Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
Pedro Mateus
31K

Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Minha dúvida é: qual a diferença entre composto e substância? Embora em livros de química seja possível encontrar definições para estas palavras, vale destacar que a maioria desses textos didáticos são traduções de textos originalmente escritos em inglês. Sei que a origem das palavras composto e seu suposto equivalente em inglês compound possuem origens semanticamente distintas. A explicação que me deram foi: quando temos uma substância pura, deve-se dizer, p. ex, «isolou-se a substância»; quando tratar-se de misturas de duas ou mais substâncias, deve-se dizer «isolou-se os compostos». Já em textos de química a diferenciação é feita considerando-se os átomos que compõem uma molécula em particular da "substância". Caso seja composta de um único átomo, seria uma «substância simples»; caso seja composta de dois ou mais diferentes átomos, já seria uma «substância composta» ou simplesmente dizendo um «composto». Isso seria verdade se a tradução literal de compound fosse composto em português. Porém, disseram-me que as duas palavras possuem origens distintas, e, portanto, não podem ser interpretadas literalmente. Enfim, vocês poderiam, por gentileza, esclarecer a minha dúvida sobre a origem semântica de substância e composto em português, quebrando o paradigma criado pela interpretação errônea da palavra compound.

Muito obrigado.

Resposta:

No contexto da química, substância é a «denominação genérica de elementos compostos caracterizados por uma única e idêntica constituição, tornando-se portanto homogéneos», e composto é uma «substância cuja molécula é constituída de vários átomos diferentes». Valorize-se ainda, como sinónimo de composto, a existência da locução «substância composta» (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, 2009).

Deste modo, quimicamente falando, e de forma muito sumária, o que temos é o seguinte:

1. «Substâncias elementares ou simples», constituídas por átomos do mesmo elemento químico. Ex: ferro (Fe) ou oxigénio elementar (O2);

2. «Substâncias compostas», ou «compostos», constituídas por átomos de elementos químicos diferentes. Ex: água (H2O) ou amoníaco (NH3).

Refira-se que, ao contrário do que acontece com as «substâncias compostas», ou «compostos», não é possível decompor, através de reacções químicas, as «substâncias elementares ou simples» noutras substâncias.

Por outro lado, será importante não se confundir «substância composta», ou «composto», com «mistura» («associação de substâncias, distribuídas uniformemente, em processo que deixa intactas as moléculas, resultando num todo homogéneo; dissolução» — Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, 2009). Nas «misturas», cada componente mantém, portanto, as suas características. Por exemplo, se misturarmos água e sal, a água continua com as suas características — é líquida, tem o mesmo ponto de ebulição e fusão, etc. — e o mesmo sucede com o sal. Nos «compostos», o proc...

Pergunta:

Gostaria de saber se na estrofe abaixo a conjugação do verbo ufanar está correta ou não e por quais motivos:

«Teu passado e teu presente se irmanam

E se enlaçam, ainda, com os anos do porvir...

És pequeno, mas, contudo, te ufana:

De modelo para a Pátria hás de um dia servir!»

Obrigada.

Resposta:

O verbo transitivo directo e pronominal ufanar significa «tornar (alguém) ou sentir-se orgulhoso ou envaidecido» (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, 2009), ou ainda «alegrar, regozijar» (Infopedia, 2010).

Ora, no excerto textual que a consulente teve a gentileza de pôr à nossa consideração, reparamos que o verbo ufanar surge justamente na sua forma pronominal («ufanar-se») e no modo imperativo («ufana-te», como se diz geralmente, com pronome enclítico, ou «te ufana», como pode acontecer dialectalmente no português do Brasil).

Assim, parece-nos correcta a utilização do referido verbo, no contexto em que a consulente sugere. Parafraseando parte do texto apresentado, repare-se que «te ufana» poderia facilmente ser substituído por «te orgulha» («orgulha-te»), ou «te alegra» («alegra-te»), [porque] «de modelo para a Pátria hás-de um dia servir!».

Pergunta:

Tenho observado o uso frequente da locução adverbial «às pressas». Qual é a posição da norma em relação a isso?

Obrigado.

Resposta:

A locução «à pressa» ou «às pressas» é aceite no contexto da língua portuguesa, encontrando-se registada, por exemplo, no Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa e no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Significa «com grande rapidez e geralmente malfeito» (ex.: «Inspectores obrigados a aprovar viaturas à pressa e sem condições», in dn.pt; «Hungria ergue dique às pressas para evitar novo vazamento tóxico», in noticias.uol.com.br).

Pergunta:

A palavra desprivatizar existe na língua portuguesa?

Resposta:

Ao contrário, por exemplo, do castelhano, a entrada desprivatizar não surge em nenhum dos dicionários de português consultados. No entanto, esta palavra apresenta uma formulação perfeitamente aceitável e comum no âmbito das regras de formação de palavras na língua portuguesa, já que o prefixo des- exprime a ideia de «separação, afastamento, ablação, acção contrária, de cima para baixo, intensidade, reforço» (Infopédia). Assim, desprivatizar significará o contrário de privatizar, isto é, estatizar, nacionalizar. São estas, aliás, as formas aceites na língua portuguesa como antónimos de privatizar (cf. Dicionário Eletrônico Houaiss e Dicionário de Sinónimos e Antónimos do jornal Público).

Valerá ainda a pena dizer que o verbo desprivatizar (assim como formas linguísticas com ele relacionadas) é utilizado de modo corrente na maioria dos meios de comunicação social portugueses e brasileiros de referência (ex.: «Bloco de Esquerda propõe desprivatizações na água e na energia», Jornal de Negócios online, 1/9/2009; «Eu vou desprivatizar, nesse sentido, toda a administração pública, inclusive as empresas», excerto da entrevista de José Serra, candidato à presidência da República Brasileira, TV Globo, 1/9/2010). Porém, se fizermos uma análise mais fina, verificamos que este termo apenas é associado, na esmagadora maioria das vezes, a instituições, empresas ou serviços que já pertenceram, em tempos, ao Estado, chegando-se mesmo...

Pergunta:

Ouvi falar que há três tipos de vírgulas obrigatórias.

E que se soubermos essas excepções fica bem mais fácil entender a colocação das outras.

Será que vocês podem me explicar melhor?

Resposta:

Existem vários contextos em que o uso da vírgula é obrigatório, todos eles discriminados na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra.

Não dispensando de forma alguma a leitura na íntegra dessa preciosa passagem da referida gramática (pp. 640-646), salientarei aqui apenas, de forma não exaustiva, algumas das regras que me parecem essenciais.

O uso da vírgula é obrigatório

A) no interior da oração:

1) para separar constituintes com a mesma função sintáctica, desde que não se encontrem unidos pelas conjunções e, ou e nem (i) [a não ser que estas surjam repetidas numa enumeração (ii)]:

(i) «Ouve-se o tinir da louça, uma criança que chora, um balde de água despejado, os gritos agudos das mulheres» (Herberto Helder, Os Passos em volta);

(ii) «Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos, nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas» (José Carlos Ary dos Santos, Canção de Madrugar);

2) para isolar os modificadores apositivos (i), vocativos (ii), elementos repetidos (iii) e modificadores (frásicos e verbais) antepostos (iv):

(i) «Vós, apóstolos presos numa intersecção de retábulos, dizei-me: por que não vos esqueço?» (Nuno Júdice, Cartografia de Emoções);

(ii)