Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O uso do acrónimo p. p. para significar o conceito próprio ano é correcto? Qual a sua origem?

Resposta:

Não encontrámos referência ao uso proposto pela consulente. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (orient. de João Malaca Casteleiro) indica que a abreviatura p. p. é utilizada para referir «próximo passado» e «por procuração» (igual sentido encontrámos neste guia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), enquanto pp. é a abreviatura de páginas, pianíssimo suavissimamente e precipitado (o mesmo é referido em Metodologia nas Humanidades, de João Soares de Carvalho).

 

 Cf. Próximo passado e próximo futuro [Locuções/Definição/Abreviaturas e símbolos] +  Abreviaturas e símbolos, siglas e acrónimos (in "A Folha" – boletim da língua portuguesa nas instituições europeias)

 

Pergunta:

A palavra falo tem correspondência necessária com pénis? Pode-se falar em falo sem ter implícita a ideia de pénis?

Resposta:

Se não considerarmos a forma do verbo falar, a palavra falo implica a ideia de pénis, mas na área da embriologia o falo poderá significar o órgão embrionário do feto que ainda não está sexualmente diferenciado e que irá dar origem ao pénis ou à clitóride (Dicionário Aulete; Dicionário Houaiss).

O significado da palavra restringe-se, contudo, ao órgão sexual masculino (ou à sua representação figurada) quando aplicada fora desse contexto. Na generalidade, quando utilizado como termo médico, falo é sinónimo de pénis (Dicionário de Termos Médicos, de Manuel Freitas e Costa).

Pergunta:

Gostaria de saber se existe a palavra co-relação, e se ela tem sentido diferente de correlação.

Resposta:

Co-relação e correlação são variações gráficas da mesma palavra, com o significado genérico de «relação ou correspondência recíproca entre duas noções, dois termos, dois fenómenos…» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa).

Embora haja registo da ocorrência da palavra co-relação em trabalhos académicos, sobretudo naqueles em que se faz recurso a noções de estatística e de geometria, deve-se escrever correlação, tal como já era atestada esta palavra em dicionários anteriores ao novo Acordo Ortográfico (por exemplo, o Dicionário da Língua Portuguesa, de Fernando J. da Silva).

Pergunta:

Qual a regência do verbos requisitar e solicitar? Deve-se dizer «requisitar a V. S.ª que...», ou «requisitar de V. S.ª que...»?

Da mesma forma, quanto ao verbo solicitar, deve-se dizer «solicitar a V. S.ª que...», ou «solicitar de V. S.ª que...»?

Resposta:

Sem ter uma frase completa, não poderemos julgar a correção das formas apresentadas pelo consulente, pelo que teremos de adequar a resposta às construções possíveis com os verbos em causa. Por outro lado, temos de considerar a variação na regências destes verbos no português europeu (PE) e no português brasileiro (PB).

Relativamente a requisitar, segundo o Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil, de Francisco da Silva Borba, é possível dizer no PB:

1) «Venho requisitar a V. S.ª que perdoe a dívida» (frase com oração completiva finita de objeto direto, em que ocorre a elevação do sujeito da oração subordinada para objeto indireto da frase principal).

2) «Venho requisitar de V. S.ª o perdão da dívida» (frase simples em que «de V. S.ª» é complemento indireto, e «o perdão da dívida» é objeto direto).

No PE, não ocorre a preposição de como em 2), utilizando-se a preposição a para introduzir o complemento indireto: «Venho requisitar a V. S.ª o perdão da dívida» (Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, org. Malaca Casteleiro).

No caso do verbo solicitar, a diferença é a inexistência de variação entre o PB e o PE, pelo que o consulente não pode usar a preposição de:

3) «Venho solicitar a V. S.ª que perdoe a dívida» (frase com oração completiva finita de objeto direto, em que ocorre a elevação do sujeito da oração subordinada para objeto indireto da frase princip...

Pergunta:

Em 2004, Tavares Louro defendeu que se deve preferir o verbo portagear e que portajar não se encontra registado nos dicionários da língua portuguesa. Porém, em 2011, num dicionário da Porto Editora, encontrei portajar, e não portagear.

Resposta:

Portajar é também a forma atestada no Portal da Língua Portuguesa, mas o dicionário da Priberam, por exemplo, dá conta das duas formas – portajar e portagear – como válidas para dizer «colocar ou cobrar portagem». Por qual optar?

A proposta de base etimológica feita por Tavares Louro, em 2004, é tão válida na altura como agora, tal como será válida uma outra proposta assente na fonética. É tão-somente uma sugestão sobre um verbo com uso relativamente recente e localizado – não aparenta ser um recurso no português brasileiro,onde se usa o substantivo pedágio, nem é incluído no vocabulário da Academia Brasileira de Letras – e cuja fixação parece estar ainda em curso. E qual será a forma em que se fixará?

Diversos autores usam a imagem da língua como organismo vivo para dar conta, de um modo figurado, da constante mutação das diferentes formas de linguagem usadas pelos seres humanos, num espírito quase darwinista (e, tal como nas teorias evolucionistas, sem que evolução tenha um ideia de valor, para além da simples noção de mutação ou de mudança). É por isso que línguas como o latim são chamadas línguas mortas, não por serem línguas do passado – no latim há um património rico e diversificado linguístico e cultural que continua vivo e que deve ser atualizado e revisitado – mas porque são línguas sem falantes que possam acolher e integrar a mudança; nelas já não ocorre