Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
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Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É certo falar «se eu fosse de carro, teria chego mais cedo»?

Resposta:

De um ponto de vista normativo, a frase que apresenta não é correta, dado que chego não é o particípio passado do verbo chegar. O particípio passado do verbo chegar é chegado.

Não obstante se assinalar apenas uma forma de particípio passado do verbo chegar, existe um grande número de verbos com duas formas de particípio passado, tradicionalmente conhecidos por verbos abundantes. Os verbos abundantes, de acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (3.ª ed., p. 441), são verbos que «possuem duas ou mais formas equivalentes (…)», e essa abundância «ocorre apenas no particípio, o qual, em certos verbos, se apresenta com uma forma reduzida ou anormal ao lado da forma regular»¹.

Uma primeira forma, dita regular, correspondente à terminação -ado (verbos da 1.ª conjugação, como achar, acabar, encontrar…) ou -ido (2.ª e 3.ª conjugações, como comer, beber, partir…). Em relação à segunda forma, irregular, Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (37.ª ed., p. 229), observa que esta forma é «proveniente do latim ou de nome que passou a ter aplicação como verbo, terminado em –to, -so ou criado por analogia com modelo preexistente». A título de exemplo temos matar (matado e morto), prender (prendido e preso) e imprimir (imprimido e impresso). 

Como referimos, o verbo chegar é um verbo cujo particípio passado é regular. Pese embora esta regularidade, assinale-se que a...

Pergunta:

É realmente errado dizer: «Vou calçar as ceroulas e as calças»? Ou será apenas falta de uso? Numa tentativa de entender melhor o significado do verbo calçar, encontrei o seguinte, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:

«calçar – Conjugar (latim calceo, -are) v. tr.

1. Aplicar o calçado ou as meias ao pé.

2. Vestir, pôr (calças, ceroulas, luvas ou esporas).

3. Prover de calçado.

4. Empedrar.

5. Pôr calço em.

6. Acerar, revestir de aço (ferramentas).

7. Chegar e conchegar terra (ao tronco da planta).

8. Usar luvas ou calçado de determinado número de pontos da craveira.»

Poderiam dar-me alguma explicação mais sobre este assunto?

Agradeço muito.

Resposta:

Ceroulas1 são uma peça de roupa masculina com duas pernas, usada debaixo das calças, que cobre da cintura até aos tornozelos. Tal como no caso das calças e dos calções2 , pelo menos, atualmente em português europeu, usam-se os verbos vestir/despir e pôr/tirar para nos referirmos a esta peça de indumentária.

1 Nota etimológica do Dicionário Houaiss (abreviaturas desenvolvidas): «Segundo Antônio Geraldo da Cunha [Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa], do árabe sarāwil feminino plural "calças, calções"; José [Pedro] Machado (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa] afirma provir do árabe vulgar sarāul, pronunciado sarōl, plural de sirōal "calça, calção", achando estranha a ausência do artigo definido arábico [...].»

2 Por vezes, a peça de roupa é compatível com vestir e calçar, como acontece com  colãs (ou collants).

Pergunta:

Na Gramática da Língua Portuguesa de Clara Amorim, a palavra sul-americano é apresentada como exemplo de composição morfológica. Eu integrá-la-ia na composição morfossintática. Estou errada? Gostaria de obter a resposta correta, se possível.

Obrigada.

Resposta:

Pode considerar-se que o gentílico em questão, sul-americano, é um composto morfológico, por nele se incluir uma forma (neste caso, sul) que não deve ser analisada como palavra autónoma, mas, sim, como radical – apesar de ter a mesma forma e  significado semelhante ao adjetivo e substantivo sul, com um valor de especificação equivalente a «do sul» (ver mais adiante). Não se trata de um composto morfossintático, porque este tipo de composto associa sempre duas palavras, em resultado da cristalização de uma unidade sintática, eventualmente abreviada; ex.: porta-chaves < «porta chaves», isto é, «algo que leva chaves»; bomba-relógio < «bomba e relógio» ou «tipo de bomba que tem relógio»; azul-escuro < «azul que tem tom escuro».

Note-se que, em sul-americano, encontramos dois constituintes concatenados, ou seja, temos um primeiro elemento invariável, sul, e um segundo elemento, núcleo do composto, que consiste numa forma derivada de América ([americ[an][o]) com valor de gentílico. A flexão em género e em número é feita apenas pelo elemento nuclear: sul-americano, sul-americana, sul-americanos. A formação deste composto e de outros semelhantes (norte-americano, sul-africano, norte-coreano), todos eles incluindo um primeiro elemento invariável1 referente aos pontos cardeais, encontra paralelo noutros adjetivos pátrios ou gentílicos compostos, que  coordenam uma forma adjetival invariável e outra variável (cf. belgo-suíço, belgo-suíços) e se classificam como compostos morfológicos (ver M. H. Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisbo...

Pergunta:

Presentismo, relativo a baixa de produtividade devida a o trabalhador estar presente no trabalho mas não estar em condições de trabalhar, é uma palavra portuguesa?

Resposta:

Presentismo é um neologismo que está a ser usado em trabalhos académicos, mas ainda não entrou nos dicionários do português contemporâneo.

Este termo parece ser a transposição do termo inglês presenteeism, que não tem exatamente o mesmo significado atribuído na pergunta:

«the practice of persistently working longer hours and taking fewer holidays than the terms of one's employment demand, esp as a result of fear of losing one's job» (Collins English Dictionary, em linha)

Tradução livre:

«A prática de trabalhar persistentemente, durante muitas horas e ter menos dias de férias do que prevê o contrato de trabalho, sobretudo por receio de perder o emprego.»

Os dicionários da Oxford University Press e da Cambridge University Press reiteram esta definição.

Assinale-se que o termo também passou ao espanhol como presentismo, ou mais precisamente presentismo laboral, conforme se observa no artigo dedicado a esta palavra nas páginas da Fundéu, por oposição aos conceitos associados a ausentismo e absentismo (também derivado do inglês absenteeism). É de notar que, nesse apontamento, se diz que o presentismo pode não repercutir-se num aumento da produtividade laboral.

Relati...

Pergunta:

Qual a origem da palavra tesouro?

Resposta:

De acordo com o Dicionário Houaiss (2001, versão eletrónica), a palavra tesouro entrou na língua portuguesa por via do latim (thesaurus, i – «tesouro, bens, haveres, teres, provisões de toda sorte, local em que se acumulam os bens materiais e não materiais, depósito de conhecimentos»). J. P. Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (Ed. Confluência, 1959, p. 2076), esclarece que o primeiro registo do vocábulo em documentos escritos remonta a 1214, mais precisamente ao testamento de D. Afonso II, um documento que é tido como um dos mais antigos produzidos em português.