Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

O que significa a palavra estorno? Como se pronuncia? Com ó aberto, ou ó fechado?

Resposta:

Estorno é um substantivo masculino e o nome de uma planta.

Enquanto substantivo masculino, estorno é o «ato ou efeito de estornar» (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001), sendo que o verbo estornar significa «não concretizar, não realizar» (idem). Este substantivo usa-se em áreas específicas como no comércio ou contabilidade, com o significado de «retificação que contrabalança o efeito de um lançamento contabilístico errado» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Infopédia) e «o valor que não se concretiza» (Dicionário Eletrônico Houaiss); e, na justiça, com o significado de «ato de tornar sem efeito (contrato, seguro, etc.) anteriormente realizado; rescisão, anulação» (idem).

Por outro lado, temos a planta estorno que é uma «planta gramínea muito vulgar nos terrenos arenosos junto das praias portuguesas» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Infopédia).

Quanto à sua leitura, o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, transcreve o substantivo com o o fechado – /ô/.

Pergunta:

Qual a origem da palavra sus, interjeição que visa criar alento e que o dicionário diz ser equivalente a avante? Muito gostaria também de ver um exemplo daquela interjeição integrada numa frase de um autor português.

Resposta:

A origem da expressão sus é controversa. Por um lado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (1977), diz-se que esta expressão é uma interjeição antiga «de origem expressiva», que nada tem que ver com a expressão latina sus que significa «de baixo para cima». Por outro lado, o dicionário da Porto Editora (em linha) refere que a expressão sus tem, efetivamente, origem nessa expressão latina.

Apesar da controvérsia relativamente à sua origem, há consenso relativamente à sua significação, sendo que é uma expressão que pretende «infundir ânimo; eia, coragem» (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001), que «exprime incitação» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, em linha). Assim, e como o consulente referiu, a expressão é equivalente a «ânimo!» ou «avante!», o que se verifica no Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente: «Companheiro — Ora, sus! que fazes tu? / Despeja todo esse leito!»/, «Diabo— Sus, sus! Demos à vela!»

Cf. Interjeição

Pergunta:

O que é um adjetivo erudito? Gostaria de saber o seu conceito. Qual o motivo de tal classificação?

Resposta:

São classificados como eruditos os adjetivos que surgiram por via erudita, sobretudo na sequência da relatinização da língua portuguesa no contexto do Renascimento, no século XVI. Nesta época, o latim começou a ser substituído em âmbitos cada vez mais variados pelas línguas nacionais de cada país (classificadas, pelos eruditos, de «línguas vulgares»). Neste processo de evolução das línguas, houve necessidade de se ampliar o vocabulário de forma a poderem veicular-se ideias que só eram expressas em latim, surgindo, assim, os chamados adjetivos eruditos. Estes são palavras formadas por radicais latinos na sua forma original; por exemplo: capillum, palavra latina, deu origem a cabelo por via popular, mas formou o adjetivo erudito capilar. Também os adjetivos eruditos se distinguem dos demais, porque geralmente têm um significado relacional («relativo a», «próprio de», «semelhante a», «da cor de»). Assim, dizer «loção capilar» é dizer «loção relativa a cabelo»; «cólica hepática» significa «cólica relativa ao fígado», ou «canal hepático» tem o significado de «canal próprio do fígado», porque hepático procede do latim hepaticus, por sua vez adaptação do grego antigo hepatikós, «relativo ao fígado» (hépar, hépatos significava «fígado» em grego antigo).

Saliente-se que o termo adjetivo erudito faz parte da classificação gramatical usada no Brasil, sendo que em Portugal não se usa normalmente.

Pergunta:

Antes de mais, gostaria de vos agradecer pelo excelente trabalho de divulgação e conhecimento da língua portuguesa!

No meu círculo familiar, sempre se usou emandongar com o significado de «amarrotar» (uma peça de roupa). Acontece que, fora dele, estranhavam e desconheciam sempre a palavra. Sendo oriunda da região de Leiria/Coimbra, desconheço quaisquer raízes alentejanas, mas descobri há pouco tempo que a palavra pode ser um regionalismo alentejano. Podem confirmar/infirmar esta descoberta? E, já agora, existe algum registo sobre a etimologia da palavra?

Muito obrigada e continuação de ótimo trabalho!

Resposta:

O verbo emandongar é um regionalismo que, como indica o sítio Alentejanices, está presente no vocabulário alentejano. No entanto, nas fontes disponíveis, impressas ou em linha, não há informação sobre a palavra noutras regiões de Portugal.

Como outros regionalismos, emandongar usa-se no registo informal e tem o mesmo significado que amarrotar. Mais uma vez, tendo em conta as fontes consultadas, não foi possível apurar nada sobre a sua etimologia.

Observe-se que os dicionários gerais nem sempre registam os regionalismos, o que não quer dizer que estes estejam incorretos. Deve é ter-se em atenção que os regionalismos raramente têm cabimento em certos registos, por exemplo, nos mais formais ou especializados.

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as palavras de apreço.

Pergunta:

Vou escribir en galego porque «em português não escrevo muito bem, aliás peço desculpas». Como é que se di na súa lingua a «acción de aspirar o vapor producido mediante os cigarros electrónicos»: vapear ou vaping?

Muito obrigada pela sua ajuda.

Resposta:

No momento em que se escreve esta resposta, existem várias palavras relativas ao uso do cigarro eletrónico, mas nenhuma se encontra dicionarizada, o que não admira, dado tratar-se de um dispositivo recente.

Está, por exemplo, atestada a forma vapear1, que deve ter sido tomada do espanhol vapear. Note-se, porém, que, do ponto de vista da norma espanhola (ver página do Fundéu – Fundación del Español Urgente), se considera que vaporear é forma mais adequada, pelo facto de já há muito se encontrar registada na aceção de «exalar vapores», significado que pode abranger o de «exalar o vapor produzido por cigarros eletrónicos». No entanto, há também quem use em português o termo inglês vaping, de to vape, «aspirar o vapor produzido por cigarros eletrónicos», que está também na base da derivação de vaper, «utilizador de cigarros eletrónicos». Todos estes termos ingleses terão surgido em 2013, depressa ganhando uso corrente, com impacto internacional (cf. informação em inglês no arquivo Buzzword do Dicionário MacMillan).

Voltando ao português, pergunta-se: que forma usar? Muito dependerá da popularidade deste processo de (não) fumar e do uso das suas denominações, mas, tendo em mente os exemplos espanhóis (vapear e vaporear), torna-se possível criar com base na forma inglesa vape a palavra vapear, ou, ainda, "vapar", que não se encontra atestada. O espanhol vaporear encontra o correspondente português vaporar, que, ainda assim, é um bom candidato a designar esta moda, porque já há muito se encontra registado nos dicionár...