Para que possamos compreender melhor o contexto em que a expressão citada pelo caro consulente surge, passo a transcrever a referida frase publicitária em toda a sua extensão: «Chegou Skol 360º — Não estufa e não empapuça. A cerveja com bebabilidade.»
Ora, estufar e empapuçar estabelecem, neste caso, entre si, uma relação de sinonímia, podendo ambos os termos significar «tornar(-se) cheio, volumoso, encher(-se), especialmente de ar; inchar(-se)»; «fazer inchar ou inchar; opar(-se)» (Dicionário Houaiss).
No fundo, a marca em causa procura resolver, por assim dizer, um dos incómodos efeitos mais característicos da ingestão de cerveja — a sensação de inchaço, enfartamento —, e que tem justamente que ver com a consequência da fermentação dos cereais, a partir da qual é produzida, como se sabe, a cerveja. Pretende-se, então, «possibilitar que o consumidor não se sinta estufado, ‘encharcado’ nem empapuçado ao tomar o líquido dourado».
Assim, é a própria marca que justifica a criação e o conteúdo desta campanha publicitária: «A nova cerveja foi desenvolvida após três anos de pesquisas e traz para o consumidor um novo líquido elaborado com fórmula que atende a um apelo antigo de parcela do público cervejeiro: um líquido que não estufa, com bebabilidade.» Esta fórmula, ainda segundo a empresa responsável pela marca em causa, sustenta-se no «inovador processo de fermentação [a que chamaram] 360º», e que, segundo um dos seus mestres cervejeiros, se caracteriza por uma «baixa fermentação com um ciclo [...] mais curto».
Posto isto, entendemos exactamente onde se pretende chegar com o recurso ao neologismo bebabilidade, isto é, percebemos que se quer transmitir a ideia de que este é um produto bebível, próprio para ser bebido, sem consequências ou efeitos secundários desagradáveis para quem o bebe, ao contrário do que, alegadamente, acontecerá com outros, que transformam aqueles que os consomem naquilo a que a marca em causa chama «homem-baiacu» (= espécie de peixes capazes de inflar o corpo — Dicionário Houaiss).
Contudo, é de notar que este não é um vocábulo totalmente inovador, pois já anteriormente (mais concretamente, em 2008) uma outra marca de cervejas — neste caso, a americana Bud —, havia utilizado, também em contexto publicitário, o termo drinkability, facilmente transformável, portanto, no português bebabilidade.
No que diz respeito à construção da palavra em si, parece-me que esta respeita os processos comuns de formação de vocábulos no contexto da língua portuguesa: verbo beber + -(i)dade (do sufixo latino -itas, -itatis, que exprime a noção de qualidade ou condição, geralmente para formar substantivos abstractos, ex.: normalidade — Dicionário Priberam). Assim, se, por exemplo, normalidade é a «qualidade do que é normal» (Priberam), bebabilidade será a «qualidade ou estado do que é bebível, ou passível de ser bebido».
Poderíamos, eventualmente, especular sobre o facto de ser talvez mais lógica e até preferível, ao nível da construção linguística, a formulação bebibilidade, correspondente a bebível. No entanto, penso que, do ponto de vista da mensagem publicitária — e esta é apenas a minha opinião —, será necessário que as palavras — neste caso, um neologismo —, como se dizia no século XVI, «batam na orelha», captem a nossa atenção, e, sobretudo, não se revelem de pronúncia demasiado entaramelada e difícil. Deste prisma, creio que o termo bebibilidade não seria tão eficaz como o é bebabilidade, já que o aglomerado quase barroco de b e de i do primeiro levar-nos-ia certamente, por assim dizer, a «tropeçar» na pronúncia do próprio termo (que, não nos esqueçamos, é inventado, facto que, por si só, já dificulta o acesso ao sentido que o mesmo pretende veicular). Por outro lado, sendo o a uma vogal aberta — ao contrário do i, que é fechada —, permite, de certa forma, «criar espaço» na própria palavra, tornando-a muito mais maleável e, portanto, pronunciável (=bebabilidade). Finalmente, não será despiciendo chamar a atenção para o facto de que o vocábulo bebibilidade se poderia, sobretudo do ponto de vista oral, confundir com outros termos, como debilidade, o que não seria, como facilmente se constatará, nada proveitoso para a imagem da marca.
Finalmente, diria apenas que o uso de neologismos em enquadramentos publicitários é um processo que se tem revelado bastante comum e profícuo. O realizador norte-americano David Lynch, por exemplo, sustentou, em 2003, toda uma campanha para a marca de automóveis Nissan em três estranhas palavras, criadas propositadamente para a ocasião: modtro (moderno+retro); simpology (simples + tecnologia) e spafe (espontâneo + seguro [= safe]), numa proposta de quase reinvenção da própria linguagem.