Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
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Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Serão os termos carcinogéneo (Dic. Editora) ou carcinógeno (Dic. Houaiss e Priberam) equivalentes? Estranho não aparecerem ambos em todos os dicionários. Será o primeiro termo mais usado em Portugal e o segundo no Brasil?

Obrigado.

Resposta:

Carcinogéneo e carcinógeno são termos semanticamente equivalentes que designam algo que direta, ou indiretamente, pode causar cancro. Em relação ao seu uso, consultando o corpus da variante brasileira da língua portuguesa disponibilizado pela Linguateca, verifica-se que o termo carcinógeno contabiliza 68 ocorrências, ao passo que não se assinala nenhuma ocorrência de carcinogéneo. Ainda recorrendo ao mesmo corpus, mas na variante europeia, observa-se a coocorrência de ambos os termos, ainda que, numa perspetiva geral, o seu uso seja escasso. Assim, a hipótese que o consulente apresenta pode ser considerada válida.

Registe-se ainda que o elemento de formação -geno (que é átono) de origem grega e veiculando a ideia de «nascimento, origem, descendência, raça…» – se encontra em muitos termos compostos na variante brasileira (cf. Dicionário Houaiss), como autógeno («produzido sem influência externa») ou alucinógeno («que produz alucinações»), ao passo que, na variante europeia, formas que incluem esse elemento são remetidas para outras que apresentam -géneo ou -génio, em casos como autogéneo (adjetivo) e alucinogénio (substantivo, tem também uso adjetival)1.

1 O Dicionário Houaiss define o seguinte contraste entre -géneo e -génio: «[...] a distinção gráfica, aos poucos consolidada, postula em -gênio substantivos (raro adj...

Pergunta:

Diz-se: «qualquer discussão sobre...», ou «qualquer discussão em relação a...»?

Resposta:

No Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos (28.ª edição), de Francisco Fernandes, constam as seguintes regências do substantivo discussão: a propósito de, com, de, entre e sobre. Ainda que a locução «em relação a» – locução com valor e emprego de uma preposição – não conste na lista de regência, a mesma parece ser aceitável, uma vez que podemos considerar «em relação a» equivalente à preposição sobre e à locução prepositiva «a propósito de».

Pergunta:

Qual a origem da «Dar vivas ao pato-bravo» (Trás-os-Montes)?

Resposta:

Não foi possível identificar a origem da expressão «dar vivas ao pato-bravo», nem em dicionários de expressões populares nem em qualquer outro documento. Regista-se, contudo, no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, a expressão «dar vivas à Cristina» – gritar na rua, dando vivas –, da qual, podemos especular, a expressão que o consulente indica possa ser uma variante regional.

Pergunta:

Sendo que não há, segundo sei (e felizmente), aportuguesamento da palavra croissant, o respectivo diminutivo será "croissantzinho", certo?

Obrigado.

Resposta:

A fixação de uma forma portuguesa da palavra croissant é uma questão que está longe de reunir consenso. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, além da forma francesa croissant, propõe a forma derivada croissã. Já o Novo Aurélio da Língua Portuguesa atesta tanto croissant como croassão e ainda cruassã. Por sua vez, na versão eletrónica do Houaiss encontra-se somente croissant em itálico, para assinalar que se trata de um estrangeirismo, com o respetivo plural croissants. Por fim, e à imagem do Houaiss, o Portal da Língua Portuguesa atesta apenas as formas croissant/croissants.

Posto isto, e passando para a pergunta do consulente, temos portanto dois problemas. O problema da unanimidade de uma forma na língua portuguesa, já analisado, e, por outro lado, e aceitando que a melhor solução é adotar a forma estrangeira croissant, o problema da derivação da forma do diminutivo, uma vez que a palavra-base em questão apresenta uma grafia estrangeira. É comum ouvir a forma sintética “croissantzinho”, ao invés de uma forma analítica, como “um pequeno croissant”. Neste caso, a derivação assemelha-se a palavras como maçã ou romã (maçãzinha e romãzinha respetivamente), em que se verifica a ligação da forma de base ao prefixo –zinha. Contudo, a derivação com formas de base estrangeiras, além de nomes próprios, não é aceite por perspetivas mais conservadoras da morfologia da língua portuguesa, pelo que se deve evitar, salvo em contextos informais, grafar a palavra “croissantzinho”.

Pergunta:

Oiço os jovens luandenses pronunciar excepção e decepção («decepcionado», assim mesmo, pronunciando sempre o p. Como lhes explicar que a «nova língua» usada agora em Portugal grafa «exceção», «deceção», «dececionado»?

Resposta:

Como é sabido, o Acordo Ortográfico de 1990 (AO) afetou a grafia das sequências consonânticas cc, , ct, pc, e pt, a respeito das quais a base IV do documento determina o seguinte:

a) Conservam-se nos casos em que são invariavelmente proferidos nas pronúncias cultas da língua (…);

b) Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua (…);

c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente quando se proferem numa pronúncia culta, quer em geral quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento (…);»

 Assim, verifica-se que é o princípio da pronúncia da norma culta, entendida aqui como a norma-padrão de cada um dos oito países em que o português tem o estatuto de língua oficial, que determina a supressão ou, pelo contrário, a manutenção das consoantes mudas.

Tendo em mente esta noção de norma-padrão, encontramos casos de supressão ou, pelo contrário, de manutenção, de sequências consonânticas apenas numa das normas-padrão ou então transversais a todas as normas-padrão.

O próprio texto em que são enunciados os critérios do Acordo Ortográfico, a Nota Explicativa, refere no ponto 4 que: «Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes c e p