Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
103K

Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é a diferença entre corrigir e emendar?

Resposta:

Atendendo aos significados dos seus étimos latinos, somos obrigados a concordar que, à primeira vista, os verbos corrigir e emendar são sinónimos. Por um lado, temos o verbo corrigir, que provém do latim corrigĕre, «corrigir, emendar» (José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1977), e, num sentido figurado, significa «melhorar, reformar, curar; corrigir um orador, um escritor; corrigir, alterar (sem ideia de melhoria)» (idem). Por outro lado, temos o verbo emendar, que tem origem no latim emendāre, «corrigir, apagar erros, retocar, retificar, reformar, emendar; castigar, punir, corrigir» (idem). Além disso, os verbos em apreço são usados atualmente em aceções muito semelhantes, como a seguir se evidencia:

* Corrigir: «dar ou adquirir forma correta ou melhor a; pôr(-se) em bom estado, consertar(-se), endireitar(-se)» (ex.: corrigir o defeito do aparelho), «reparar, remediar (injustiça, agravo etc.)» (ex.: nada corrigirá tamanha iniquidade),  «procurar melhorar ou alterar para melhor a conduta (de); regenerar(-se)» (ex.: corrigir maus hábitos), «repreender com severidade; censurar energicamente» (ex.: corrigiu o filho na frente de todos), «aplicar(-se) pena, castigo (a); castigar(-se), punir(-se)» (ex.: os noviços corrigiam-se com cilícios) (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001);

* Emendar: «eliminar erros ou defeitos; corrigir, reformar» (ex.: emendou o texto até deixá-lo perfeito); «fazer alteração em; modificar» (ex.: o governo quer emendar a legislação previdenciária); «corrigir-se moralmente; arrepen...

Pergunta:

Estrofe é um nome comum coletivo?

Resposta:

O substantivo estrofe é um nome coletivo contável, pois designa um «grupo de versos de uma composição poética» (Dicionário Priberam, em linha). Trata-se, portanto, de um caso de «nome que se aplica a um conjunto de objetos ou entidades do mesmo tipo» (Dicionário Terminológico, B.3.1 Classe aberta de palavras/Nome). Chamamos ainda a atenção para o facto de existirem, a par de estrofe, outros coletivos para o substantivo verso, nomeadamente versalhada e versaria (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Donde vem o termo algarvio griséu?

Resposta:

Não há consenso sobre a etimologia da palavra griséu, que é um regionalismo do Algarve.

Apesar de as ervilhas terem, normalmente, cor verde, há quem considere que griséu («ervilha madura» ou, genericamente, «ervilha») se relaciona com o adjetivo griséu, que significa «cinzento-esverdeado», e que ambas as palavras derivam do adjetivo francês gris, «cinzento» (cf. Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, na Infopédia). No entanto, o linguista português Lindley Cintra (Estudos de Dialectologia Portuguesa, Lisboa, Edições Sá da Costa, 1983, págs. 109-116) defendeu que griséu, «ervilha», é uma herança do antigo romance moçárabe, falado no Sul de Portugal durante o período de domínio árabe (de 711 a cerca de 1250). De acordo com esta proposta, a palavra teria origem no latim pisellum, dominutivo de pisum, «ervilha», o qual, por analogia com o radical de guisar e por reforço da consoante inicial com r, teria dado *grisel (o asterisco indica que é forma não documentada) e depois griséu, por vocalização do -l final, como acontece historicamente em casos de alternância -el/-éu (vergel/vergéu, chapel/chapéu). 

Pergunta:

Li a resposta Escovar, escovadela, escovagem e escovação, mas gostaria de saber qual a origem do substantivo escova.

Resposta:

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, o substantivo escova deriva «do latim tardio scōpa, “vassoura”» (embora o plural scopae, «hastes, raminhos, vergônteas; vassouras», tivesse uso mais frequente). Saliente-se que escova é usado em várias aceções no português atual, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss: um «utensílio usado para limpar, pentear, alisar etc., e que consiste numa placa onde se inserem filamentos flexíveis de cerda, metal, fio sintético etc.»; um «indivíduo maçante, chato» (sentido característico do português do Brasil); e um «condutor que funciona como meio de ligação entre o rotor e os coletores de corrente, em motores ou geradores elétricos, conduzindo corrente para o motor ou coletando a corrente produzida no gerador». O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa acrescenta ainda o significado de «giesta» à palavra em questão, sendo que este é um termo popular que se pode aplicar a vassouras feitas com ramos de giestas.

Pergunta:

Desperdício é substantivo primitivo, ou derivado?

Resposta:

Desperdício é mais adequadamente analisado numa perspetiva histórica (diacrónica). Não se trata de um derivado em português, mas, sim, de uma palavra importada da língua espanhola, de desperdicio (José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 1977). Esta, por sua vez, segundo o Dicionário Houaiss, deriva do nominativo do latim disperditĭo-onis, «perdição, destruição, ruína», derivado do radical de disperdĭtum, forma (supino) do verbo disperdĕre, «perder de todo, deitar a perder, destruir, arruinar, desaparecer». Ressalta-se ainda que o verbo desperdiçar é também considerado como adaptação do espanhol desperdiciar, embora seja também possível  encará-lo como derivado de desperdício, com queda (síncope) do i na forma não atestada "desperdiciar".