Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como se escreve, à luz já do Acordo Ortográfico: "radio-ouvinte", "radioouvinte" ou "radiouvinte"?

Resposta:

Radiouvinte é a forma consagrada há muito e devidamente dicionarizada, por exemplo, no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, o Grande Dicionário da Porto Editora, no Vocabulário da Língua Portuguesa e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras. Este substantivo é formado por um falso elemento prefixal grego – radio- – e por o substantivo ouvinte.

Embora à luz das novas regras do Acordo Ortográfico – Base XVI, 1.º, o hífen devesse separar estes dois elementos, o que prevaleceu, neste caso em que o substantivo passou a ter conteúdo próprio e está há muitos anos consagrada no léxico, é a grafia sem hífen.

Como referido noutras respostas anteriores, com o elemento radio-1 temos estes substantivos: radioamador, radiocultura, radioemissão, radiorrecetor, radiotáxi, radiotelefonia, radiotelevisão, radiotransmissão, etc.

Pergunta:

Qual a origem do verbo lotar, no sentido de «encher demais»? É comum ouvir que uma sala, um estádio ou um ônibus estão superlotados, mas o termo é também válido para cidades com mais habitantes por m2 que o normal? "Superpovoada" é, por alguma razão, uma opção mais correta?

Obrigado.

Resposta:

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (Machado, José Pedro, 1977, vol. III), o verbo lotar tem origem em lote, que provém do «francês lot, por sua vez do frâncico lôt». Este verbo, entre as suas diversas aceções, pode significar, efetivamente, «calcular ou determinar a lotação de, completar a lotação de, encher completamente» e, nesse sentido, poderá usar-se como sinónimo de superpovoada (ou sobrepovoada): «a cidade estava lotada/superpovoada/sobrepovoada». No entanto, uma vez que o adjetivo superpovoado se refere, em concreto, ao excesso de pessoas que ocupam determinada localidade ou região, há preferência pelo uso de lotado, quando se pretende dizer que um espaço qualquer ou um meio de transporte – por exemplo, um cinema ou um autocarro – está preenchido no limite da sua capacidade.

Pergunta:

Qual a grafia mais correta?

– "Vídeo Arte";

– "Vídeo-Arte";

– "Videoarte"?

Venho encontrando as diferentes grafias, pelo que agradeço a vossa clarificação.

Obrigado.

Resposta:

A grafia correta será videoarte. 

Do ponto de vista ortográfico, video- é tratado como prefixo, embora não o seja propriamente. Apesar disso, comporta-se como tal e, desta forma, é denominado como falso prefixo ou pseudoprefixo. Segundo Lindley Cintra e Celso Cunha «certos radicais latinos e gregos adquiriram sentido especial nas línguas modernas» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 113) e assumem o sentido global dos vocábulos que antes eram elementos componentes. Nesse sentido, palavras em que ocorre o elemento video- como falso prefixo devem ser grafadas atendendo aos critérios enunciados no Acordo Ortográfico de 1990, Base XVI, 1.º. Desta forma, este elemento aglutina-se ao elemento seguinte, exatamente como acontece em videoconferência ou videovigilância [cf. Vocabulário Ortográfico do Português, Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de LisboaVocabulário Ortográfico da Porto Editora e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de ...

Pergunta:

«O meu patrão diz-me sempre que posso ficar à vontade para lhe pedir um aumento.»

«Ficar à vontade» não parece constar da maioria dos dicionários da variante europeia da língua portuguesa. Significa isso que não é recomendável em português de Portugal?

Resposta:

A locução adverbial «à vontade», que significa «sem constrangimento, vergonha ou embaraço», tem registo em dicionários elaborados em Portugal, ainda que sempre como subentrada de vontade. ou associada a verbos também como subentrada, isto é, como parte do verbete ou definição do referido substantivo. Encontra-se, por exemplo, no dicionário Priberam, no dicionário da Porto Editora e no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. É, portanto, completamente aceite na variante europeia de português e, por isso, o seu uso é recomendável com variadíssimos verbos: «andar/estar/ficar/pôr-se/servir-se à vontade». Assim, pode-se afirmar que «o meu patrão diz-me sempre que posso ficar à vontade para lhe pedir um aumento» significa o mesmo que «o meu patrão diz-me sempre que lhe posso pedir um aumento sem constrangimentos/vergonha».

Quando se trata de substantivo, grafa-se com hífen e significa «desenvoltura, desinibição, naturalidade no comportamento» (Dicionário Houaiss): «o à-vontade», «ter à-vontade» (ver também Vocabulário Ortográfico do Português e Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa).

Pergunta:

«Abre em breve» ou «abre brevemente»?

Resposta:

O uso de uma ou de outra oração é indiferente. A verdade é que a locução adverbial de tempo em breve corresponde ao advérbio brevemente e, por isso, ao optar-se pela locução adverbial em breve, ou pelo advérbio brevemente, a informação que queremos transmitir continua a ser a mesma.

Contudo, deve também assinalar-se que brevemente não é sempre sinónimo de em breve, porque pode também querer dizer «sucintamente», «em poucas palavras»: «Aquelas eram, brevemente, as suas propostas» (exemplo Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, s.v. brevemente).