Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem acerca da subclasse da forma verbal sospiro [= suspiro], ou seja, se é um verbo transitivo direto/indireto ou intransitivo, no contexto do verso «o por que eu sospiro», presente na cantiga de amigo "Ondas do mar de Vigo".

Grata pela atenção.

Resposta:

O verbo suspirar é um verbo intransitivo quanto tem o sentido de «lamentar-se gemendo, dar suspiros, ou, [em sentido figurado] soprar brandamente, murmurar» (Dicionário Priberam); e transitivo quando tem o sentido de «exprimir por meio de suspiros, dizer suspirando e desejar, ter saudades de [alguém]» (idem).

No verso em apreço, o verbo suspirar é transitivo indireto, pois seleciona o complemento obliquo «(o) por que» (tradução: «por quem [suspiro]»). Note-se que, de acordo com a terminologia gramatical adotada em Portugal, pelo ensino não superior, é transitivo indireto o verbo principal que seleciona um complemento oblíquo –isto é, um complemento introduzido por preposição, como acontece com um dos usos do verbo suspirar («suspirar por alguém»).

 

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da palavra "estrambólico".

Resposta:

A origem do adjetivo é um pouco complexa e extensa. Estrambólico, que significa «extravagante, esquisito, ridículo» (Dicionário da Porto Editora), surge por alteração de um outro: estrambótico. Este, por sua vez, é derivado por estrambote + -ico e significa «que é singular, invulgar, diferente em todos os sentidos, excêntrico; que causa certa repugnância ou aversão, ridículo» (Dicionário Houaiss). Já estrambote («versificação: adição de um ou mais versos, geralmente de um terceto, aos 14 versos de um soneto, estramboto; música: estrofe acrescentada ao vilancico, à guisa de coda  - 'seção conclusiva'» – idem) tem origem em estramboto, que é uma forma de poesia italiana bastante antiga sobre temas amorosos ou satíricos. 

Podemos, assim, concluir que a forma estrambólico talvez se tenha formado por analogia com casos como diabólico, hiperbólico ou simbólico, uma vez que parece mais frequente a terminação -ólico do que -ótico (cf.idem). Contudo, é importante ter em consideração que, de forma a sermos fiéis à história do adjetivo, devemos optar por usar o termo estrambótico num contexto formal, sendo que é completamente aceite o termo estrambólico num contexto informal. 

Pergunta:

Na frase «[...] mosquiteiros torácicos capazes de rejuvenescerem de erecções formidáveis vinte e cinco anos de resignação conjugal.» (Memória de Elefante de António Lobo Antunes), a concordância verbal está correcta ou deveria colocar-se no infinitivo («capazes de rejuvenescer»)?

Muito agradeço esta e todas as ajudas dadas ao longo dos anos.

Resposta:

A frase retirada do livro de António Lobo Antunes está correta, apesar de não ser errado, também, o uso do infinitivo flexionado: ajudarem

Acontece que Cunha e Cintra afirmam que, ao surgir o infinitivo precedido da preposição de  e de o mesmo servir de complemento nominal a adjetivos – capazes – há preferência do uso da forma não flexionada do infinitivo: «[...] mosquiteiros torácicos capazes de rejuvenescer [...]» (Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa: Sá da Costa, 2005, pp. 483). Ainda assim, a questão da flexão ou não flexão do infinitivo é muito controversa e leva ao questionamento constantemente. Por isso, os autores afirmam que parece ser «[...] mais acertado falar não de regras, mas de tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do infinitivo». (idem, pp. 482). Concluem, ainda, com base em Said Ali, que «a escolha da forma infinitiva depende de cogitarmos somente a ação ou do intuito ou necessidade de pormos em evidência o agente da ação» (idem. pp. 487). No primeiro caso prefere-se o infinitivo impessoal, no segundo, o pessoal. 

Pergunta:

Gostaria de saber se é possível transformar os verbos recamar e reerguer em verbos pronominais, isto é, gostaria de saber se é possível dizer-se e escrever-se "recamar-se" e "reerguer-se". E, neste sentido, é correcto escrever frases como «Um enorme poder diabólico está prestes a reerguer-se» e «As freiras recamavam-se de dominós»? Existe alguma regra fixa para saber se os verbos são passíveis de ser pronominais?

Grato pela atenção.

Resposta:

Recamar, com o sentido de «bordar a recamo, matizar, revestir, cobrir, ornamentar, enfeitar, ou conceder grande quantidade de bens» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora) a alguém (sentido figurado), e reerguer, com o significado de «tornar a erguer» (idem), são verbos transitivos diretos que aceitam pronome, ou seja, podem ser verbos pronominais. Portanto, as afirmações dadas pelo consulente estão corretas. Não obstante, estes dois verbos também ocorrem sem o pronome: «A rainha mandou recamar um vestido» e «Depois do furacão, eles reergueram a cidade».

Em relação à ultima questão, a resposta é não, não há nenhuma regra que permita perceber se os verbos são passiveis de ser pronominais. O que se sabe é que os verbos pronominais podem ser distinguidos em dois tipos:

1. «os que só se usam de forma pronominal»1apiedar-se, queixar-se, condoer-se, suicidar-se

2. «os que se usam também na forma simples, mas esta difere ou pelo sentido ou pela construção da forma pronominal»– debater (= «discutir»)  e debater-se (= «agitar-se»), enganar (alguém) e enganar-se (com alguém).  

1 Cunha, Celso e Cintra, L. F. Lindley (2005), 

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma correta de grafar a seguinte frase:

«Eu não admito ter sujo a viatura.»

ou

«Eu não admito ter sujado a viatura.»?

Resposta:

O verbo sujar é um dos muitos que tem duplo particípio passado, ou seja, na formação dos tempos compostos, tem a forma regular – em -ado – geralmente com os verbos ter e haver, e a forma irregular utilizada, geralmente, com os auxiliares ser e estar. Assim, na oração em apreço o correto seria «Eu não admito ter sujado a viatura». Para termos a forma sujo, a oração teria de ser, por exemplo, «A viatura está suja».