Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Num “site” brasileiro li que, quando os nomes das obras ou dos lugares estão no plural, o verbo pode vir no singular ou no plural e apresentava o seguinte exemplo.
Ex.: Os Lusíadas imortalizou / imortalizaram Camões.
Eu sempre aprendi que quando o nome da obra está no plural, como o caso d'Os Lusíadas, o verbo vem sempre no plural.
Como se deve dizer?
Obrigada pela atenção dispensada.

Resposta:

Deve dizer-se: «Os Lusíadas imortalizaram Camões.»
Quando os títulos das obras constituídos por uma palavra no plural são precedidos de artigo ou o contêm, o predicado vai para o plural: «os Contos de Eça de Queirós agradam a diversos públicos»; «Os Maias encerram um pensamento»; «Os Meus Amores foram uma das obras mais lidas pela minha geração».
No entanto, se o título não contiver artigo (ou não for precedido deste) e o predicado for um verbo copulativo (ser, estar, ficar, etc.) com um nome predicativo do sujeito no singular, o predicado vai normalmente para o singular: «Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra de Machado de Assis», «Lendas e Narrativas devia ser uma das obras do programa», «Viagens na Minha Terra continua a ser uma obra de leitura indispensável». A ausência do artigo e o singular (predicativo do sujeito) que se segue ao verbo levam a que este vá para o singular, como se o título da obra fosse considerado apenas como um rótulo, não importando qual o seu conteúdo, como se se subentendesse, precedendo o título, “a obra”, “o romance”, “o livro”, etc., ou seja, um singular.
Quanto aos topónimos que têm forma de plural, a regra é semelhante. Se o topónimo não for precedido de artigo, o predicado vai para o singular: «Paredes de Coura vai organizar um festival»; «Eiras é uma freguesia de Coimbra», «Fornos desenvolveu-se muito nos últimos anos.» Esta é a si...

Pergunta:

Da consulta que fiz neste "fórum" constatei que é "pacífico" o entendimento de que uma mulher que exerce as funções de magistrada judicial deve ser designada por juíza. Devo dizer que sempre tive relutância em utilizar tal expressão pois, para além de "não me soar bem", não entendo por que motivo juiz tem de ser um substantivo do género masculino. Parece-me que a palavra juiz comporta perfeitamente ambos os géneros (masculino e feminino), atendendo à sua terminação (-iz). Veja-se, por exemplo, as palavras perdiz, raiz, embaixatriz, meretriz, todas elas do género feminino. Do mesmo modo, jamais utilizarei a palavra presidenta (a meu ver, desnecessária e "feia"). Gostaria de saber por que motivo se "convencionou" que juiz é, forçosamente, um substantivo masculino.

Resposta:

A palavra juíza aparece registada em dicionários do século XX, como por exemplo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva, (1949-1958), com estas definições: «forma feminina de juiz», «mulher que julga, mulher que exerce as funções de juiz». A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (década de 1950) abona esse termo com frases de Castilho (séc. XIX): «Se tem de que me acuse, exponha-o francamente agora ante a juíza, estando o réu presente!» (As Sabichonas, IV, 2, p. 169) e «a juíza e árbitra da festa» (O Misantropo, III, 1, p. 93). O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (2001), regista as formas juiz e juíza como a «pessoa que tem como função administrar a justiça, fazer valer o direito, aplicar a lei», tendo como abonação de juíza a seguinte frase: «Posteriormente, a juiza [sem acento, o que é um erro] considerou ter sido provada a matéria de facto» (Público, 31.5.1996). Assim, cara consulente, temos de admitir que uma mulher que exerce as f...

Pergunta:

Sendo os verbos que exigem preposição, na interrogativa são elas que a começam: Aonde vais? Com quem almoçaste? A quem escreveste no Natal? e por aí fora...
Ora, acontece que os verbos gostar e precisar são regidos pela preposição "de" e como tal a pergunta deveria começar por «De (do) que precisas?», «De (do) que gostas mais: carne ou peixe?», como exemplos. Mas, de facto, do que eu tenho lido é que pura e simplesmente a preposição desaparece no início da interrogativa. Poderão ser correctas as formas?: «O que precisas?», «O que gostas?» Obrigada.

Resposta:

A consulente tem toda a razão. A regência destes dois verbos exige a preposição de. Na interrogativa, as frases correctas são «De que precisas?», «De que gostas?», «De que gostas mais?». Não são correctas as construções sem a preposição.

 

Cf. Gostava ou gostaria, em Portugal e no Brasil 

Pergunta:

Meu nome é Felipe Ribeiro e estou estudando para prestar concurso pro TRE; gostaria que, por gentileza, tirasse minha dúvida nessa questão. É sobre análise sintática. Observe e veja se é interessante para colocar em seu “site”.
10. (UNI-RIO/ENCE/CEFET) Assinale a opção em que a predicação verbal não difere da existente em (...) a Senhora está longe de casa.
a) "(...) o leite primeira vez coalhou."
b) "(...) e até o canário ficou mudo."
c) "(...) não lhes poupei água (...)"
d) "Não tenho botão na camisa. (...)"
e) "Que fim levou o saca-rolhas?"

Meu comentário:
Vou analisar o enunciado e depois cada questão para que me compreenda.
No enunciado: (...) a Senhora está longe de casa.
O sujeito é simples: (a Senhora); o verbo (está) é intransitivo porque pede adjunto adverbial de lugar. E, por fim, (longe de casa) é adjunto adverbial de lugar. Pelo meu entendimento, o enunciado pede para que achamos uma frase com predicado verbal, já que esta tem predicado verbal. Vejamos:
a) Nesta, confesso que fiquei com dúvida. Analisei da seguinte forma:
Coloquei a frase nesta ordem: "o leite coalhou primeira vez."
Sujeito (o leite), verbo intransitivo (coalhou) e "primeira vez" (adjunto adverbial de tempo???)
Se for isto, temos a mesma situação do enunciado, tendo diferente apenas a circunstância do adjunto adverbial. Não sei se isso implica porque o que pede é qual a predicação. E esta estaria correta porque temos predicado verbal. Tudo bem. Vejamos as outras.
b) Temos aí um predicado nominal, pois temos o verbo de ligação (ficou = tornou-se). Então essa está incorreta. Tenho uma dúvida aí na análise sintática da expressão "e até". Não sei como classificá-la sintaticamente.
c) Sujeito simples elíptico: (eu); "não" (adjunto adverbial de negação); "poupei" (VTD); "água" (OD); "lhes" que seria "para eles". Não sei como analisar.
d) Sujeito simples elíptico: (eu); "nã...

Resposta:

A resposta certa é, efectivamente, a da alínea a).
A frase de referência é «A senhora está longe de casa». Nesta frase temos um sujeito («a senhora»), um predicado, que é um verbo intransitivo («está»), e um adjunto adverbial («longe de casa» – complemento circunstancial de lugar).
A frase da alínea a) em ordem directa será «O leite coalhou pela primeira vez». Nesta frase também existe um sujeito («o leite»), um predicado, que é um verbo intransitivo («coalhou»), e um adjunto adverbial («pela primeira vez» – complemento circunstancial de tempo).
Em ambas as frases existe um predicado verbal, constituído por um verbo intransitivo; em ambas existe um adjunto adverbial (um complemento circunstancial). Assim, a predicação verbal é a mesma.
Quanto às restantes frases, vou analisá-las uma a uma, para que fique esclarecido.
Na oração da alínea b), «(...) e até o canário ficou mudo», «o canário» é o sujeito, «ficou mudo» é um predicado nominal, e «mudo», o nome predicativo do sujeito. «E» é uma conjunção copulativa, que não tem qualquer função sintáctica, e «até», que aqui é um advérbio de intensidade, valoriza o sentido da copulativa, não se podendo considerar que tenha uma função sintáctica específica. Se a frase fosse «Todos ficaram mudos, até o canário», o termo «até o canário» seria um adjunto adverbial de inclusão; mas, na frase dada, o advérbio «até» apenas contribui para intensificar a ligação entre essa oração e a anterior. O predicado é, assim, constituído por um verbo de ligação e um nome predicativo do sujeito.
Na frase da alínea c), «(...) não lhes poupei água (...)», temos um sujeito subentendido (eu), um predicado constituído por um verbo transitivo directo («poupei»), um complemento directo («água») e um complemento indirecto («lhes»). O predicado é, assim, constituído por um verbo transitivo com dois complementos verbais, o directo e o indirecto (verbo bitransitivo).
Na frase da alínea d), «...

Pergunta:

Qual a frase correcta: "Estou satisfeito. Estejai-o (vós) também". Ou será: "Estejai-lo também"?
Muito agradecido pela resposta.

Resposta:

Não se utiliza nem uma frase nem a outra.
Embora a segunda pessoa do plural dos verbos tenha vindo a cair em desuso, sobretudo nos meios urbanos e no Sul do país, sendo substituída por «vocês», com o verbo na 3.ª pessoa do plural, frases dessas ainda se ouvem, nomeadamente em discursos ou homilias. No entanto, na frase que apresenta, deverá ser corrigido o modo verbal e a colocação do pronome.
Se quiser dirigir-se a uma assembleia ou a um conjunto de pessoas a quem trate por «vós», deverá usar a forma «estai», que é a segunda pessoa do plural do imperativo, pois está a dar-lhes um conselho, a fazer-lhes um apelo: está tu (satisfeito), estai vós (satisfeitos). Esta forma está documentada nos evangelhos: «Estai prevenidos (...) Estai vós de sobreaviso, porque vos entregarão aos tribunais e às sinagogas (...)» (Evangelho segundo S. Marcos, 14-23).
Estejais é a segunda pessoa do plural do presente do conjuntivo. Utiliza-se também com pouca frequência e no mesmo tipo de textos acima referido: «Jesus continuou dizendo: (...) E quando Eu for e vos tiver preparado um lugar, voltarei e levar-vos-ei comigo, para que onde Eu estiver, vós estejais também.» (Evangelho segundo S. João, 14, 1-3).
O presente do conjuntivo é utilizado para exprimir vários matizes afectivos (uma hipótese, uma dúvida) ou circunstâncias (uma concessão, um fim, etc.) e, como substituto do imperativo, quando se pretende exprimir um conselho ou uma ordem na negativa («não estejais»).
Assim, deverá dizer: «Estou satisfeito. Estai vós também.» Não é necessária a repetição do adjectivo, mas, se quiser reforçar a ideia, poderá dizer «Estou satisfeito. Estai vós também satisfeitos», ou, no singular, «satisfeito», se se tratar de um «vós», pronome forma de tratamento cerimonioso de uma pessoa.
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