Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Eu gostaria de saber se existe a regência nominal de confiança com a preposição a, cujo sentido é «entrega à confiança de»?

Eu sei que confiança pede a preposição em no significado próximo de «crer, ter fé»; mas o meu pensamento em relação à possibilidade do uso da preposição a, é justificado pela regência do verbo confiar que pode pedir em ou a.

Ex.: «Por viagem a trabalho, Marina confiou a Jorge sua cadela, Veneza. Mas ela não confia mais nele, porque ele a deixou três dias com fome.»

Antecipadamente, muito obrigado.

Resposta:

O substantivo feminino confiança constrói regência, de acordo com o Dicionário Prático de Regência Nominal, com as preposições emcom. Assim, de acordo com o dicionário, «confiança em» usa-se com o sentido de: «confiança em Deus e nas suas promessas; confiança em si e nos seus», como em (1):

(1) «Marina tem confiança no Jorge para ele cuidar dos seus cães».

Já «confiança com» é utilizado na aceção de «ter ou tomar confiança [familiaridade; atrevimento] com alguém», como em (2):

(2) «Após alguns meses de trabalho, a Maria desenvolveu uma grande confiança com seu colega de escritório».

Contudo, de acordo com o dicionário da  Academia das Ciências de Lisboa, temos uma expressão fixa construída com a preposição a: «dar confiança a» e que significa «permitir uma certa familiaridade; consentir em ser tratado com pouco respeito»:

(3) «A Marina deu confiança ao Jorge para ele tratar das cadelas da forma como trata». 

E com ela queremos dizer que a Marina permitiu que o Jorge tratasse das cadelas da forma como o fez. 

Podemos, portanto, concluir que, na aceção procurada pela consulente, o mais correto será termos «confiança em», como o comprova o exemplo (1). 

Além disso, é importante ressaltar que este mesmo dicionário, atesta as seguintes expressões fixas com o substantivo confiança:

– «abusar da confiança de alguém», expressão usada no sentido de «desrespeitar alguém» (exemplo: «A Marina abusou do Jorge»);

Pergunta:

 «Bife a rolê» ou «bife rolê»?

Faço a pergunta, pois tive muita dificuldade de encontrar a expressão "rolê" nos dicionários sem o sentido de «dar uma volta».

O pouco que encontrei remete "rolê" à palavra francesa roulé que traduzida pelo tradutor leva a "enrolado" que é o nosso bife!

Dito tudo isso, não deveria ser bife "rolê" (enrolado) sem a preposição? Outro fato que me faz perguntar é o caos que tal bife gera na escrita! Basta uma rápida pesquisa no Google para vermos que até o acento grave aparece na expressão «bife rolê» («bife à rolê»).

Desde já, agradeço a enorme atenção que os Senhores possuem e admiro demais o trabalho do Ciberdúvidas.

Resposta:

Aquilo que os dicionários atestam é bife rolê1, sem a preposição, e trata-se de um «bife cortado fino, enrolado com toucinho, cenoura, etc., e cozido em imersão num molho; bife enrolado» (Dicionário Houaiss). Pode ainda ser designado somente de rolê

Tal como o consulente refere, esta denominação tem origem no francês. Expressões com o adjetivo roulé, que na culinária e confeitaria se refere a certos pratos apresentados dobrados sobre si mesmo (L'Atilf), também em francês não recorrem ao uso de preposição: crêpe roulée, filets de harengs roulés, gâteau roulé, por exemplo.

Agradecemos as palavras que nos são dirigidas.

 

1 Ver os dicionários: Michaelis, Aulete Houaiss, por exemplo. 

Pergunta:

Será que temos na língua portuguesa o antónimo das palavras "viajar", "viajante" e "viagem"?

Saudações!

Resposta:

Não se pode afirmar que haja antónimos específicos para viajar, viajante e viagem. No entanto, podem usar-se palavras que denotem a ideia de permanência ou imobilidade, expressando, assim o oposto destes conceitos. São elas:

(1) viajar terá como ideia oposta a de permanecer ou ficar – exemplo: «eu vou viajar» vs. «eu vou ficar»;

(2) viajante terá como ideia oposta a de sedentário – exemplo: «eu sou um viajante» vs. «eu sou um sedentário»;

(3) viagem terá como ideia oposta a de permanência – exemplo «estou a planear uma viagem por Portugal» vs. «estou a planear a minha permanência por aqui».

Note-se que o exemplo (3) não está tão bem conseguido, exatamente por ser difícil encontrar expressão antónima.  

Por outro lado, é importante referir que, se por viajar, viajante e viagem está subentendido o conceito daquele «que ou o que não tem habitação fixa, que vive permanentemente mudando de lugar, geralmente em busca de novas pastagens para o gado, quando se esgota aquela em que estava (diz-se de indivíduo, povo, tribo, etc.)» (Dicionário Houaiss), ou seja, um nómada, então, neste caso, já temos atestado o antónimo sedentário. 

Pergunta:

Gostaria, por favor, de saber a necessidade ou não de repetir o pronome se na seguinte frase:

«Precisamos verificar o que se come e bebe naquela região.»

O certo seria «o que se come e se bebe»? Ou, ainda, seria necessário repetir o relativo que?

«O que se come e o que se bebe»?

Agradeço desde já.

Resposta:

A omissão do clítico pode ocorrer em contextos de coordenação de orações onde os clíticos são posicionados antes do verbo, em próclise. De acordo com Gabriela Matos (in: M. Mateus, A. Brito, I. Duarte e I. Faria, Gramática da Língua Portuguesapp. 834), uma única ocorrência do clítico recupera a referência associada a cada verbo. Por isso, podemos ter, ou não, a repetição do clítico:

(1) «Precisamos verificar o que se come e bebe naquela região.»

(2) «Precisamos verificar o que se come e se bebe naquela região.»

Muitas vezes, a repetição desses pronomes pode ser feita por uma questão de ênfase, clareza ou estilo, mas não é, portanto, uma exigência gramatical.

Há ainda uma outra situação presente em (3):

(3) «Precisamos verificar o que se come e o que se bebe naquela região.»

Também esta repetição do pronome relativo que é facultativa e a escolha em repetir ou omitir este pronome está também associada a razões estílisticas. 

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