Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
Pedro Mateus
28K

Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A minha questão é a seguinte: os cursos de Eng. Electrotécnica passam a ser designados Eng. Eletrotécnica? Este problema põe-se igualmente com os nomes das cadeiras.

O problema reside no facto de os programas e designações legais utilizarem o nome com a redacção antiga e consequentemente usando a redação mais atualizada, pode-se argumentar que o curso ou cadeiras não são as mesmas.

Resposta:

Ao abrigo do Acordo Ortográfico (AO) em vigor, a grafia correta da palavra em causa será, em qualquer contexto, Eletrotécnica (Vocabulário Ortográfico do Português e Dicionário Priberam).

Note-se que, de acordo com a legislação em vigor, «no prazo limite de seis anos após o depósito do instrumento de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, a ortografia constante de novos atos, normas, orientações, documentos ou de bens referidos no número anterior [bens culturais] ou que venham a ser objeto de revisão, reedição, reimpressão ou de qualquer outra forma de modificação, independentemente do seu suporte, deve conformar-se às disposições do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa» (Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, Diário da República, 1.ª série — N.º 145 — 29 de julho de 2008).

Deste modo, neste momento, estamos, portanto, em pleno período de transição, com a consequente aceitação da dupla grafia (a antiga e a nova). Assim, e tendo em conta que «o Acordo Ortográfico [...] se encontra em vigor [...] desde 13 de maio de 2009» (Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, Diário da República, 1.ª série — N.º 17 — 25 de janeiro de 2011), conclui-se que o mesmo (período de transição) se prolongará até 2015, data a partir da qual todo e qualquer documen...

Pergunta:

Fui confrontada recentemente com uma posição à qual não soube reagir. Dizia-me o meu interlocutor que, nos textos, se a última palavra de uma frase está em itálico, a pontuação adjacente (naquele caso era um ponto de interrogação) fica também em itálico.

Não me lembro de ver exemplos disto, e, como preceito, pareceu-me insólito, mas o meu interlocutor asseverou que assim era.

Existe alguma regra que vá explicitamente neste sentido? E, em caso afirmativo, ela aplica-se a todos os sinais de pontuação (vírgulas, etc.)? E quanto às chamadas para notas junto a expressões italizadas, também se italizam? (Relativamente a estas, o Word, por predefinição, italiza-as.)

Muito obrigada por qualquer pista que ajude a dissipar esta dúvida desconcertante e também pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

De acordo com o Código de redação interinstitucional, «o itálico emprega-se sobretudo para destacar».

Assim, dependerá sempre do contexto italicizar, ou não, os sinais de pontuação. Deste modo, se estes fizerem parte integrante da passagem a destacar, deverão, como é óbvio, surgir igualmente em itálico (ex.: «Se existir uma história daqui a alguns anos e eu fizer parte dela, atrevo-me a dizer que Quem tem medo de Virginia Woolf? será a peça que melhor se identifica com o meu nome» (Edward Albee, Quem tem medo de Virginia Woolf?, Publicação do Teatro Nacional D. Maria II).

Por outro lado, se os sinais de pontuação não fizerem parte integrante da passagem a destacar, isto é, se forem uma necessidade do texto do próprio enunciador, julgo que não deverão, por princípio, ser italicizados (ex.: «Um dos meus livros preferidos é, sem dúvida, Quem tem medo de Virginia Woolf?.» — neste caso, creio que o ponto final, não fazendo parte do excerto a destacar, não deverá surgir em itálico).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a grafia e pronúncia corretas de alguns topónimos relacionados com a Oceânia.

São eles: os países e territórios Fiji, Vanuatu, Nauru, Palau, Ilhas Marshall, Quiribáti, Niue, Toquelau e Tuvalu, e as cidades Yaren, Majuro, Tarawa, Funafuti, Alofi, Mata-Utu, Papeete e Avarua.

Se bem que, em alguns casos, a pronúncia de alguns é clara (como Palau ou Toquelau) na sua maioria julgo existir um total desencontro entre a pronúncia e a grafia em português do respetivo topónimo. Isto é, costuma-se ouvir /FIji/, mas a grafia aponta para uma pronúncia mais próxima de /fiJI/, o mesmo acontecendo com Vanuatu (/vanuAtu/ é mais comum; /vanuaTU/ é o que parece indicar a grafia) e com Funafuti.

E quanto às grafias, o que devemos fazer por exemplo com as Ilhas Marshall? Já vi escrito Ilhas Marechal aqui no Ciberdúvidas, e por vezes encontra-se Ilhas Márchal. E se existe Quiribáti e Toquelau, porque não também Iarém ou Taraua?

Entendendo a complexidade da questão, muito agradeceria a V. Exas. um esclarecimento destas questões.

Resposta:

No que diz respeito à grafia correta dos topónimos mencionados (países e territórios), sustento-me nas seguintes fontes:

1) Diário da República, n.º268, série I-A, 15 de novembro, Aviso n.º 168/2004, «Ata de retificação do acordo de parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico e a Comunidade Europeia e os seus Estados-membros, assinado em Cotonou em 23 de junho de 2000 (Acordo de Cotonou)»; Dicionário de Gentílicos e Topónimos (DGT), do Portal da Língua Portuguesa: Fiji1, Kiribati (ainda que Quiribati, no DGT, e em Diário da República, 1.ª série – n.º225 - 22 de novembro de 2007: «Decreto do Presidente da República n.º 125/2007»), Ilhas Marshall (em todas as fontes oficiais por mim consultadas), Nauru, Nieu (ain...

Pergunta:

Verifico com bastante frequência, como tradutora e também como revisora, que, perante a impossibilidade de usar você ou tu, a língua não nos apresenta alternativa viável, havendo casos em que a solução de ausência de termo torna difícil entender que nos dirigimos ao leitor, que o sujeito é ele.

Mais do que uma pergunta, sinto que é hora de lançar um desafio aos linguistas: faz falta uma solução educada e não ofensiva para nos dirigirmos ao outro.

Sinto que, na procura por um grau de tratamento polido, nos enrolámos, criando um beco sem saída.

Resposta:

O problema apresentado pela consulente não se restringe à língua portuguesa. Repare-se, por exemplo, que, na língua inglesa, o pronome pessoal you serve para o singular e para o plural, no francês, não nos resta igualmente muito mais do que o tu e o vous e, no espanhol, o e o usted.

No entanto, e centrando-nos especificamente no português, pondo de lado os tratamentos cerimoniosos (ex.: «Vossa Excelência»), os títulos profissionais (ex.: «o senhor doutor») e os cargos (ex.: «o senhor ministro»), que podem naturalmente ser usados na segunda pessoa (ex.: «o senhor doutor pode receber-me amanhã?»), direi que, ainda assim, nos restam, dependendo do contexto conversacional, e até, por exemplo, do estado civil da pessoa, «o senhor», «a senhora» («a senhorita», no Brasil), «a menina», «o menino», ou, porque não?, «a madame» (em contextos de propositada caricatura social, por exemplo).

Por outro lado, é também muito frequente (sobretudo no português europeu) «o emprego de formas nominais antecedidas de artigo em vez das formas pronominais ou pronominalizadas de tratamento. São exemplos dessas formas nominais: [...] o nome próprio, seja o de batismo, seja o de família: – O Manuel já leu este livro?; – O Martins já leu este livro? [...], os nomes de parentesco ou equivalentes: – O pai já leu este livro? [...], outros nomes que situam o interlocutor em relação à pessoa que fala: – O meu amigo já leu este livro?; – ...

Pergunta:

Gostaria de saber se, no excerto que a seguir apresento, posso considerar os verbos assentiu e indicou deíticos pessoais, mesmo pertencendo à 3.ª pessoa, e porquê.

Ao aproximarmo-nos dos guichés, reparei que, entre a multidão aparentemente informe, se discerniam perfeitamente três filas.

– É esta a fila para a bilheteira?

O homem no fim da fila mais curta assentiu entusiasticamente.

– Sim, sim, por aqui, por favor.

Indicou com um gesto uma outra fila. Muito mais comprida.

Resposta:

Segundo Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 62, «as expressões deíticas pessoais indicam os participantes e os protagonistas na situação de interacção: eu refere, na situação, o locutor, a pessoa que diz eu; tu, você, vocês indica o interlocutor ou interlocutores da pessoa que diz eu, etc. Por sua vez, localizações reconhecíveis no interior do contexto em que ocorrem podem ser representadas por expressões dêicticas espaciais, do mesmo modo que as expressões dêicticas temporais apontam para intervalos de tempo identificáveis em função da relação que mantêm com o tempo da sua própria enunciação».

Assim, e respondendo diretamente à questão formulada pela consulente, conclui-se que os verbos sugeridos não poderão ser considerados deíticos pessoais.

Podemos, contudo, considerar, na esteira do Dicionário Terminológico (DOMÍNIO C: ANÁLISE DO DISCURSO, RETÓRICA, PRAGMÁTICA E LINGUÍSTICA TEXTUAL) e destas duas respostas de Ana Martins e Carlos Rocha, que a «referenciação temporal visada nos morfemas da flexão verbal [neste caso, assentiu, indicou] alude a um tempo anterior, simultâneo ou posterior relativamente ao momento do eu que fala». Deste modo, podemos dizer, sim, simplificando e sistematizando, que os tempos verbais podem ser enquadrados, de um modo geral, no conjunto dos chamados deíticos temporais.