Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Que significa, afinal, manter?

Estaria eu, no entanto, a perguntar isso exactamente por quê? Vejam:

Erro crasso, o verbo manter utilizado no sentido de exactamente inverso ao da ideia original. Não se “mante” uma moça, senhora, etc. para ser esposa de um homem: arranja-se. Quando se "mante" ela fica em bom estado; conservada. No sentido de «contrair uma relação conjugal», «arranjar marido ou mulher», prefira-se, por exemplo, os verbos casar; arranjar.

Os moçambicanos e os santomenses, os quais nós, angolanos, deveríamos seguir, não o usam (o verbo manter, evidentemente) quando é p. ex., para significar de «contrair uma relação conjugal», «arranjar marido ou mulher», mas casar, já que se significa ligar pelo casamento. Ou, ainda, como verbo intransitivo e verbo reflexivo «unir-se pelo casamento».

Não sei onde é que os angolanos foram achar que manter é verbo que significa «contrair uma relação conjugal», «arranjar marido ou mulher». Nunca, em tempo algum, manter foi verbo que significou «contrair uma relação conjugal», «arranjar marido ou mulher». Nem agora nem na época de Camões. Sempre significou: «sustentar; conservar; comprimir; segurar». Assim, por exemplo: «Se eu mantiver alguma esperança», «Mantenha-me conectado», «Manter o controlo», «Mantenha o timbre fechado do o no plural dessa palavra». Sempre sem o significado de «contrair uma relação conjugal», «arranjar marido ou mulher». De uns tempos para cá, no entanto, «a maior parte dos angolanos» achou de usar esse verbo com significado de «contrair uma relação conjugal», «arranjar marido ou mulher». Não o usam quando é para usar (p. ex., com o significado de «sustentar; conservar: manter na prisão, man...

Resposta:

Seguindo a o ordem das questões colocadas:

1. O verbo manter — «do latim manutenere < manu- + tenere, “segurar na mão”» (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado) — tem vários significados que estão intimamente associados ao sentido do próprio étimo latino de que deriva:

— como verbo transitivo: pagar (a alguém) as despesas indispensáveis à vida: É ela quem mantém toda a família; conservar, preservar: Ela mantém os princípios da sua família; segurar: Mantém esse vidro para cima; sustentar: Ela mantém ; observar, cumprir; guardar, reter; reafirmar;

— como verbo reflexo: conservar-se: Ela mantém-se bem; alimentar-se: É ele que se mantém; resistir com êxito: Ela mantém-se firme nas suas convicções.

Relativamente ao valor que nos é indicado, com que o verbo manter é usado em algumas expressões em Angola, ou seja, o de «contrair uma relação conjugal», «arranjar marido ou mulher» (parafraseando o consulente), não podemos deixar de assinalar que à ação de se «contrair matrimónio», de se «iniciar uma relação conjugal» e de se «arranjar marido ou mulher» se associa(va) a ideia de se «segurar na mão» do outro(a)/companheiro(a), de se amparar (física, emocional e economicamente), o que (até há muito pouco tempo) correspondia a «sustentar» e a «pagar as despesas indispensáveis à vida». Repare-se que não era invulgar (nem incorreto) dizer-se frases como «Agora, já tem quem o(a) mantenha» para designar precisamente uma situação de casamento, de comunhão de facto, ou seja, de qualquer tipo de relação semelhante à conjugal.

Repare-se, também, no sentido de uma expressão popular da língua portuguesa — «teúda e manteúda» — em que o particípio irregular do verbo mant...

Pergunta:

Gostaria de obter informações da estrutura de um memorando de reunião.

Resposta:

Tudo depende do tipo de memorando a que se refere.

Se tivermos em conta o facto de o termo memorando («do latim memorandum, gerundivo de memorāre, "lembrar") designar um «escrito em que se regista o que se pretende guardar na memória», tratando-se, portanto, de uma «anotação para facilitar a lembrança de algo» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) ou de «apontamento que chama a atenção para determinados itens que importa lembrar», parece-nos que um memorando (deste tipo) de uma reunião será construído por tópicos que se considera essencial serem tratados durante esse encontro. Por exemplo, para uma primeira reunião de um conselho de turma, poder-se-á considerar importante tratar-se/discutir-se os seguintes pontos: 

– apresentação de cada um dos elementos do conselho de turma;

– registo dos contactos (eletrónicos e telefónicos);

– informações sobre a constituição da turma (turmas dos anos anteriores; alunos com percursos em comum; casos particulares...);

– perspetivas de desenvolvimento de trabalhos em conjunto/parcerias entre os professores das várias disciplinas (tendo como referência os programas e as respetivas planificações);

– proposta de planos/regras/normas a serem tomadas em conjunto:

– distribuição dos alunos pelas carteiras (mapa da sala?)

– material a exigir (?) para as aulas

– atitudes a tomar em certas situações (telemóveis, chapéus, auscultadores, portáteis, chegada após a entrada na sala, distrações, provocações...)1

- ...

No entanto, se se tratar de um

Pergunta:

Como usar corretamente assentamento? Agradecia exemplos.

Resposta:

Tudo depende do contexto em que tal termo seja usado, pois o nome/substantivo (masculino) assentamento [de assentar + -mento] tem vários sentidos, razão pela qual pode designar diferentes realidades.

Repare-se que, de acordo com os significados/sinónimos registados em dicionários de referência1, esta palavra é utilizada em construções/estruturas distintas, uma vez que designa «ato ou efeito de assentar [assentar: verbo transitivo — 1. pôr sobre assento; fazer sentar; 2. colocar de maneira que fique seguro; ajustar; 3. firmar; 4. estabelecer; 5. escrever; anotar; registar; 6. regar (planta) pela primeira vez; verbo intransitivo: 1. baixar (poeira, resíduos), depositando-se; 2. tomar assento; 3. ganhar juízo; 4. amoldar-se]» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa).

Portanto, o ato ou efeito de assentar pode referir-se a:

— colocação de alguma coisa no lugar a que é destinada, de modo a que fique segura, firme, estável. Exemplos do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: «assentamento de mosaicos»; «assentamento de tijolo em argamassa»; «começaram o assentamento de carris».

— registo escrito, assente em livro ou folha próprios; averbamento; anotação; apontamento. Exemplos (idem): «Folheei de novo os livros dos assentamentos, e achei o nome da senhora» (Camilo Castelo Branco, Memória do Cárcere, p. 121).

1 Foram consultados o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (2010), da Porto Editora; o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), da Academia das Ciências de Lisboa; e o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009).

Pergunta:

«Já lá fora, antes de entrar no automóvel, ainda voltámos a fitar aquela magnífica construção executada pelos monges cestercienses.»

Nesta frase, devo escrever «entrar», ou «entrarmos»? (Quem ia entrar no automóvel era eu e a minha mulher.)

Resposta:

Admitem-se ambas os usos:

a) «Já lá fora, antes de entrarmos no automóvel, ainda voltámos a fitar aquela magnífica construção executada pelos monges cistercienses1.»;

b) «Já lá fora, antes de entrar no automóvel, ainda voltámos a fitar aquela magnífica construção executada pelos monges cistercienses.»

Trata-se de orações subordinadas adverbiais não finitas (ou reduzidas) de infinitivo, que apresentam em geral infinitivo flexionado, visto terem sujeito próprio, embora também possa nelas ocorrer a forma não flexionada (M.ª H. Mira Mateus et al., Gramática da Línngua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 725).2 De uma forma ou outra, estas orações exprimem circunstâncias temporais, podendo ser substituídas por um modificador preposicional com valor circunstancial: «antes da entrada», «antes da nossa entrada».

1 A forma correta é cisterciense («do latim medieval cirtenciensis, de Cisterciencium, nome latino da abadia francesa de Citeaux), termo que designa «que é relativo à Ordem de Cister», assim como «frade ou freira pertencentes à Ordem de Cister» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001).

2 Nas orações reduzidas de infinitivo não flexionado, opera-se aquilo a que Mateus et al. (op. cit., pág. 632) chamam um «relação de controlo». Esta verifica-se quando o sujeito de uma oração de infinitivo não tem realização lexical e «tem usualmente a sua referência fixada por um dos argumentos do verbo da frase superior» (idem). Por outras palavras, na frase b), a referência do sujeito da oração «antes de entrar no automóvel» é controlada pelo...

Pergunta:

Como é feita a translineação e a divisão silábica de magnífico? Para a primeira é «mag-ní-fi-co», e para a segunda, «ma-gni-fi-co»?

Resposta:

A translineação de magnífico é feita deste modo:

mag-ní-fi-co1

Quanto à divisão em sílabas, segmenta-se a palavra do seguinte modo:

ma-gní-fi-co

Sobre a diferença entre translineação e divisão de palavras em sílabas, ver a resposta Translineação vs. divisão silábica.

1 Repare-se no previsto pelo ponto 2 da Base XX do Acordo Ortográfico 1990: «São divisíveis no interior da palavra as sucessões de duas consoantes que não constituem propriamente grupos e igualmente as sucessões de m ou n, com valor de nasalidade, e uma consoante: ab-dicar, Ed-gardo, op-tar, sub-por, ab­soluto, ad-jetivo, af-ta, bet-samita, íp-silon, ob-viar; des-cer, dis-ciplina, flores-cer, nas-cer, res-cisão; ac-ne, ad-mirável, Daf- ne, diafrag-ma, drac-­ma, ét-nico, rit-mo, sub-meter, am-nésico, interam- nense; bir-reme, cor-roer, pror-rogar; as-segurar, bis-secular, sos- segar; bissex-to, contex-to, ex-citar, atroz-mente, capaz-mente, infeliz- mente; am-bição, desen-ganar, en-xame, man-chu, Mân-lio, etc.»