Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há uma propaganda aqui no Brasil de uma cervejaria muito famosa que diz que a cerveja tem bebabilidade. Gostaria que vocês tecessem comentários morfossemânticos sobre tal palavra, pois não a achei no dicionário, mas a achei inusitada.

Obrigado!

Resposta:

Para que possamos compreender melhor o contexto em que a expressão citada pelo caro consulente surge, passo a transcrever a referida frase publicitária em toda a sua extensão: «Chegou Skol 360º — Não estufa e não empapuça. A cerveja com bebabilidade

Ora, estufar e empapuçar estabelecem, neste caso, entre si, uma relação de sinonímia, podendo ambos os termos significar «tornar(-se) cheio, volumoso, encher(-se), especialmente de ar; inchar(-se)»; «fazer inchar ou inchar; opar(-se)» (Dicionário Houaiss).

No fundo, a marca em causa procura resolver, por assim dizer, um dos incómodos efeitos mais característicos da ingestão de cerveja — a sensação de inchaço, enfartamento —, e que tem justamente que ver com a consequência da fermentação dos cereais, a partir da qual é produzida, como se sabe, a cerveja. Pretende-se, então, «possibilitar que o consumidor não se sinta estufado, ‘encharcado’ nem empapuçado ao tomar o líquido dourado».

Assim, é a própria marca que justifica a criação e o conteúdo desta campanha publicitária: «A nova cerveja foi desenvolvida após três anos de pesquisas e traz para o consumidor um novo líquido elaborado com fórmula que atende a um apelo antigo de parcela do público cervejeiro: um líquido que não estufa, com bebabilidade.» Esta fórmula, ainda segundo a empresa responsável pela marca em causa, sustenta-se no «inovador processo de fermentação [a que cham...

Pergunta:

Endereço-vos uma dúvida relativa à resposta dada à consulente Maria João Duarte, que vos questionou sobre a ortografia da gargalhada: parece-me que o "ah" exclamativo não tem o mesmo som que os "ha" da gargalhada; pois enquanto o primeiro não pressupõe, comummente, uma expiração de ar antecedente, o segundo pressupõe-na, creio, assim se justificando uma diferença na ortografia; ou não será assim e a razão por detrás da resposta dada à referida consulente não tem que ver com esse aspeto fonético?

Antecipado obrigado e votos de continuação do excelente trabalho.

PS: Fiquei com dúvidas acerca da construção frásica do meu comentário.

Resposta:

Em primeiro lugar, convém referir que as chamadas «onomatopeias autênticas (como glu-glu, tic-tac, etc.), não só são pouco numerosas como a sua escolha é de certo modo arbitrária, pois são a imitação aproximada e já meio convencional de certos ruídos (compare-se o português ão-ão, o francês ouaoua e o alemão wauwau)» (Ferdinand de Saussure, Curso de Linguística Geral, 3.ª edição, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1977, p. 127; veja-se, também, Carlos Ceia, E-Dicionário de Termos Literários).

Em segundo lugar, e no que diz respeito mais concretamente à onomatopeia em análise, será importante sublinhar que a letra h «em português é consoante muda, pelo que não representa só por si qualquer som [...]. O h inicial, igualmente mudo e geralmente etimológico, era aspirado no latim até fins da República Romana, tal como sucede hoje também em várias línguas germânicas, por exemplo» (Fernando Venâncio, nesta resposta; Infopédia). Deste modo, a opção pelo h gráfico, neste caso em início de palavra, não produzirá, actualmente, qualquer tipo de efeito audível (incluindo-se, aqui, a referida libertação de ar mencionada pelo consulente). Além disso, tal como referem Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, «quase todos os sons da nossa fala são produzidos por expiração» (p. 25).

Assim, e tal como consta, por exemplo, do ...

Pergunta:

Primeiramente gostaria de parabenizá-los pelo excelente trabalho.

Em segundo lugar, tenho uma dúvida relativa a duas frases:

«Se não fosse por elas, ele nunca teria tomado a iniciativa.»

«Não fossem elas, ele nunca teria tomado a iniciativa.»

Gostaria de saber se estão corretas e, se estiverem, se há diferença semântica entre elas.

Resposta:

Os dois enunciados propostos pelo consulente estão correctos, não se vislumbrando diferenças semânticas significativas entre eles.

Note-se que estamos perante duas orações condicionais hipotéticas — «Se não fosse por elas» e «Não fossem elas» —, sendo que, na primeira, detectamos uma «forma de subordinação adverbial», com a presença explícita da conjunção subordinativa se (Gramática da Língua Portuguesa, Maria Helena Mira Mateus e outros, p. 709). Já na segunda, é estabelecido o mesmo tipo de nexo semântico verificado na primeira, mas com o recurso a uma outra forma de expressão, isto é, a «uma construção de coordenação, em que os tempos e modos usados nas duas orações dependem [à semelhança do que acontece na primeira] da maior ou menor probabilidade da relação condição/consequência: [...] imperfeito do conjuntivo na primeira oração e [...] condicional na segunda oração (= fraca probabilidade): Trabalhasses pouco na faculdade e terias logo problemas». (op. cit., p. 710).      

Tendo em conta que, neste tipo de condicionais, os conteúdos proposicionais descritos nas primeiras partes dos enunciados (Se não fosse por elas; Não fossem elas; Trabalhasses pouco na faculdade) evidenciam um baixo grau de probabilidade, delimitando, portanto, os conteúdos proposicionais das consequências descritas nas segundas partes das frases citadas, alguns investigadores chamam a estas formulações «condicionais improváveis». Nestes casos, verifica-se que «o verbo é usado tipicamente no imperfeito do conjuntivo na oração antecedente, e no imperfeito do indicativo o...

Pergunta:

Gostaria de saber qual/quais das expressões seguintes está(ão) correta(s): «tenho tudo o que precisas», «tenho tudo de que precisas» ou «tenho tudo do que precisas». O verbo precisar pede a preposição de: quem precisa, precisa de alguma coisa. No entanto, penso que a primeira expressão me soa melhor, se bem que seja a que talvez faça menos sentido gramaticalmente.

Agradeço, desde já, a ajuda prestada e aproveito para felicitar os responsáveis pela manutenção deste portal, que tanta ajuda disponibiliza aos milhões de falantes do nosso idioma!

Resposta:

Segundo, por exemplo, o Dicionário Houaiss, «a) na atual norma portuguesa da língua, este verbo, quando na acepção de "ter necessidade de", pede objeto indireto, exceto quando a ele se segue outro verbo no infinitivo, especialmente no Brasil (precisava sair, precisou explicar-se); b) a preposição de é frequentemente omitida antes de complemento oracional: precisava (de) que lhe fornecessem comida».

Por outro lado, Maria Helena Mira Mateus e outros, na Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 248, apresentam o seguinte exemplo: «Preciso de comer/necessito (de) comer», dando-se a entender, portanto, que, no português europeu, até mesmo quando ao referido verbo se segue um outro no infinitivo, a preposição de deverá ser usada, ao contrário do que acontece com o verbo necessitar, a seguir ao qual a preposição parece ser opcional.

Confirmando esta linha de raciocínio, agora em análise de contextos orais, a mesma investigadora («Estudando a melodia da fala: traços prosódicos e constituintes prosódicos», Encontro sobre o Ensino das Línguas e a Linguística, APL e ESE de Setúbal, 27 e 28 de Setembro de 2004, p. 21) sugere o seguinte exemplo: «O tapete encarnado do meu escritório precisa de ser aspirado com cuidado», confirmando que, mesmo em situações de cariz mais informal, o verbo precisar deverá ser seguido pela preposição de.

Sendo assim, sustentado no exposto, e à semelhança do que acontece, por exemplo, com o verbo gostar (ex.: «OK Tu gostas de tudo» = «OK Tenho tudo de/do que tu gostas»/«*Tenho tudo ...

Pergunta:

O Código de Processo Civil português utiliza (por exemplo, no artigo 344.º, n.º 1) a palavra opoente para designar aquele que se opõe (que deduz oposição).

Algumas decisões judiciais começaram, para designar aquele contra o qual é deduzida oposição, a utilizar a expressão opoído ou oponido.

Gostaria de saber se estas últimas palavras existem, e, em caso negativo, qual a palavra que designa correctamente aquele contra o qual é deduzida oposição.

Resposta:

As expressões citadas não são acolhidas por nenhum dos instrumentos linguísticos de referência consultados.

Porém, se pesquisarmos nas Bases Jurídico-Documentais do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, do Ministério da Justiça, verificamos que os termos opoído e oponido ocorrem várias vezes em acórdãos, por exemplo, do Supremo Tribunal de Justiça, assim como de vários tribunais da relação (Lisboa, Porto e Évora), designando justamente, como refere o prezado consulente, «aquele contra o qual é deduzida oposição».

Note-se, no entanto, que opoído regista apenas 9 ocorrências, enquanto oponido surge em 36.

Assim, a avaliar por esta amostra oficial, ficamos com a ideia de que o vocábulo oponido será de uso mais frequente do que o termo opoído.