Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

1. «Ele recebeu-me em casa de pijama.»

2. «Ele recebeu-me em casa vestido de pijama.»

3. «Ele recebeu-me em casa vestido com um pijama.»

A primeira frase está correcta? E a segunda? Terei de usar obrigatoriamente a última frase?

Muito obrigado.

Resposta:

Todas as frases estão corretas, porque adjetivo participal vestido, com o sentido de «coberto», pode usar qualquer uma das duas preposições: de ou com [cf. Dicionário Prático de Substantivos e Adjectivos com os Regimes Preposicionais (Lisboa, Fim do Século, 1992), de Michaela Ghitescu]. Por isso, é legítima qualquer uma das formas:

«Ele recebeu-me em casa de/com pijama.»

«Ele recebeu-me em casa vestido de/com pijama.»

A primeira frase — «Ele recebeu-me em casa de pijama» — exibe o uso correto da preposição de [ou com] correspondente à preposição exigida pelo adjetivo vestido que está elidido (não se encontra realizado graficamente), mas cujo valor está pressuposto: «Ele recebeu-me em casa [vestido] de pijama.»

Nota: A atestar a correção das duas preposições, o dicionário acima citado apresenta-nos o seguinte exemplo: «Vi soldados vestidos de/com uniformes estrangeiros.»

Pergunta:

«O leão distraiu-se, e eu aproveitei para correr em direcção a um rio», ou «O leão distraiu-se, e eu aproveitei a correr em direcção a um rio»?

Qual das duas frase é a mais correcta?

Resposta:

A forma correta dessa frase implica o uso da preposição para, pois é essa a regência do verbo aproveitar com o valor/sentido de «usufruir» ou de «tirar partido», quando seguido de verbo no infinitivo, ou seja, sempre que introduz uma frase de infinitivo [aproveitar (alguma coisa) para + frase não finita], como se pode verificar pelos seguintes exemplos:

«Os pais aproveitaram para descansar

«A miúda aproveitou a ocasião para meter conversa com o colega.»

Portanto, é a primeira frase apresentada pelo consulente a que deve ser usada:

«O leão distraiu-se, e eu aproveitei para correr em direção a um rio.»

Nota: Com o sentido de «servir-se», o verbo aproveitar usa a preposição de. Exemplos:

«O intrujão aproveitou-se da ingenuidade do idoso para extorquir dinheiro.»

«O estudante aproveitou-se da conversa com o professor para tentar melhor nota.»

Pergunta:

Classifica sintaticamente os elementos em letra maiúscula na seguinte frase: «No meu filme não existem HERÓIS, mas apenas GENTE NORMAL.»

Alguém me diz sintaticamente o que são as palavras sublinhadas?

Resposta:

Tanto «heróis» como «gente normal» têm a função de sujeito (colocados em posição pós-verbal).

Trata-se de uma frase coordenada com duas orações:

«No meu filme não existem heróis» – o verbo («existem») concorda com o sujeito («heróis»).

«Mas apenas [existe] gente normal» – coordenada adversativa (com elisão do verbo, para se evitar a repetição), cujo sujeito é «gente normal».

Nota: O verbo existir é um verbo de existência que «admite [...] nomes simples como sujeitos pós-verbais» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, pp. 546-547).

Pergunta:

1 – «Sines e estivadores negoceiam acordo.»

2 – «Sines e estivadores negociam acordo.»

Qual está certa: 1, ou 2?

Resposta:

Negoceiam e negociam são as duas formas possíveis e corretas da 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo  do verbo negociar (cf. Ana Maria Guedes e Rui Guedes, Dicionário Prático de Conjugação dos Verbos Portugueses, Venda Nova, Bertrand, 1994; Dicionário dos Verbos Portugueses, da Porto Editora), pois a conjugação do presente do indicativo e do conjuntivo prevê a possibilidade de duas formas na 1.ª [negoceio ou negocio (pres. ind.); negoceie ou negocie (pres. conj.)], 2.ª do singular [negoceias ou negocias (pres. ind.); negoceies ou negocies (pres. conj.)  e 3.ª pessoa do singular [negoceia ou negocia (ind.); negoceie ou negocie (conj.)] e do plural [negoceiem ou negociam (ind.); negoceiem ou negociem (conj.)].

No entanto, Rodrigo de Sá Nogueira, no seu Dicionário de Verbos Portugueses Conjugados, considera que o verbo negociar (tal como odiar, ansiar, comerciar, premiar), apesar de terminado em -iar, em certas formas, segue o modelo dos verbos terminados em -ear (como recear), razão pela qual afirma que no presente do indicativo se conjuga da seguinte forma: eu negoceio, tu negoceias, ele negoceia, nós negociamos, vós negociais, eles negoceiam. Por sua vez, o presente do conjuntivo segue a mesmo lógica: eu negoceie, tu negoceies, ele negoceie, nó...

Pergunta:

Perpiscuidade e perspicácia são sinónimos?

Resposta:

Para além de designar «qualidade de perspícuo», «clareza, nitidez, transparência, inteligência, lucidez», um dos valores/sentidos do substantivo/nome perspicuidade é «perspicácia, finura» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004 e 2010). Portanto, não há dúvida de que os dois termos são sinónimos.