Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na literatura da área da psicologia, de origem anglo-saxónica, usa-se amiúde a distinção entre comportamento adaptative e maldaptative. Apesar de haver já uma pergunta e resposta sobre o termo mal-adaptativo, gostaria de saber se o antónimo correto de adaptativo deverá ser desadaptativo, mal-adaptativo ou inadaptativo. As três formas usam-se indiferenciadamente em textos portugueses, fruto, a meu ver, de traduções diretas que talvez mereçam ser esclarecidas pelo Ciberdúvidas. E já agora, a opção pelo uso de mal-adaptativo não obrigará a usar concomitantemente a expressão bem-adaptativo?

Muito grato pela vossa atenção, generosidade e iluminação.

Resposta:

No Oxford English Dictionary (OED), o vocábulo inglês maladaptation é definido como «Faulty adaptation. Hence maladaptive, a. [...]» (1).

Tendo em conta a definição proposta, julgo que o termo português que melhor captará a ideia que se pretende transmitir será mal-adaptativo.

E ainda que este vocábulo não seja acolhido por nenhum dos instrumentos linguísticos de referência consultados, o adjetivo mal-adaptado encontra-se registado, por exemplo, na Infopédia, com referência ao «que não se adaptou bem; que não se aclimatou». Por outro lado, podemos facilmente verificar que este começa a ser um termo bastante utilizado no contexto de trabalhos académicos na área da psicologia. A este propósito, atente-se, por exemplo, na dissertação de mestrado de Alina Maria Monteiro Bernardo Marques, apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, intitulada justamente «Esquemas mal-adaptativos precoces, ansiedade, depressão e psicopatologia em reclusas».

Os termos desadaptativo e inadaptativo poderiam eventualmente ser uma solução, apesar de também nenhum deles se encontrar registado. Contudo, parece-me que, a existirem, não seriam totalmente compatíveis com a definição de maladaptative sugerida pelo OED, pois, se tivermos em conta as definições existentes, por exemplo, de

Pergunta:

Depois de fazer uma busca na Internet e consultar o VOLP da ABL, bem como o VOP do ILTEC, percebi que as palavras concursando e concurseiro não são encontradas. Mas há a palavra concursista. O sufixo -eiro indica geralmente uma profissão, como vemos em padeiro, confeiteiro, açougueiro, costureiro, etc. Aqui, no Brasil, usamos o sufixo -ando para indicar algo em andamento. Temos graduando, formando, vestibulando. Para mim, fica muito claro que concurseiro seria o profissional que trabalha com os concursos, e concursando é aquele que se prepara em concursos. No entanto, o VOLP e o VOP reconhecem concursista como a única forma. Por que os estudiosos não resolvem essa questão? Preocupam-se com palavras sem uso, como é o caso de baiuca, jamais usada pelo povo brasileiro, mas deixam essas outras palavras fora do Vocabulário Ortográfico. Seria o caso de os estudiosos portugueses estudarem esta possibilidade?

Agradeço desde já.

Resposta:

O vocábulo concursista (acolhido, por exemplo, pela Infopédia e pelo Vocabulário Ortográfico do Português, desenvolvido pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional) parece-me adequado, no contexto proposto, já que -ista é um «sufixo formador de adjetivos e substantivos que exprimem a noção de [...] ocupação ou ofício (ex.: acordeonista, jornalista) [...]» (Dicionário Priberam), tal como -eiro, que «ocorre [...] predominantemente em vocábulos qualificativos e/ou designativos de homens e mulheres que exercem determinados ofícios, profissões, atividades» (Dicionário Houaiss).

A palavra concursando não se encontra efetivamente registada em nenhum dos instrumentos linguísticos de referência (portugueses ou brasileiros) consultados. Porém, na linha de todos os exemplos elencados pelo consulente, e tendo em conta a nota constante do Dicionário Houaiss, referente ao sufixo -ndo [«com a noção de "o ou que deve ser (mais a noção do rad.)"»], julgo que não será descabida a sua utilização no enquadramento proposto. Se, por exemplo, o educando é «que ou aquele que está sendo educado» (Dicionário Houaiss), o concursando será «que ou aquele que se encontra a participar num concurso».

Note-se, no entanto, que o vocábulo concursando, apesar de não se encontrar oficialmente registado, não deixa por iss...

Pergunta:

Peço desculpa se esta pergunta já foi feita, mas não a via no perguntas/respostas. A questão é esta: a aplicação de duodécimos aos subsídios de Natal e férias por uma empresa pode chamar-se de outra maneira? Já li "duodecimilização", num documento (ainda por cima escrito por um advogado) que me pareceu mal; respondi a esse documento com outra palavra: "duodecimização". Qual a V. opinião? Grato pela atenção.

Resposta:

De facto, não parece existir, na língua portuguesa, nenhum vocábulo que, por si só, defina o ato de aplicação de duodécimos.

Porém, quando se fala em questões do foro orçamental, parece ser comum, em termos técnicos e jurídicos, recorrer-se à expressão «regime duodecimal».

Deste modo, tal como temos, por exemplo, monumental-monumentalizar-monumentalização, Portugal, portugalizar, portugalização, plural-pluralizar-pluralização, talvez seja mais adequada e segura a opção pela sequência duodecimal-duodecimalizar-duodecimalização1 (supostamente, «ato, processo ou efeito de aplicação do regime duodecimal»). 

 1 e não «duodecimilização».

Pergunta:

Pretendo escrever um texto sobre o modo como os estímulos exteriores são transformados e adaptados a cada um dos sentidos. No caso da visão, falamos de visualização, por exemplo. Mas será que há um conceito genérico que seja independente dos sentidos? Podemos falar de "sensorização" (julgo que mais adequado a "usar sensores") ou "sensorialização"? Ou haverá uma palavra alternativa?

Obrigado.

Resposta:

Nenhum dos instrumentos linguísticos de referência consultados (portugueses ou brasileiros) acolhe os vocábulos sugeridos – sensorização ou sensorialização.

Contudo, e no que diz respeito ao primeiro termo – sensorização –, será bastante comum encontrá-lo, por exemplo, em trabalhos do foro académico relacionados com a área da engenharia eletrotécnica, ou da engenharia de sistemas e computadores, o que confirma a suspeita evidenciada pelo estimado consulente. 

Relativamente à segunda palavra elencada – sensorialização –, podemos notar que a expressão «princípio da sensorialização» surge bastas vezes enquadrada em contextos académicos relacionados, por exemplo, com investigações na área do tempo e da memória. Este termo – «princípio da sensorialização» –, tal como se pode ler neste trabalho da autoria da professora Norma do Carmo, investigadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), abarcará o conjunto dos cinco sentidos comummente referenciados: a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato, o que me parece ser compatível com as expetativas do consulente.

Por outro lado, e não querendo entrar em polémicas relacionadas com aspetos técnicos, valerá talvez a pena dizer que o termo perceção/percepção poderá eventualmente estabelecer uma relação de sinonímia com o vocábulo sensorialização. Repare-se, por exemplo, nas seguintes definições propostas pelo Dicionário Houa...

Pergunta:

Considerando a formação das seguintes palavras: dessubjugar; dessubstanciar; despublicar; seria também correto utilizar dessubscrever?

Resposta:

De facto, ao contrário de todos os outros vocábulos enunciados pela consulente, a palavra dessubscrever não se encontra registada em nenhum dos instrumentos linguísticos de referência consultados, ainda que, num plano meramente morfológico, eu não vislumbre qualquer problema na sua construção, visto que esta parece respeitar os mecanismos comuns que permitem a formação de palavras na língua portuguesa.

A língua inglesa, por exemplo, efetivamente, dispõe do verbo subscribe, assim como do seu respetivo antónimo, unsubscribe. Convém, no entanto, precisar que, de acordo, por exemplo, com o Oxford English Dictionary, o vocábulo unsubscribe (= dessubscrever) se utilizará apenas em contextos muito específicos, relacionados sobretudo com o universo do correio eletrónico (e-mail):

«To remove oneʼs details from an electronic mailing list, newsgroup, or similar service and thus cease to receive or contribute to its contents. [...] e-mail command requesting such a removal. [...]»1

Assim sendo, para este contexto concreto, a língua portuguesa disponibiliza várias soluções (mais extensas, é certo), que são correntemente utilizadas, ex.:

«Se não pretender receber mais convites deste concessionário, por favor clique aqui» (Peugeot Portugal);