Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor
O pirlimpimpim na língua escrita
As partículas expletivas

«A nossa língua é tão sofisticada, que nos dá instrumentos para focalizar, intensificar uma ideia na escrita» – consideraa o gramático brasileiro Fernando Pestana num apontamento dedicado às chamadas «partículas expletivas» e transcrito com a devida vénia do mural Língua e Tradição (Facebook, 27/08/2023).

A prosódia a serviço do sentido
A entoação e duração dos enunciados

«A entonação pode alterar o sentido duma frase. A duração de um som também. Um sussurro, um balbucio, um clique, uma maneira especial de articular um som pode provocar diferentes efeitos de sentido [...]» – observa o gramático Fernando Pestana sobre a importância da prosódia como área dos estudos linguísticos. Texto transcrito com a devida vénia do mural Língua e Tradição (Facebook), onde foi originalmente publicado em 7 de abril de 2024.

Pergunta:

Gostaria de saber se há em português os seguintes casos:

1) Substantivos que são invariáveis (em relação ao gênero) no singular e variáveis no plural.

2) Substantivos invariáveis (gênero) no singular e que mudam o gênero quando vão para o plural.

Em italiano, por exemplo, há os casos «il dito/ le dita», «il paio / le paia», etc.

Obrigado.

Resposta:

Os substantivos uniformes (comum de dois gêneros, sobrecomum e epiceno) não variam (na forma) quanto ao gênero, mas variam (na forma) quanto ao número. Veja três exemplos de cada grupo:

1)
o/a dentista; os/as dentistas;
o/a repórter; os/as repórteres;
o/a cliente; os/as clientes.

2)
a criança; as crianças;
o indivíduo; os indivíduos;
a vítima; as vítimas.

3)
a cobra; as cobras;
a barata; as baratas;
o jacaré; os jacarés.

Em consulta às gramáticas do português, não foram encontrados substantivos invariáveis em gênero quando estão no singular, mas variáveis em gênero quando vão ao plural.

Sempre às ordens!

Pergunta:

Na frase «Ela se parece com o pai»:

1) O vocábulo se é parte integrante do verbo ou qual a função sintática?

2) Qual a transitividade do verbo parece?

3) Qual a função sintática do termo «com o pai»?

Obrigado

Resposta:

Segundo se deduz dos dicionários de regência verbal de Celso Pedro Luft e Francisco Fernandes, o se é parte integrante do verbo* – ou seja, é um pronome que sempre figura na conjugação deste verbo quando este exige um complemento preposicionado (cuja preposição pode ser a, menos usual no português brasileiro, ou com, mais usual no português brasileiro). Importa saber que o se integrante do verbo nunca exerce função sintática.

Assim, em «Ela se parece com o pai», o verbo é transitivo indireto e o termo preposicionado é seu objeto indireto.

Sempre às ordens!

 

* Visto ser brasileiro o consulente, usou-se na resposta a nomenclatura gramatical brasileira, por razões didáticas.

Pergunta:

Mais uma vez venho pedir a vossa ajuda.

Nos momentos de orações comunitárias, quase sempre se deve, o que é responsável por conduzir a oração, informar os presentes como devem ser feitos os salmos das Horas Canônicas. Qual é o modo mais correto de dizer:

1.º Façamos [o próximo salmo] em dois coros em estrofe.

2.º Façamos [o próximo salmo] a dois coros em estrofe.

3.º Façamos [o próximo salmo] a dois coros por estrofe.

4.º Façamos [o próximo salmo] em dois coros por estrofe.

Não estou seguro quanto ao modo certo.

Eu fico cá aguardando a vossa explicação.

Antecipadamente, obrigado.

Resposta:

Se a ideia é de que, a cada estrofe, haverá dois coros fazendo o(s) salmo(s), deve-se dizer «Façamos (o próximo salmo) a/em dois coros por estrofe».

A justificativa é simples: as preposições a ou em (menos frequentemente* a preposição em, segundo se infere da frequência de usos encontrados no Corpus do Português) são empregadas em expressões que indicam modo/companhia, como em «O concerto a duas vozes realizou-se ontem»; «A apresentação em duas vozes impactou a audiência». Quanto ao uso da preposição por em «por estrofe», a intenção comunicativa justifica a sua presença para marcar a ideia de partição (cada estrofe).

Sempre às ordens!

* Talvez a baixa frequência de em (no trecho «em dois coros») se deva à sutileza semântica de "divisão" trazida por essa preposição – ou seja, ao usarmos «em dois coros», o sentido não necessariamente indica que ambos os coros estarão juntos, isto é, esses dois coros podem estar em separado (no tempo), o que implicaria um sentido diferente do que se pretende comunicar.