Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em várias publicações tenho visto o termo "voltagem" ou "amperagem" quando alguém se refere à tensão ou corrente eléctrica, medido em volts ou ampères.

Também tenho visto estas palavras em alguns dicionários online. Estas palavras existem?

É que não encontro "wattagem" referente à potência em watts ou "joulagem" relativo à potência em joules.

Obrigado.

Resposta:

De facto, os substantivos femininos voltagem e amperagem existem, estando registados na generalidade dos dicionários de língua portuguesa consultados.

Assim, voltagem é definida como a «diferença de potencial ou a força electromotriz expressa em volts» (Grande Dicionário Universal da Língua Portuguesa), e amperagem como «intensidade, em amperes, de uma corrente eléctrica» (Dicionário Cândido Figueiredo).

Os supostos substantivos femininos «wattagem» (de «watt») e «joulagem» (de «joule») não se encontram registados em nenhum dos instrumentos linguísticos de língua portuguesa consultados.

No entanto, será importante referir que o termo inglês wattage se encontra registado, por exemplo, no Longman Dictionary of Contemporary English, com a seguinte definição: «power in watts: an electric heater with a wattage of three kilowatts»1. Deste modo, e ainda que não seja muito comum, poder-se-á encontrar, em trabalhos portugueses relacionados com a área da física, a palavra «wattagem», transportada directamente do referido substantivo inglês. Valorize-se ainda a existência, na língua portuguesa, do adjectivo wattado, que surge no Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa e no Grande Dicionário Aurélio com o significado «eletricamente ativo» (ex. «corrente wattada»).

Nota: Sublinhe-se que muitos técnicos da área da electricidade não aceitam estas designações, preferindo «tensão eléctrica» (em vez de «voltagem») e «intensidade de corrente» (em vez de «amperagem»). Argumentam ...

Pergunta:

De uns tempos para cá tenho notado a incidência cada vez mais abundante de expressões como «Você é a coisa mais linda», «Deus deve ser a coisa mais importante de sua vida» etc. Creio que são modos descabidos de dizer, uma vez que nós, as pessoas, não somos coisas. Sou de opinião que a palavra coisa, nessas e quejandas expressões, deve ser substituída pelo vocábulo pessoa. Comunga o Ciberdúvidas com meu pensamento?

Muito grato!

Resposta:

Coisa: «tudo o que existe ou possa existir, de natureza corpórea ou incorpórea» (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa); «tudo o que existe ou pode existir real ou abstractamente» (Infopédia); «Aquilo que existe ou pode existir» (Novo Dicionário Aurélio); «o que existe ou pode existir» (Grande Dicionário Universal da Língua Portuguesa).

Tendo em conta que esta é a primeira definição de coisa que surge em todos os dicionários de língua portuguesa consultados, considero que a referida palavra se encontra correctamente aplicada nos exemplos que o consulente aqui nos propõe.

É evidente que, em determinados contextos, dependendo naturalmente do modo como é utilizada e até do tom com que é dita, a palavra coisa poderá ser usada com fins ofensivos ou de amesquinhamento do outro, sendo mais compatível, nesses casos, com uma das suas outras possíveis definições: «Qualquer ser inanimado» (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa). Assim, se alguém, para caracterizar outra pessoa, recorrer por exemplo à formulação «aquela coisa ali», poderá estar, com alto grau de probabilidade, a ser maldoso ou, no mínimo, irónico. Abrimos aqui um parêntesis apenas para referir que existe até uma locução — «coisa à toa» — que significa justamente «pessoa ordinária, reles, desprezível» (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa). No entanto, nenhum destes contextos me parece estar, de forma alguma, em linha com os exemplos que aqui nos apresenta.

Aliás, uma das frases que o consulente nos sugere lembra-me até o famoso texto de Vinicius de Morais, «Garota de Ipanem...

Pergunta:

Recentemente surgiu a dúvida em relação à grafia da palavra ruptura com o novo Acordo. A Infopédia diz que será rutura, mas, sendo que já existe rotura na língua portuguesa, não será mais correcto usar rotura? Quem escreve ruptura não deveria pronunciar "RUP-TU-RA"? Se o P é eliminado, escreve-se rotura e pronuncia-se “rutura”. Ou será "rutura" aceitável?

Resposta:

Rotura e ruptura encontram-se registadas na generalidade dos dicionários de língua portuguesa consultados*, sendo apresentadas como sinónimos e derivando ambas do latim ruptūra, ae, «ruptura, quebra», derivado de rumpĕre, «romper» (Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa). O Novo Dicionário Aurélio acrescenta ainda que ruptura deriva «do latim tardio ruptura, por via erudita». Em Portugal, pronunciam-se ambas da mesma forma [rutura], sendo que o p, em ruptura, surge como consoante muda**; no Brasil, em ruptura, a consoante [p] é realizada do ponto de vista da pronúncia (leia-se, a este propósito, esta resposta).

De facto, o novo acordo ortográfico prevê que «Quando precedem um t, ç ou c, as letras c e p passam a escrever-se apenas se forem pronunciadas: ação em vez de acção, ótimo por óptimo. Nas sequências mpt, mpc e mpç o m passa a ser escrito n quando o p não se escreve: perentório e não peremptório. Em todos estes casos, quando a consoante é realizada na pronúncia, realiza-se também na ortografia: pacto não passa a ser escrito pato. À semelhança do que já sucedia no Brasil, esta regra passa a aplicar-se também em Portugal, nos PALOP e em Timor» (Portal da Língua Portuguesa).

Deste modo, em Portugal, de acordo com as coordenadas do acordo ortográfico, pass...

Pergunta:

Depois de pesquisar sobre a utilização dos verbos haver e existir quando têm o mesmo sentido, concluí que o verbo existir é pessoal e deve concordar com o seu sujeito:

«Existem dois quartos e uma sala de estar nos apartamentos.»

O verbo haver fica no singular porque não tem sujeito, mas os seus sinónimos têm sujeito e devem concordar:

«Há dois quartos e uma sala de estar nos apartamentos.»

E se se tratar de uma enumeração? Tenho obrigatoriamente de conjugar o verbo?

«Existem sauna, hidromassagem e banhos turcos à disposição», ou «Existe sauna, hidromassagem e banhos turcos à disposição»?

Muito obrigada pela vossa atenção!

Resposta:

Como suporte estrutural para a análise da questão em apreço, parece-me importante começar por referir que, no exemplo apresentado, verificamos a existência de um sujeito composto («sauna, hidromassagem e banhos turcos»), que surge colocado em posição pós-verbal (neste caso, depois do verbo existir).

Se adoptarmos uma postura estritamente normativa sobre este caso de concordância, há que dizer o seguinte: mesmo no contexto em análise, o verbo existir deverá ser conjugado no plural, pois «no português (...) o verbo concorda com o sujeito em pessoa e número», Gramática da Língua Portuguesa, Mateus et alii, p.157).

No entanto, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, aquando da análise de casos particulares de concordância verbal com sujeitos compostos pós-verbais, é referido que «(...) o verbo que tem mais de um sujeito pode concordar com o sujeito mais próximo (...): Que te seja mais propício o astro e a flor» (p. 505).

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Madalena Colaço, no artigo «Concordância parcial em estruturas coordenadas em português europeu» (Actas do XIV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, 1998, pp. 349-367), sugere que, «quando o sujeito ocorre em posição pós-verbal — ordem V-S —, (...) o verbo tanto pode partilhar marcas morfológicas de concordância com todo o constituinte coordenado como pode estar em concordância apenas com um dos sujeitos que se lhe seguem». Exemplos:

(Quem telefonou esta tarde?)

a. «Telefonaram o Pedro, a Maria, o João, o José e a Ana»;

Pergunta:

Quando estamos a mudar de casa, dizemos «Estou em mudanças», ou dizemos «Estou de mudanças»?

Resposta:

Penso que estarão correctas as duas formulações propostas pela consulente, ainda que, em termos de dicionários, no contexto sugerido, encontre registada apenas a expressão «estar de mudança», significando justamente «ato ou efeito de mudar(-se) (...) troca de um lugar (país, região, residência etc.) para outro» (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, 2009).

No entanto, é de valorizar o facto de no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, surgir «andar em mudanças», expressão que me parece compatível com o contexto que a consulente aqui nos apresenta. Por outro lado, no corpo CETEMPúblico, encontramos também algumas ocorrências da formulação «estar em mudanças», no exacto contexto sugerido pela consulente. Ex.: «Gabinete de Relações Culturais Internacionais está em mudanças para as instalações do Instituto Português de Cinema (IPC), em S. Pedro de Alcântara.»