Paulo J. S. Barata - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Paulo J. S. Barata
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Paulo J. S. Barata é consultor do Ciberdúvidas. Licenciado em História, mestre em Estudos Portugueses Interdisciplinares. Tem os cursos de especialização em Ciências Documentais (opção Biblioteca e Documentação) e de especialização em Ciências Documentais (opção Arquivo). É autor de trabalhos nas áreas da Biblioteconomia, da Arquivística e da História do Livro e das Bibliotecas. Foi bibliotecário, arquivista e editor. É atualmente técnico superior na Biblioteca Nacional de Portugal.

 
Textos publicados pelo autor
<i>Expletivo</i> = «palavrão»?!
Um caso de sinonímia inusitada

Na cobertura jornalística dos jogos da seleção de Portugal no Campeonato do Mundo de Futebol, no Catar, ocorre o termo expletivo, em eufemística referência a certos palavrões proferidos em campo. Um apontamento de Paulo J. S. Barata sobre este uso duvidoso da palavra expletivo.

Pergunta:

Hoje em dia há cada vez mais informação digitalizada que reproduz livros originalmente em papel.

Torre do Tombo mantém um enorme acervo deste tipo de arquivos. Muitas vezes a digitalização não é feita por transcrição mas sim, por mera fotografia. Por vezes, cada fotografia corresponde a uma única página de cada folha. Mas na maioria dos casos, cada fotografia inclui as duas páginas do livro quando aberto. A fotografia inclui, a página de verso da folha da esquerda e a página da frente da folha da direita. Quando me refiro a um destes casos, uso a palavra "fotografia".

Mas fico com a dúvida: existirá algum nome próprio que possa ser usado para designar esse conjunto de duas páginas? Quando olho para um livro ou jornal aberto, qual o nome daquilo que estou a ver?

Resposta:

Existem, tal como o consulente refere, cada vez mais documentos digitais na Internet quer em Bibliotecas Digitais, quer em Repositórios institucionais, quer simplesmente em sites, etc.

Nos documentos digitais, há os documentos nado-digitais, ou seja, aqueles que já nasceram em formato digital, como por exemplo um e-mail, um documento gerado e assinado digitalmente, ou um e-book, e os documentos digitalizados a partir de um suporte analógico, sobretudo o papel. Quanto a estes últimos, importa distinguir os documentos de arquivo, como por exemplo uma carta ou um ofício, e os documentos de biblioteca, como por exemplo um livro impresso. Em relação a estes, como o consulente refere e bem, as nossas mais importantes instituições patrimoniais, como o Arquivo Nacional da Torre do Tombo ou a Biblioteca Nacional de Portugal, promovem cada vez mais a digitalização de documentos e livros em formato papel dos respetivos acervos, quer por razões de divulgação quer por razões de preservação e conservação, uma vez que a cópia digital reduz o manuseamento dos originais.

A digitalização de livros é efetuada página a página ou em página dupla. Há formatos de visualização que permitem a leitura em página simples ou em página dupla, equiparando assim a visualização nos dispositivos eletrónicos à leitura e manuseamento dos livros em formato papel. Para esse conjunto de duas páginas não existe, que conheçamos, uma designação específica.

Ao folhear um livro, em formato papel ou eletrónico, o que por norma se visualiza é o verso de uma página par (a da esquerda) e o reto de uma página ímpar (a da direita). Porém, materialmente, às folhas dobradas dos livros que constituem cadernos, os quais são depois cosidos ou colados, chamamos bifólios. Estes bifólios são dobrados e encaixados uns nos outros, o q...

Pergunta:

Num índice de títulos, uma obra que comece por um número (por exemplo, «2001: Odisseia no Espaço») deve vir antes ou depois das que começam por letras? Obrigado.

Resposta:

Os numerais expressos por algarismos são, de acordo com as regras de alfabetação (Lisboa: Biblioteca Nacional, 1987, p. 5), ordenados segundo o seu valor numérico crescente e colocados antes de qualquer palavra. Assim, o título que refere surgiria ordenado do seguinte modo:

007 Licença para matar
12 Homens e uma sentença
101 Dálmatas
2001 Odisseia no espaço
2012
Lawrence da Arábia
O padrinho

Pergunta:

Constatei recentemente em documentos oficiais o uso de SEXA em maiúsculas. Ou seja, em vez de S. Ex.ª, usa-se SEXA.

Acho-o estranho.

É correto ou não?

Resposta:

Tenho memória de me ter cruzado com SEXA, para significar «S. Ex.ª» ou «Sua Excelência», e também com VEXA, para significar «V. Ex.ª» ou «Vossa Excelência», em documentação administrativa com pelo menos mais de 20 ou 30 anos. Penso que quer o SEXA quer o VEXA tiveram uso mas depois terão perdido curso. O que neste momento vejo, isso sim, em registo informal e irónico, designadamente nas redes sociais, é o uso de "Vexa", com maiúscula inicial, no que me parece ser uma forma polida de evitar aquilo a que vulgarmente se designa por o «você estrebaria», ou seja, um uso de você tido como indelicado e rude. É possível que este "Vexa" seja uma espécie de «filho bastardo» do VEXA.

A permanência de SEXA, que refere, e eventualmente também de VEXA, ademais «gritados» pelo uso das maiúsculas, parece-me algo esdrúxula, por existirem S. Ex.ª e V. Ex.ª. É possível que tenham começado a ser usados e depois, por tradição administrativa, replicados acriticamente. Esse que viu pode ser ainda uma sobrevivência desses tempos…

Admito que possam ter sido cunhados como uma particular forma de distinção, mas, a ser assim, o uso das maiúsculas, equivalente no texto escrito a um grito, rompe "gritantemente" com o protocolo tradicional de escrita.

O uso de abreviaturas é – como se sabe – uma área algo fluida, pouco regulamentada e onde ocorrem com frequência situações abstrusas. Estes dois casos parecem-me particularmente danosos e agravados pela conexão óbvia entre SEXA e sexo e VEXA e o presente do indicativo do verbo vexar, violando também aqui uma regra de ouro da translineação de palavras, e por analogia extrapolável para a formação de siglas, abreviaturas e acrónimos, evitar maximamente leituras espúrias.

Ou seja, SEXA e VEXA violam os protocolos de escrita:

•    por, pela sua formação, não configurarem uma abreviatura...

Pergunta:

Estou a traduzir um texto do inglês que usa a expressão scare quotes, referindo-se, claro, à função que o uso das aspas cumpre no texto em questão: expressar dúvida quanto à legitimidade do uso do termo ao qual as aspas se aplicam.

Gostaria, portanto, de saber se existe alguma referência bibliográfica que contenha uma lista das várias funções das aspas, incluindo uma designação 'oficial', caso esta exista, dessas várias funções. Em suma, procuro uma tradução (que não seja uma paráfrase) para scare quotes. O objectivo é evitar uma nota do tradutor ou/e tornar a tradução deselegante.

Obrigado.

Resposta:

A expressão scare quotes pode ser traduzida por «aspas irónicas», ou seja, as aspas que se utilizam para expressar dúvida, ironia ou escárnio em relação ao uso de uma palavra ou expressão. «Aspas irónicas» é uma expressão com algum curso no Brasil, mas sem curso em Portugal.

Em Portugal, e em particular na gíria tipográfica, apenas se usam as designações de aspas, plicas, ou, mais raramente, comas. Não creio ainda que exista uma «designação oficial» para as aspas ou plicas, ou uma regra que regulamente o seu uso.

Assim, quer para a designação, quer para o uso, o critério oscila e há várias práticas. Eu costumo chamar aspas às aspas angulares (« ») e plicas às aspas elevadas (“ ’). As aspas angulares são também chamadas aspas em linha, aspas latinas, aspas francesas, aspas espanholas ou aspas portuguesas. Também já ouvi, no socioleto universitário, chamar às aspas angulares sargentos, ao que creio pela similitude entre a sua forma e a configuração das divisas militares, no caso, do posto de sargento do exército. Quanto às plicas, há as plicas duplas (“) e as plicas simples (‘).

As aspas angulares e as plicas usam-se para distinguir graficamente as transcrições, os estrangeirismos, as expressões metafóricas, os títulos de livros e filmes, os cognomes, as designações de marcas, as designações de navios, ou os nomes de animais, por exemplo.
As aspas angulares são mais comuns na tradição portuguesa, francesa e espanhola, por exemplo, as plicas são mais comuns na tradição anglo-saxónica.

Entre nós, em tipografia, em «obra de livro», usam-se comummente as aspas angulares, mas em jornais e revistas são mais comuns as plicas, como é visível, por exemplo, no Expresso