Pergunta:
Pedia o favor de me esclarecerem uma dúvida. Sobre o poema O gato de louça, de Álvaro Magalhães (Porto, 1951), foi feita a seguinte pergunta: «Transcreve da segunda estrofe o verso que contém uma personificação.» Passo a transcrever as duas primeiras estrofes, no sentido de facilitar a resposta:
1 – «Coitado do gato de louça/pousado na mesa redonda,/sobre um pano de renda./Não há quem lhe fale./Não há quem o ouça.»
2 – «Nunca se mexeu,/nem quando as moscas lhe pousavam no nariz./Nunca ninguém o ouviu miar./Testemunha silenciosa/da vida no corredor,/o gato de louça viu tudo/o que ali fizemos em segredo/e não disse nada a ninguém.»
Na minha opinião, o único verso da 2.ª estrofe que contém uma personificação é «e não disse nada a ninguém», uma vez que a fala é própria apenas do ser humano. O mesmo já não se pode dizer de «o gato de louça viu tudo», pois outros seres vivos são dotados de visão. Penso tratar-se de animismo (?).
Obrigada.
Resposta:
O seu raciocínio está correto. A personificação consiste num recurso que tem como função atribuir características humanas a animais ou objetos. O ato de dizer algo só é possível da parte do homem (a não ser que tenha um valor conotativo, por exemplo, «aquele quadro diz-me muito»). A sua segunda ideia também está correta, uma vez que, sendo o gato de louça um objeto, e sendo o ato de ver uma característica própria dos seres vivos, estar a dar-lhe esta competência é conceder-lhe vida própria.
A personificação é a «atribuição de qualidades, atitudes e impulsos humanos a seres inanimados e a animais irracionais» [Introdução ao Texto Literário, Noções de Linguística e de Literariedade, Mário Carmo e M. Carlos Dias, Didática Editora, Lisboa, 1978, p. 79].
O animismo é uma «figura de estilo que consiste em atribuir propriedades animadas, mas não especificamente humanas, como no caso a personificação, a seres ou realidades inanimados» [Gramática da Língua Portuguesa, Vítor Fernando Barros, Âncora Editora, Edições Colibri, 2011, p. 281].