.

Há ainda uma outra situação presente em (3):

(3) «Precisamos verificar o que se come e o que se bebe naquela região.»

Também esta repetição do pronome relativo que é facultativa e a escolha em repetir ou omitir este pronome está também associada a razões estílisticas. 

A diversidade de línguas no Festival da Canção
De Moçambique ao Brasil

Na procura pela música representante na Eurovisão 2024, em Malmö, a consultora Sara Mourato destaca a diversidade linguística entre os participantes, influenciada pela presença de artistas de diferentes origens.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra teaser é um estrangeirismo.

Obrigada.

Resposta:

Teaser é, de facto, um estrangeirismo que se estabeleceu na língua portuguesa, especialmente nas áreas do marketing e da televisão. 

Encontra-se atestado, na área do marketing, com o significado de «imagem, filme ou outro material de publicidade ou de divulgação que não tem identificação do produto ou do objecto e que pretende chamar a atenção ou despertar curiosidade para o que vai ser publicitado ou divulgado mais tarde». Na televisão, teaser denota um «filme curto que corresponde a montagem ou excerto de programa ou de notícia, destinado a chamar a atenção ou despertar a curiosidade para o que vai ser transmitido mais tarde» (Priberam). Com estes significados, o nome em questão surge em inglês a partir de 1934, de acordo com o Online Etymology Dictionary e, apesar da sua ampla utilização, não há alternativas em português.

Note-se, contudo, este substantivo inglês pode ainda ter outros significados e, aí, há alternativas em português: «brincalhão;  [num contexto de sedução] provocador; [de uso coloquial] quebra cabeças, bico de obra; [de uso coloquial] pergunta díficil; cardador» (Infopédia).

Pergunta:

Tenho duas dúvidas diferentes.

A primeira é: quando estou a falar com uma pessoa extremamente mais velha do que eu, uma senhora de 80 anos, por exemplo, posso utilizar os termos “si, consigo” mesmo que eu saiba o nome da senhora? Caso eu não tenha uma relação próxima com a senhora, seria falta de educação perguntar, por exemplo: «Está tudo bem consigo, Dona Maria?» Gostava de saber se é suficientemente formal.

A segunda dúvida é: Quando estou a falar com duas ou mais pessoas, considerando que eu as trato por “você”, um senhor e uma senhora, por exemplo, seria apropriado dizer termos como “convosco, vosso”? Para expressar alguma formalidade, o correto seria dizer: «Está tudo bem convosco?» ou «Está tudo bem com vocês?» Sei que “os senhores” também seria uma opção, mas não estou a referir-me a uma situação demasiado formal.

Agradeço desde já.

Resposta:

É importante refletirmos, antes de mais, acerca do uso do pronome você em português de Portugal. Ainda hoje, no padrão do português europeu, o uso explícito você no tratamento entre interlocutores pode ser considerado pouco delicado ou ofensivo, nomeadamente pelos falantes mais cultos ou mais velhos. Assim, é mais polido usar formas mais tradicionais, como o senhor ou o nome da pessoa a quem nos dirigimos1.

Contudo, você torna-se forma de tratamento respeitosa em certas regiões e regionalmente ou socialmente marcada; em classes sociais mais altas, é até usado como forma de tratamento de intimidade. Por outro lado, é também verdade que há um alargamento notório do uso deste pronome como forma de tratamento, «principalmente entre as classes menos cultas e entre algumas pessoas das novas gerações, que generalizam o uso de você para se dirigirem, indiscriminadamente, a qualquer pessoa, contribuindo, assim, para atenuar distinções sociais ou geracionais» (Fundação Calouste Gulbenkian, Gramática  do Português, pág, 2710)

Quanto ao uso da forma especial do pronome oblíquo usada com a preposição com – consigo –, ou o uso de si, são formas aceitáveis mesmo no discurso mais polido e sem margem de ofensa. Contudo, alguns falantes acham que são formas, ainda assim, demasiado diretas, e, portanto, preferem associar-lhe as expressões nominais como as ilustradas em (1) e (2):

(1) «Está tudo bem consigo, Dona Maria?»

(2) «Trouxe isto para si, Dona Maria.»

Note-se que o título <...

Pergunta:

Qual a forma correta: «passou a incluir-se» ou «passou-se a incluir»

Resposta:

As duas opções estão corretas.

O que sucede é que estamos perante uma construção infinitiva (verbo auxiliar + infinitivo) com o verbo auxiliar aspetual passar a, e, a não ser que o pronome seja complemento direto ou indireto do verbo pleno (verbo principal), o qual toma por hospedeiro este pronome, o pronome pode ligar-se tanto ao verbo auxiliar, dando-se a subida do clítico1, como ao verbo pleno:

(1) «passou a incluir-se os novos dados que nos deste» – cliticização sem subida do pronome;

(2) «passou-se a incluir os novos dados que nos deste» – subida do clítico. 

Note-se que a preposição a é compatível, normalmente, com esta subida do clítico, mas pode haver construções com outras preposições, como por, que não são compatíveis (Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 2289):

(3) «O objetivo da reunião passou por dar-lhe a novidade» 

(4) *«O objetivo da reunião passou-lhe por dar a novidade» – esta construção não é aceitável, porque é impossível a subida do clítico. 

 

1 Denomina-se «subida do clítico» quando se pode agregar o clítico ao verbo auxiliar, num complexo verbal