Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora
I ♥ Portugal
O inglês em vez da lingua nacional

A televisão pública portuguesa  exibe aos domingoas à noite, no seu primeiro canal,  um concurso designado I ♥ Portugal.  Assim mesmo, em inglês – ao contrário do que foi seguido noutras televisões europeias que traduziram o título para as suas línguas nacionais. Acaso porque fica mais sonante do que em português?

Pergunta:

Na frase «Aquelas são as mesmas», a palavra «as» é determinante ou pronome?

Resposta:

Na frase em apreço «aquelas são as mesmas» o «as» é o determinante artigo definido. Neste caso, «as mesmas» tem sentido demonstrativo1 e deverá preceder um nome, que no caso não está explícito, mas podia ser «pessoas» – «aquelas são as mesmas pessoas». O artigo definido as contribui para a construção do valor referencial da expressão, concordando em género e em número com o nome que a segue.

 

1 Como observam Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 341), «[m]esmo e próprio são demonstrativos quando têm o sentido de "exacto", "idêntico", "em pessoa"». Para o caso de «o mesmo» e «a mesma», os autores citados dão os seguintes exemplos: «Eu não posso viver muito tempo na mesma casa, na mesma rua, no mesmo sítio» (Luandino Vieira, João Vêncio: os seus amores; estória, Lisboa, Edições 70, 1979, p. 62); «Um e outro dizem a mesma coisa: Ela e Eu havemos de encontrar-nos um dia» (Almada Negreiros, Obras Completas, Lisboa, Estampa, 1970, vol. III, p. 89). Nestas citações as formas a e o são claramente artigos definidos precedendo expressões nominais.

Pergunta:

Qual o processo de formação na origem das palavras promover e promoção?

Resposta:

Do ponto de vista do português moderno, o verbo e o substantivo referidos – promover e promoção – são palavras derivadas por prefixação. No primeiro caso, identificamos o prefixo pro-, que sugere a noção de «movimento para a frente)», e o verbo mover. Vejam-se exemplos com formação semelhante: procriar (pro+criar), propor (pro+pôr) ou prosseguir (pro+seguir). Já no caso de promoção encontramos o mesmo prefixo, pro- e o substantivo moção, o mesmo acontece em substantivos como procriação, proposição ou proclamação.

Apesar desta classificação, é importante referir que do ponto de vista histórico, sabemos que a derivação destas palavras não se operou no português, mas, sim, nos vocábulos latinos que estão na sua origem. Com efeito, promover constitui a adaptação de promovēre, de pro-, «para a frente» + movere, «mover, agitar» (cf. Dicionário Houaiss); e promoção vem de promotīo, ōnis , de pro- + motīo, «movimento, agitação» (idem).

Pergunta:

No âmbito da gestão, encontro com bastante frequência a palavra "calculativo" associada ao modelo de Meyer e Allen, nas traduções para português. No entanto, fico com dúvidas se, na realidade, esta palavra existe em português, ou se é mais uma tentativa de tradução forçada de um termo estrangeiro, e se não seria mais apropriado utilizar-se o termo "calculista".

Resposta:

Apesar do adjetivo calculativo não estar dicionarizado, a verdade é que ele se utiliza, por exemplo, em contexto académico: «comprometimento calculativo». Este adjetivo, que parece ser um decalque do inglês calculative, é formado pelo verbo calcular e o sufixo -(t)ivo, que denota o sentido de ação, referência ou modo de ser.

Quanto a calculista, adjetivo que significa «que ou o que faz cálculos; que ou pessoa que tudo calcula ou que não procede senão por interesse» (Dicionário Infopédia), é formado pelo substantivo cálculo e o sufixo -ista que lhe atribui um sentido de ocupação ou ofício. Posto isto, o adjetivo calculista, como sugere o consulente, poderia ser perfeitamente utilizado com vantagem sobre de calculativo, mas acontece que, de todas as aceções que aquele adjetivo tem, a que mais se lhe associa é a de «pessoa que tudo calcula ou que não procede senão por interesse». Outra possibilidade será empregar calculador, «que calcula», ou calculante, com o mesmo sentido, os quais constituem adjetivos mais neutros em relação a juízos morais.

No entanto, uma consulta de várias páginas da Internet confirma que calculativo se impôs como termo académico no estudo das organizações, fazendo parte de uma tipologia – as outras dimensões são o «comprometimento afetivo» e o «comprometimento normativo» –, a que é proposta por John P. Meyere Natalie J. Allen, em

O lugar do neologismo inglês <i>pedophrasty</i> na língua portuguesa
O exemplo espanhol perante um anglicismo

Em inglês, a propósito da crise climática e das consequentes manifestações de jovens, surgiu um novo termo pedophrastyEm espanhol já há registo do mesmo termo – pedofrastia –, que é apresentar argumentos recorrendo a crianças para sustentar a defesa de uma causa. Quanto à língua portuguesa, a expressão começa a ser usada, mesmo que timidamente. Será que pedofrastia é um termo que veio para ficar?