Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Num teste feito pela minha professora de Português, tinha de analisar morfologicamente a frase "A publicidade... (não me lembro)... e cria muitos empregos." Ao chegar à palavra "muitos", pensei "Isto é um advérbio. Não, espera, os advérbios são invariáveis. Isto deve ser outra coisa." Não me lembrei logo do que seria. Na altura da entrega e correção, percebi: seria um determinante indefinido, mas a professora corrigiu como sendo advérbio, opção que pus logo de parte. Depois de lhe fazer esta observação, ela argumentou, dizendo que nem todos os advérbios têm de ser invariáveis. E explicou ainda que estas regras gerais podiam ser quebradas, dando outro exemplo: nem todas as palavras com o sufixo -íssimo são adjetivos, como no caso de muitíssimo. Já não lhe consegui dizer a que classe de palavras eu achava que podia pertencer essa palavra.

Já vi noutra pergunta semelhante que responderam dizendo que muito(s)/a(s), nesse caso (... muita saúde...), seria um pronome indefinido. (Até porque os advérbios costumam anteceder os adjetivos. Os nomes costumam ser precedidos por determinantes.) Sabia do indefinido, mas discordo do pronome, porque são os determinantes que antecedem um nome, não os pronomes. Gostaria que me esclarecessem esta questão, além de confirmarem se não é mesmo um advérbio.

Quanto ao muitíssimo, também estou curioso. Desconfio que seja um advérbio, porque a sua raiz também o é. Não posso deixar também de me lembrar de uma palavra muito usada pela minha professora de Geografia: coisíssima. Faz sentido existir. É o quê? Desconfio de um substantivo, mas também não sei.

Resposta:

Tal como é explicitamente referido, por exemplo, no Dicionário Terminológico (DT - DOMÍNIO B.3: CLASSES DE PALAVRAS), o advérbio é uma «palavra invariável em género e número.» (leia-se, igualmente, esta resposta de Sandra Duarte Tavares).

O que acontece é que «alguns advérbios são graduáveis, admitindo por isso flexão de grau [...]. Quando são graduáveis têm superlativo absoluto sintético [ex.: tardíssimo, longuíssimo, ou analítico [muito tarde, muito longe], podendo então ser modificados por advérbios de quantidade, além de surgirem em construções comparativas e consecutivas [mais tarde do que, tão tarde que]» (Maria Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, p.419). Assim, e respondendo diretamente a duas das dúvidas apresentadas pelo estimado consulente, sim, muitíssimo é um advérbio de quantidade graduável, no grau superlativo absoluto sintético.

Quanto ao indefinido muito, em «muita saúde», por exemplo, dever ser considerado um determinante e não um pronome, julgo que efetivamente essa será uma classificação mais rigorosa, apesar de o Dicionário Houaiss, por exemplo, o categorizar apenas como pronome e nunca como determinante (mesmo em contextos análogos aos que aqui analisamos).

«Coisíssima» é um vocábulo usado geralmente em contextos informais, sendo considerado pelo Dicionário Priberam, por exemplo, um substantivo feminino. Já a Infopédia refe...

Pergunta:

Gostaria de saber qual das opções abaixo está correta:

Quero compartilhar fotos de eu mesmo cantando.

Quero compartilhar fotos de mim mesmo cantando.

Resposta:

De acordo com Lindley Cintra e Celso Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp.300-301, sublinha-se que «as formas oblíquas tónicas mim, ti [...] só se usam antecedidas de preposição. Assim: Fez isto para mim; Gosto de ti [...]».

Deste modo, a segunda proposta apresentada pela consulente será aquela que melhor se adequa às regras formais da língua portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber como classificar estas palavras (pesadinho e pesadão) quanto ao grau, dado que ambas são adjetivos e os graus diminutivo e aumentativo são normalmente atribuídos aos Nomes.

Resposta:

De facto, os graus aumentativo e diminutivo não se aplicam, do ponto de vista formal, aos adjetivos (leia-se, por exemplo, esta resposta de Eunice Marta).

Porém, facilmente verificamos que é comum, ao nível do uso corrente da língua, a anexação de sufixos aumentativos e diminutivos a adjetivos, por vezes em enquadramentos afetivos, ex.: mauzão, mauzinho, sujinho, sujão, ordinarão, levezinho. Aliás, como bem relembra Carlos Rocha, nesta resposta, a propósito dos referidos sufixos, citando Vasco Botelho do Amaral, Dicionário de Dificuldades e Subtilezas, «trata-se de uma sequência possível de sufixos modificadores, frequente na formação de diminutivos e aumentativos, bem como na sua associação a adjectivos como processo de intensificação».

No caso concreto que a consulente nos apresenta, as formulações canónicas, digamos assim, seriam pesadíssimo (grau superlativo absoluto sintético), muito pesado ou bastante pesado (grau superlativo absoluto analítico).

Finalmente, será curioso verificar que o vocábulo pesadinho, apesar do recurso ao sufixo -inho, não significa pouco pesado, mas, sim, relativamente pesado, o que reforça a ideia da afetividade que eventualmente se pretenderá fazer transparecer, ex.: «Já estás pesadinha para andar ao colo».

Pergunta:

As gramáticas dizem que nas orações intercaladas ou interferentes (conforme a nomenclatura brasileira) o sujeito deve vir posposto ao verbo. De uns tempos para cá, venho observando em certas publicações cujo português é ruim que estão usando acintosamente o oposto da construção tradicional, ou seja, estão nas orações intercaladas colocando o sujeito antes do verbo, ao arrepio do que sempre escreveram os melhores autores da língua portuguesa. Disse certa vez o purista professor brasileiro Napoleão Mendes de Almeida que vale tudo (para os transgressores!)nesta língua de 'curuquerês'. Interessa-me saber a vossa posição a respeito da colocação do verbo em orações interferentes. Muito grato!

Resposta:

Teria sido bastante proveitoso e elucidativo se o caro consulente tivesse complementado a sua pergunta com exemplos concretos. Porém, não o tendo feito, tentaremos responder de uma forma genérica, mas consubstanciada em alguns enquadramentos específicos.
O português é, de facto, uma língua SVO, «ou seja, é uma língua em que a ordem básica de palavras é Sujeito - Verbo - Objeto(s)» (Maria Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, 1989, p.157.

As razões pelas quais o referido ordenamento pode sofrer alterações são muitas, complexas e variadas. Em Cunha e Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp.162-167), por exemplo, é feito um levantamento exaustivo dos motivos que podem levar à inversão concreta VS (=Verbo+Sujeito), referindo-se, a dada altura, o seguinte - «A inversão VERBO + SUJEITO verifica-se em geral [...] nas orações construídas com verbos do tipo dizer, sugerir, perguntar, responder e sinónimos que arrematam enunciados em DISCURSO DIRETO ou neles se inserem: - Isso não se faz, moço, protestou Fabiano.[...]; - Traz-se-lhe as duas coisas, - disse o Barão aflorando a cabeça no ombro da consorte, de mão na porta escura. [...]».

Deste modo, tem em parte razão o prezado consulente, pois estas são efetivamente orações intercaladas. Porém, tendo em conta que uma oração intercalada (parentética ou explicativa) é, tal como o nome indica, uma oração que ocorre no meio de outra oração (ou proposição), ou no final do período, o tipo de enunciado aqui em análise não esgotará, como será bom de ver, o universo total das orações intercaladas. Neste sentido, veja-se, apenas a título de exemplo, o caso das orações su...

Pergunta:

Gostava de saber mais sobre as orações subordinadas integrantes ou completivas. E, também, exemplos.

Resposta:

As subordinadas completivas (chamadas integrantes, na tradição luso-brasileira) são basicamente orações introduzidas normalmente pelas conjunções integrantes que ou se (Cunha e Cintra, Nova Gramática do português Contemporâneo, p. 596).

Segundo Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 595, «a subordinação completiva é um dos grandes tipos de subordinação, caraterizável pelo facto de a frase subordinada constituir um argumento de um dos núcleos lexicais da frase superior [subordinante], tendo, por isso, uma distribuição aproximada da das expressões nominais [sendo por esta razão que a tradição luso-brasileira a denomina subordinação substantiva, com base na etiqueta que utiliza para a classe dos nomes: substantivo]». Ainda de acordo com as citadas autoras, «a frase completiva é um argumento obrigatório, [sendo que] a sua supressão determina a agramaticalidade da frase superior, quando considerada isoladamente de um contexto discursivo. Deste modo, podemos portanto dizer que as completivas «são uma unidade sintática da frase superior. Assim, independentemente da função sintática que desempenham na frase superior, podem ser substituídas por pronomes demonstrativos invariáveis como isto, isso, aquilo.» (idem, p.598). Ex.:

«Os críticos disseram [que o filme ganhou o festival]»

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