Nuno Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Nuno Carvalho
Nuno Carvalho
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Investigador do ILTEC; foi leitor de Português na Universidade de Oxford (2001-2003).

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se existe uma grande diferença no uso de «estar bem» e «estar bom».

Resposta:

A diferença fundamental é que bem é um advérbio, e bom, um adjectivo, o que faz com que desempenhem diferentes funções e, por conseguinte, apareçam em posições diferentes na frase. Bem é um advérbio e desempenha, sobretudo, a função sintáctica de modificador de grupos verbais ou grupos adjectivais. Bom é um adjectivo qualificativo — exprime um atributo do nome. Assim, o tipo de frases em que se pode usar bem e bom juntamente com o verbo estar é diferente. Nessas situações o verbo estar só pode ser usado como verbo predicativo (ou de ligação). Podemos ter, por exemplo:

1. «O bolo está bom», mas não «O bolo está bem».

2. «O bolo está bem feito», mas não «O bolo está bom feito».

Praticamente, a única situação em que existe paralelismo semântico e estrutural entre estas duas construções é quando são usadas para dizer que alguém está em boas condições (de saúde, físicas, mentais), em frases como:

«O João está bem.»
«O João está bom»,

que poderiam ser a resposta à pergunta «Como está o João?».

Pergunta:

Na frase «Tenho estudado muito esta semana», o estudado é objeto direto do verbo ter? Como deve ser analisada sintaticamente esta frase?

 

Resposta:

Não. Tenho estudado é um tempo verbal do verbo estudar — o pretérito perfeito composto. Nesta frase, estudar é um verbo intransitivo, pelo que não tem objecto directo. Temos, pois, uma frase com sujeito nulo, verbo («tenho estudado»), adjunto adverbial de intensidade («muito») e adjunto adverbial de tempo («esta semana»).

Pergunta:

Deparei-me recentemente com uma embalagem de manteiga de uma marca muito conhecida, e diz na embalagem:

«Manteiga meia gorda.»

Houve qualquer alteração à gramática, ou isto é um erro?

Resposta:

Não houve alteração na gramática, deveria estar escrito na embalagem: manteiga meio gorda. Meio aparece aqui a modificar o adjectivo gorda. É, pois, um advérbio. Os advérbios não variam em género nem em número. Dizemos manteiga meio gorda, leite meio gordo, manteigas meio gordas, leites meio gordos.

Pergunta:

Gostaria de saber quais são os verbos de elocução e quando empregá-los.

Resposta:

A elocução diz respeito ao modo de expressão, à forma de enunciação. Assim, os verbos de elocução são aqueles que introduzem ou anunciam a fala. São exemplos falar, perguntar, afirmar, responder, indagar, replicar, argumentar, pedir, implorar, comentar, exclamar. Usam-se num texto para apresentar o discurso directo. Veja-se, por exemplo, neste excerto de A Brasileira de Prazins, de Camilo Castelo Branco, os verbos de elocução assinalados a negrito:

— Pois ele amou a Maria da Fonte? — perguntei com ardente curiosidade histórica, para esclarecer a minha pátria com um episódio romanesco das suas guerras civis. Ela sorriu e respondeu
— Agora! Quer dizer que o meu cunhado morreu quando por aí andavam os da Maria da Fonte a tocar os sinos e a queimar a papelada dos escrivães, sabe vossemecê? Acho que foi então ou por perto. — E ajuntou: — Ele gostava aí muito de uma moça, isso é verdade. Era a Marta... 
— Marta? — disse eu com a satisfação de ver confirmada a assinatura do bilhete.

 

Pergunta:

Não será a palavra desempancar legítima? Não a encontrei em nenhum dicionário, mas parece-me clara e bem construída.

Resposta:

Também eu não encontrei a palavra desempancar em dicionários, apesar de ser uma palavra que conheço e uso desde pequenino para referir que alguma coisa deixa de estar parada ou bloqueada. Todos os dicionários consultados registam empancar, pelo que seria de esperar que registassem a sua forma negativa também. Se empancar tem como primeira acepção, segundo os dicionários, «segurar por meio de panca», desempancar será o acto de tirar essa panca e assim deixar de segurar. É uma palavra clara e bem construída, que resulta da junção de um prefixo de negação (des-) a outra palavra já de si derivada, empancar.