Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Muito bom ter este oásis em que sábios, em sua plêiade, respondem a questões de português. Parabéns! Hoje, para economizar e-mail, tenho três perguntinhas básicas:
1 – Em «Será muito bom se você passar na prova», o se é integrante, ou condicional? Por quê?
2 – Em que casos o se não pode vir antes de infinitivo? Por quê?
3 – Em «Não é bom se dizer ao chefe a verdade», o se é integrante, ou apassivador? Por quê?

Muito grato!

Resposta:

1 – Duas notas enquadradoras:

a) De acordo com Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 584, as conjunções integrantes «servem para introduzir uma oração que funciona como SUJEITO, OBJETO DIRETO, OBJETO INDIRETO, PREDICATIVO, COMPLEMENTO NOMINAL ou APOSTO de outra oração». Acrescentam os referidos investigadores que, «quando o verbo exprime incerteza, usa-se se». 

b) Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 700, deixam bem claro que «as orações subordinadas adverbiais não são argumentos do predicado principal e [têm] o estatuto de adjunto». Na mesma linha de raciocínio, o Dicionário Terminológico (DT - DOMÍNIO B.4: SINTAXE) relembra que as orações subordinadas adverbiais desempenham «a função sintáctica de modificador da frase ou do grupo verbal».

Deste modo, e tendo em conta as reflexões propostas, podemos concluir que, no enunciado «Será muito bom se você passar na prova», a partícula se é integrante, pois a oração por ela introduzida desempenha a função sintática de sujeito – «[Isso] será muito bom»; «[O facto de você passar na prova] será muito bom» – , funcionando, portanto, como argumento externo do predicado principal. 

Repare-se, agora, por exemplo, na seguinte frase: «Se não estudares, não farás a cadeira em julho.» Neste caso, a partícula se é um conector condicional, sendo que a oração subordinada adverbial condicional «Se não estudares» funciona, sintaticamente, como um modificador, já que a sua presença não é obrigatória para garantir a gramaticalidade da frase [=«Não farás a cadeira em julho»].

Pergunta:

Penso ser pacífico afirmar que o «se» em «Dizem-se muitas asneiras em português» é uma partícula apassivante, sendo que essa frase equivale a um «São ditas muitas asneiras em português».

A minha dúvida prende-se com a identificação do sujeito e do e seu respectivo tipo (subentendido, indeterminado?) da frase na forma activa. E, presumindo que o sujeito não seja o «se» (posso estar errado), esta partícula desempenha alguma função sintáctica?

Resposta:

Concordo com a análise prévia tecida pelo caro consulente.

No que diz respeito à segunda questão apresentada, e apesar de não haver dúvidas quanto à forma passiva desta frase, direi o seguinte:
Repare-se que, no enunciado em análise, não existe agente da passiva (pelo menos explícito). Sabemos que «são ditas muitas asneiras em português», mas não sabemos exatamente por quem. Deduzimos que poderão eventualmente ser muitas pessoas, mas não é possível identificá-las, ou porque são demasiadas para serem discriminadas, ou porque não se sabe mesmo quem são. De qualquer forma, a frase está correta, sendo que o que se pretende salientar é o facto de «se dizerem muitas asneiras em português», e não a identificação dos sujeitos que praticam tal ação.

Deste modo, só podemos concluir que, a partir desta frase, não é possível construir um enunciado na forma ativa, pois, na verdade, não existe um sujeito que nos permita fazê-lo (veja-se, igualmente, esta resposta de Eunice Marta).

Pergunta:

Gostaria de saber quais são os argumentos e adjuntos articulados com os predicadores verbais dos seguintes períodos simples:

(a) A academia concedeu o prêmio ao cientista.

(b) O sindicato conclamou os professores a uma manifestação de protesto.

(c) O funcionário lhes garantiu sua fidelidade.

(d) Ocorreram muitos acidentes naquele fim de semana.

(e) Todos se impressionaram com sua fluência em inglês.

(f) O publico conversou muito durante a sessão.

(g) O professor concordou com a proposta dos alunos.



Resposta:


(a) «o prémio» - argumento; «ao cientista» - argumento;

(b) «os professores» - argumento; «a uma manifestação de protesto» - adjunto;

(c) «lhes» - argumento; «sua fidelidade» - argumento;

(d) «muitos acidentes» - argumento (externo); «naquele fim de semana» - adjunto;

(e) «com sua fluência em inglês» - adjunto;

(f) «muito» - adjunto; «durante a sessão» - adjunto;

(g) «com a proposta dos alunos» - argumento

Apesar do tom apocalítico, estilo Fukuyama, do professor João de Brito, profetizando a possibilidade do fim da literatura, julgo que, com todo o respeito e na minha ótica, pelo que consigo entender da sua pergunta, não terá razão [quando,divergindo da minha anterior resposta , sustenta serem possíveis ambas as frases em análise («Quero compartilhar fotos de eu mesmo cantando.» e «Quero compartilhar fotos de mim mesmo cantando.), por expressarem expressam intenções diferentes.

Pergunta:

Qual será a maneira correcta de escrever a expressão «mas pronto»?

No seguimento de uma frase do género «Ele quis ir ali, mas, pronto, não deu», entendo que se use uma virgula entre as duas palavras, mas quando a expressão aparece no fim de uma frase, mantemos a vírgula? «Ele era bom naquilo que fazia, mas pronto», ou «Ele era bom naquilo que fazia, mas, pronto»?

Se considerarmos a expressão conforme a dizemos, não terá lógica omitir a vírgula? Como já vi escrito das duas maneiras, com e sem vírgula, tenho essa dúvida.

Resposta:

O marcador conversacional pronto — ou «mas pronto» —, tal como acontece com outros, como «está claro», portanto, OK, etc., deverá, efetivamente, surgir entre vírgulas. 

Já a colocação de vírgula entre o conetor mas e pronto afigura-se-me opcional, sendo, do meu ponto de vista, uma questão de compartimentação rítmica voluntária do enunciado.

Relativamente à nota final do consulente, será prudente atentarmos na seguinte nota de Cunha e Cintra: «há [...] casos em que o emprego da vírgula não corresponde a uma pausa real na fala: é o que se observa, por exemplo, em respostas rápidas do tipo: Sim, senhor. Não, senhor» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 646).