José Neves Henriques (1916-2008) - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
José Neves Henriques (1916-2008)
José Neves Henriques (1916-2008)
102K

Professor de Português. Consultor e membro do Conselho Consultivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Antigo professor do Colégio Militar, de Lisboa; foi membro do Conselho Científico e diretor do boletim da Sociedade da Língua Portuguesa; licenciado, com tese, em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra; foi autor de várias obras de referência (alguns deles em parceria com a sua colega e amiga Cristina de Mello), tais como Gramática de hojeA Regra, a Língua e a Norma A Regra, Comunicação e Língua PortuguesaMinha Terra e Minha Gente e A Língua e a Norma, entre outrosFaleceu no dia 4 de março de 2008.

CfMorreu consultor do Ciberdúvidas

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase abaixo, escreve-se "venho a" ou "venho há"?
"Venho ... muito acompanhando a vossa expansão em todo o território português..."

Resposta:

O correcto é dizermos: «Venho há muito acompanhando a vossa expansão (...)». E porquê? Pelo seguinte: Venho há muito = Venho há muito tempo. A palavra é o verbo haver, que aqui significa existir. Venho há muito tempo = Há muito tempo que venho = Existe muito tempo que venho.
Sobre o verbo Haver, cf. Respostas Anteriores + Pelourinho do dia 23 de Setembro 1997.

Pergunta:

Uma dúvida que, para mim, se tem mostrado recorrente: deve escrever-se "para uma abordagem das diferentes..." ou "para uma abordagem às diferentes..."?
Obrigado.

Resposta:

Falta um contexto completo para me poder pronunciar devidamente.

Abordagem é o acto ou efeito de abordar. E abordar é chegar à beira, à borda de; é também lembrar um assunto ou tratá-lo ligeiramente, pela rama, sem o aprofundar. E ainda tem outros significados, mas não sei a que se refere o consulente, porque não o diz.

Dizemos abordar um assunto e fazer a abordagem dum assunto. Quanto a «abordagem das diferentes...» Diferentes, quê? Queira especificar, por favor.

Pergunta:

O que significa "ana" quando usado como prefixo?
Eu pretendia a palavra ana para que significasse em cima, ou mudança de sentido (ex: Ana-Norma ou AnaNorma).
É possivel?
Muito Obrigado.

Resposta:

O prefixo ana- deriva do advérbio grego aná, em cima, no alto. Também empregado como preposição: sobre, em cima de, para cima; através de; durante; por, cada.

Este prefixo não tem vida na formação de palavras em português. Existe, sim, em vocábulos vindos directamente do grego. Por isso, não me parece aceitável a palavra "Ana-norma" e muito menos "anaNorma", porque estão fora das regras da ortografia as palavras escritas com maiúscula no interior, sendo as outras minúsculas.

Deverá, então, usar-se sem hífen, ananorma ou Ananorma. Tal como outros exemplos similares: analogia, anamnese ou anamnésia, anaplastia, etc.

Pergunta:

   São um verdadeiro manancial de situações caricatas, as provocadas pelas cacofonias. A não correspondência entre o valor sonoro e o valor gráfico pode dar origem a muitas complicações.
   Lanço um repto: que alguns textos com cacofonias possam ver aqui a luz do dia, não podendo naturalmente conter expressões menos correctas.
   Só algumas do género «Adolfo Dias» ou o celebérrimo «bacalhau quer alho». E podemos começar por Camões e o seu "Alma minha, gentil que te partiste".

Resposta:

Nem todos são de opinião de haver cacofonia em «alma minha gentil», porque, dizem, no tempo de Camões pronunciavam assim: /álmà minha/.

Outras cacofonias muito vulgares:

a) «Foram fulminados por raios

b) «Medida por radar

c) «O que aproxima mais as pessoas...»

d) «As necessidades que aguçam o espírito...»

e) «Por razões que não se explicam...»

f) «Ninguém me herda os bens.»

g) «Aqui não se acham pessoas que...»

h) «Os carros que estão ali...»

i) «Seja agora este diálogo:

- Que eco é que há aqui?

- O eco que há cá.

- Mas há eco aqui?

- Há cá eco, há.»

CfAlma minha gentil, que te partiste

Pergunta:

Palavras como "visita", "Filipe", e outras com dois "ii" separados por uma consoante, como devem ser lidas? Lendo o primeiro "i" com o som "e" ou literalmente como são escritas.
Ambas as leituras são correctas?

Resposta:

Quando, numa palavra como estas, se seguem dois ii em sílabas seguidas (é assim que se deve grafar, e não «com dois "i's"» como se costuma ver nalguns jornais), o primeiro pronuncia-se, geralmente, e mudo. Tal como o e de feliz. Portanto, devemos pronunciar /vesita/, Felipe/. Considera-se pronúncia afectada dizer-se vi-si-ta e Fi-li-pe. O mesmo acontece com ministro, ministrar, visitar, Ministério, dissipar, diminuto, privilégio, tilintar, felicidade, e muitas mais.

Há, porém, palavras em que pronunciamos os ii, como em Mimi, chichizinho, Lili, felicíssimo, mínimo, tília, filhinho, estilista, piripiri, pirite, pírico, tísica, etc.