Luciano Eduardo de Oliveira - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Luciano Eduardo de Oliveira
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Luciano Eduardo de Oliveira, poliglota, tradutor, professor de idiomas, formado em Letras na Unifac Faculdades Integradas de Botucatu.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como faço para diferenciar o adjunto do aposto especificativo? Ex.: «Gosto de doce de abacaxi.»

«Abacaxi» não seria o nome do doce e seria aposto.

«A rua de Copacabana está suja.»

«A praia de Copacabana está suja.»

Resposta:

Em «Gosto de doce de abacaxi», «de abacaxi» é adjunto nominal expresso por locução adjetiva. Como indica a Nova Gramática do Português Contemporâneo, «adjunto adnominal é o termo de valor adjetivo que serve para especificar ou delimitar o signficado de um substantivo, qualquer que seja a função deste». Se o substantivo aí é doce, qualquer coisa que esteja ao redor dele é adjunto adnominal: «doce caro», «doce barato», «doce caseiro». A locução adjetival compõe-se de, no mínimo, duas palavras que, unidas, funcionam como adjetivo. É o caso de patas de leão = leoninas, asas de anjo = angelicais, etc. Abacaxi ou de abacaxi, portanto, não é aposto.

Em «A rua de Copacabana está suja» e «A praia de Copacabana está suja», «de Copacabana» é mais uma vez adjunto adnominal, como no exemplo acima, desta vez expresso por nome próprio.

Haveria aposto especificativo na seguinte oração: «Vi o filme Deus É Brasileiro.» Especifica-se o filme indicando-lhe o nome, sem que haja pausa e sem usar nenhum sinal de pontuação. Outros exemplos: «Leio o jornal O Estado de São Paulo.»; «Gosto da revista Época.»; «Ele mora na Avenida Paulista

Pergunta:

Na construção frasal «esqueceu-me o ocorrido», o sujeito é «o ocorrido»...

Mas que tipo de verbo é esquecer? E qual é a função sintática de me?

Ah! Verbos pronominais não têm função sintática, estou certo, ou errado?

Obrigado!

Resposta:

Não se trata de verbo pronominal na frase em apreço. Como bem diz o consulente, «o ocorrido» é o sujeito. Esqueceu aí é verbo transitivo indireto, e me é objeto indireto.

Note-se que é uma construção arcaica. Modernamente optamos por «esquecemo-nos do ocorrido»/«nós nos esquecemos do ocorrido» (versão brasileira)/«nós esquecemos do ocorrido» (usado no Brasil, mas considerado incorreto, porque se prega que, aparecendo a preposição de, deve também aparecer o pronome reflexivo).

Pergunta:

Gostaria de saber qual o plural da palavra primeiro-anista bem como se existe alguma regra geral em relação à formação de plural para as palavras que se iniciam com primeiro, por exemplo: primeiro-tenente, primeiro-ministro, etc.

Resposta:

Por "primeiro-anista" não estar dicionarizado, não me pronunciarei a respeito do seu plural. O que está registrado é primeiranista, com o plural regular primeiranistas.

primeiro-tenente e primeiro-ministro fazem primeiros-tenentes e primeiros-ministros. Os compostos em que aparece primeiro têm ambos os elementos pluralizados.

Pergunta:

Na frase «Porque é que uns, poucos, tinham sapatos, e outros, a maior parte, não?», como se classifica morfologicamente a palavra maior?

Resposta:

Maior, do latim mājor/majus ou majus/maiusōris, comparativo e superlativo de magnus, a, um, que significa «grande, volumoso», na frase em análise é o grau superlativo relativo do adjetivo grande. O comparativo e o superlativo relativo em português têm a mesma forma. Sabemos que se trata de superlativo por se contrapor essa parte não somente a uma segunda, mas a todas, e por aparecer o artigo definido.

Pergunta:

Não seria mais correcto dizer: «Ele parece/parece-se como uma águia», e menos: «Ele se parece com uma águia», e muito menos: «Ele parece uma águia», visto que o verbo vem do latim parere (donde também provém o verbo parir), e que também está no verbo aparecer/aparecer (lat. ad+parescere; apparere=ad+parere)? Se se usar outro verbo em lugar do parecer ou aparecer, como o verbo surgir ou mostrar-se, correcto é dizer: «Ele surge ou se mostra como uma águia», e não: «Ele surge ou se mostra com uma águia», que teria um significado totalmente diferente, que é: «Ele se mostra juntamente com uma águia.» Parece-me, pois, que «parecer como» faz todo o sentido no caso em questão, e não «parecer com», que seria «parecer juntamente com». Como é óbvio, na voz passiva também seria com como: «Ele é parecido como uma águia.» E dizer: «Ele parece uma águia», isto parece-me ainda mais privado de sentido.

E também se diz: «Isso parece-me mais como uma águia», ou não? No inglês e alemão, por exemplo, também é usado o como. Inglês: He looks like («como») an eagle. Alemão: Er sieht aus wie («como») ein Adler.

Grato pelo vosso bom serviço.

Resposta:

Parecer e parir não vêm do mesmo verbo latino. Parecer vem de paresco, verbo derivado, de valor incoativo, de pareo, parēre, «parecer, aparecer, mostrar-se, ser manifestado etc.», e parir vem de pario, parĕre, «parir, dar à luz; pôr (ovos); gerar (com respeito ao pai); produzir (com respeito ao solo, às plantas etc.); criar, inventar; produzir, causar; granjear, obter, adquirir, alcançar» (cf. Dicionário Houaiss). Os infinitivos são semelhantes, mas toda a conjugação é diferente.

Infelizmente as suas propostas não são idiomáticas. Em português diz-se:

«Ele parece uma águia.»
«Ele parece-se com/a uma águia.»
«Ele se parece com/a uma águia» (colocação pronominal frequente no Brasil).

Portanto, o verbo parecer ou parecer-se exige a preposição com ou a preposição a (esta bem menos frequente), não a conjunção como. Cada língua se atém às próprias regras.