Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Eu precisava de saber se as palavras lume e luz têm a mesma etimologia; se são "parentes" da mesma família de palavras.

Muito obrigada pela ajuda e pela disponibilidade.

Resposta:

De facto, segundo o Dicionário Houaiss, os vocábulos em análise são da mesma família etimológica, se recuarmos ao proto-indo-europeu, pois luc- é um elemento de composição antepositivo «de uma raiz indo-europeia *leuk- 'ser luminoso, iluminar', representada em grego pelo adjectivo leukós, ê, ón, 'brilhante, claro, puro e [...] branco'».

Assim, e ainda de acordo com o referido dicionário, foram muitos os substantivos (e adjectivos) latinos derivados de *leuk-. Entre eles, estão, naturalmente, lux (luz, luz do dia), e lumen, de *leuk-s-men (luz como meio de iluminação).

Pergunta:

Consultando o Acordo Ortográfico no Portal da Língua, continuo com dúvidas no que diz respeito ao uso de maiúscula ou minúscula nos axiónimos/palavras usadas reverencialmente. Diz-se do uso de minúscula: «Nos axiónimos/axiônimos e hagiónimos/hagiônimos (opcionalmente, neste caso, também com maiúscula): senhor doutor Joaquim da Silva, bacharel Mário Abrantes, o [c]ardeal Bembo; santa Filomena (ou Santa Filomena).» O opcionalmente diz respeito aos axiónimos, ou só aos hagiónimos?

Por outro lado, diz-se do uso de maiúscula:

«Opcionalmente, em palavras usadas reverencialmente, aulicamente ou hierarquicamente, em início de versos, em categorizações de logradouros públicos: (rua ou Rua da Liberdade, largo ou Largo dos Leões), de templos (igreja ou Igreja do Bonfim, templo ou Templo do Apostolado Positivista), de edifícios (palácio ou Palácio da Cultura, edifício ou Edifício Azevedo Cunha).»

Assim, as palavras usadas revencialmente incluem os axiónimos?

Resposta:

Na alínea f) do ponto 1.º da Base XIX do Acordo Ortográfico («Das minúsculas e maiúsculas»), é referido que a letra minúscula inicial é usada «Nos axiónimos/axiônimos e hagiónimos/hagiônimos (opcionalmente, neste caso, também com maiúscula): senhor doutor Joaquim da Silva, bacharel Mário Abrantes, o cardeal Bembo; santa Filomena (ou Santa Filomena)».

Ora, da leitura da alínea citada, confirmada depois pela tipologia dos exemplos elencados na mesma, fica-se com a ideia de que só no caso dos hagiónimos é que se poderá optar pelo uso da maiúscula inicial. Repare-se que, quando se diz «opcionalmente, neste caso», «neste» parece ter escopo apenas sobre o termo «hagiónimos/hagiônimos», sendo que, do meu ponto de vista, a opção pelo uso do singular «neste» constituirá factor de desambiguação. Se se quisesse dizer que a opcionalidade do uso da letra maiúscula inicial abrangia também os axiónimos, ter-se-ia optado, creio, pela formulação plural «nestes casos», ou por «em ambos os casos». 

Admito, porém — ainda que não se me afigure muito plausível — que, apesar de tudo, pudesse eventualmente continuar a subsistir uma ponta de ambiguidade no conteúdo do enunciado, pois poder-se-ia entender que «neste caso» se referiria ao conjunto dos itens constantes da alínea em causa. Assim, poderíamos ler a frase citada do seguinte modo: «opcionalmente, neste caso [isto é, no que diz respeito ao conteúdo desta alínea], também com maiúscula». Contudo, parece-me que os exemplos a seguir sugeridos acabam por desfazer quaisquer dúvidas que possam subsistir, já que apenas no caso do hagiónimo santa Filomena

Pergunta:

Mesmo depois de ter consultado diversas obras de referência e lido os vários artigos sobre esta questão no Ciberdúvidas, continuo com dúvidas: é incorreto escrever «Ele não tem qualquer razão», com o significado de «Ele não tem nenhuma razão»? É que fico com a sensação de que, na segunda frase, a existência de dois elementos de caráter negativo (não e nenhuma) faz com que se anulem um ao outro, à semelhança da matemática, em que menos por menos dá mais. Assim, será que ao escrever «Ele NÃO tem NENHUMA razão» não estaremos a dizer que ele tem ALGUMA razão (se não tem "nenhuma" é porque tem "alguma")? Sei que os puristas são contra este uso de "qualquer", mas a língua evolui, ou não?

Agradeço a atenção e aproveito a oportunidade para vos felicitar pelo vosso magnífico trabalho neste sítio que tão bem defende a nossa amada língua.

Resposta:

Antes de mais, aproveito para agradecer as amáveis palavras do prezado consulente.

Ora, então, vejamos: o pronome indefinido qualquer pode efectivamente ser entendido como sinónimo do pronome indefinido nenhum, pois, como referem Maria Helena Mira Mateus e outros, na Gramática da Língua Portuguesa, p. 787, «O português possui sintagmas negados cujo valor negativo advém apenas de estarem no domínio de escopo e sob o foco de um constituinte intrinsecamente negativo [...] (a) Eu não vi qualquer pessoa na rua». Assim, o pronome qualquer, neste contexto, assume um valor negativo pelo facto de se encontrar sob a influência directa do marcador de negação não, já que «fora do domínio de escopo dos constituintes negativos, nomeadamente quando ocorre(m) em posição de sujeito pré-verbal ou isoladamente, apenas admite(m) uma leitura positiva [...] (a) Qualquer pessoa, por mais maleável que seja, não aceita essas críticas».

Contudo, a este propósito, e indo ao encontro da linha de raciocínio exposta pelo nosso consulente, penso que valerá a pena dar conta da seguinte nota veiculada pelo Dicionário Houaiss: «embora de emprego hoje bastante comum no Brasil, a gramática da língua condena o uso de qualquer no lugar de nenhum, ou seja, com o sentido de exclusão, o que ocorre em frases como: embora ferida, não recebeu qualquer ajuda da polícia ou reviu o pai, mas sem qualquer emoção visível». Por outro lado, Cintra e Cunha, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp. 358 e 364, quando se referem aos possíveis usos do pronome indefinido qualquer, n...

Pergunta:

Gostaria de saber se, apesar de já ser comum, é correcto chamar jurista a um licenciado ou a um mestre em Direito, ou se a palavra deve ficar reservada aos jurisconsultos. Releva apenas a formação em Direito, ou é necessário ter como profissão dar pareceres sobre questões de Direito?

Obrigada!

Resposta:

O Dicionário Houaiss, o Novo Dicionário Aurélio, o Dicionário Priberam, a Infopédia, o Dicionário de Sinónimos e Antónimos do jornal Público, por exemplo, apresentam o termo jurista como sinónimo de jurisconsulto, isto é, «indivíduo de grande conhecimento jurídico, especialmente aquele que dá consultas e emite pareceres sobre questões do direito» (Dicionário Houaiss).

Porém, se formos à raiz do vocábulo em análise, verificamos que jurista deriva do francês juriste, «aquele que é especializado na ciência do direito», do latim medieval jurista (Dicionário Houaiss). Neste sentido, por exemplo, o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (Lexicoteca, Círculo de Leitores), o Dicionário Enciclopédico Koogan/Larousse e o Dicionário Actual da Língua Portuguesa (Edições ASA) definem também jurista como «estudante de direito», «pessoa que conhece, que defende as leis», «advogado».

Deste modo, e perante impasses deste género, nada melhor do que consultar a opinião de especialistas na matéria. Assim, Manuel da Silva Gomes, associado sénior da Sociedade de Advogados PLM e secretário-geral da Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente, por exemplo, considera que, actualmente, o termo jurista é comummente utilizado de forma bastante lata, significando justamente estudante de direito, pessoa que conhece e que defende as leis, advogado, em sintonia, portanto, com as def...

Pergunta:

[Gostaria de] saber se acentuação gráfica se enquadra na ortografia, se posso trabalhar n[uma] aula prática “acentuação gráfica”. Aproveitando esse e-mail, será que pode me falar quais são as matérias que envolvem ortografia? Aguardo sua resposta.

Obrigada.

Resposta:

Segundo Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp. 63-74, a área da ortografia inclui o estudo da «letra e alfabeto» (p. 63), assim como tudo o que tenha que ver com as chamadas «notações léxicas», isto é, «um certo número de sinais auxiliares, destinados a indicar a pronúncia exacta da palavra» (p. 64). Incluem-se, portanto, aqui, os acentos (agudos, graves e circunflexos) — assim como as respectivas regras de acentuação —, o til, o trema, o apóstrofo, a cedilha, o hífen e os ditongos.

De forma talvez um pouco mais simplificada e menos hierarquizada, o Dicionário Terminológico define ortografia como o «sistema convencionado de regras que estabelecem, para uma determinada língua, a grafia correcta das palavras e o uso dos sinais de pontuação».

Deste modo, e respondendo directamente à questão apresentada pela estimada consulente, sim, a acentuação gráfica enquadra-se na área da ortografia.