Pergunta:
Sabemos que «através de» deve ser usado somente no sentido de transversal.
Por exemplo: «vi a criança através da janela».
Mas tive uma dúvida, então eu gostaria de saber se é correto se dizer:
«Isso nos convida a louvar ao Senhor através da música.»
Pergunto porque subentende-se que o som atravessa o aparelho seja rádio, seja TV ou outro.
Muito obrigada!
Resposta:
Esta afirmação de que só se deve usar «através de» com o sentido de transversalidade faz parte de lições gramaticais antigas – infelizmente ainda encontradas em salas de aula. No entanto, a língua muda, e com isso novos usos passam a fazer parte da norma culta: esse é um deles, em que «através de» se tornou sinônimo de «por meio de», a ponto de serem hoje intercambiáveis.
Se me permite, terei de estender-me na resposta. Veja cinco motivos para pôr termo a esse «mito gramatical».
1. A língua muda, inclusive a língua culta.
Desde 1981, um dos gramáticos mais puristas da Língua Portuguesa (Napoleão Mendes de Almeida) já havia dito em seu dicionário, sob o verbete "Através de":
«Se constitui erro empregar ATRAVÉS DE para indicar o agente da passiva (O gol foi feito através do jogador Tal), não se deve por outro lado cair no exagero oposto de julgar que a locução só é possível quando significa "de um lado para o outro", "de lado a lado" (Passou através da multidão – Passou a espada através do corpo). NÃO VEMOS ERRO em: "A palavra veio-nos do latim ATRAVÉS DO francês", como não vemos na passagem de Herculano: "ATRAVÉS desses lábios inocentes murmuram durante alguns instantes as orações submissas". Há aí metáfora...» (destaques meus)
2. Esse uso de ATRAVÉS DE como sinônimo de POR MEIO DE é encontrado na redação de grandes gramáticos antigos (Júlio Ribeiro, Maximino Maciel, João Ribeiro, Alfredo Gomes etc.) e modernos (Evanildo Bechara, Celso Cunha, Domingos Paschoal Cegalla, Celso Pedro Luft, etc.).
3. Além disso, muitos escritores da nossa literatura (antigos e modernos) fizeram e fazem uso de ATRAVÉS DE como sinônimo de POR MEIO DE. Eis alguns nomes: Machado de Assis, Olavo Bilac, Euclides da Cunha, Fernando Pessoa, Alberto Mussa, Luis Fernando Veríssimo, Rubem Fonseca, Chico Buar...