Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Há alguns dias ouvi um perito em avaliação do desempenho docente falar em «actividade supervisiva» a propósito da supervisão pedagógica. Não encontro a palavra "supervisiva" nos dicionários. A expressão está correcta, ou deveria ter sido dito "actividade supervisora"?

Resposta:

De facto, o termo supervisivo(a) não se encontra dicionarizado, a não ser que o esteja em dicionários específicos da área da educação e da formação.

Os dicionários consultados1 registam somente supervisão («acção ou efeito de dirigir, orientar ou inspeccionar»), supervisar e supervisionar («exercer as funções de supervisor») e supervisor(a) («que ou aquele que supervisiona; pessoa de categoria superior ou de grande experiência que coordena, dirige ou orienta determinado trabalho, o trabalho do examinando»).

Mas a realidade é que o adjectivo supervisivo(a) ocorre com bastante frequência em textos de carácter científico (tal como dissertações de mestrado, comunicações e artigos de revistas dedicados à educação), do que se depreende que se trata de terminologia específica do domínio da educação, da formação, da avaliação e da supervisão. São exemplo disso os seguintes excertos:

«Pretendemos focalizar-nos nas mais-valias que o exercício supervisivo [...] A sua acção supervisiva, sintetizada nesta proposta consiste [...]» (Comunicações da Universidade Católica Portuguesa)

«A supervisão é um dos meus interesses profissionais de preferência. […] tornei-me supervisora. É daí que me vem o interesse em estudar, por um lado, a actividade supervisiva», «num contexto supervisivo» (Isabel Alarcão, «Formação e Supervisão de Professores», in Sísifo, Revista de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa)

«uma abordagem supervisiva de i...

Pergunta:

Diz-se "desconchâvo", ou "desconchávo"?

Obrigado.

Resposta:

A pronúncia de desconchavo implica a abertura do a ([a]) da penúltima sílaba da palavra, "cha" ([ʃa]), a sílaba tónica, assim como a nasalação da antepenúltima marcada pela letra n, razões pelas quais a sua transcrição fonética fica da seguinte forma: [dɨ∫kõˈ∫avu].

Pergunta:

Qual a interpretação correcta do provérbio «Dentada de cão cura-se com pêlo do mesmo cão»?

Resposta:

Esse provérbio não se encontra atestado em nenhuma das obras da especialidade que consultámos.1

Parece ter a sua origem na tradução de uma expressão inglesa «(You may cure) the dog's bite with its fur» — retirada em pesquisa em páginas da Internet — que, por sua vez, resulta de uma expressão latina de Hipócrates — «similia similibus curantur» para designar uma lição cujo sentido será «O igual/semelhante cura o igual/semelhante» (tradução livre).

Deduz-se, assim, que se trata de um conselho em que se propõe que se use como remédio/cura o mesmo agente/inimigo que nos provocou o mal.

1 Fontes: Sérgio Luís de Carvalho, Nas Bocas do Mundo – uma viagem pelas histórias das expressões portuguesas, Lisboa, Planeta, 2010; Alexandra Parafitae Isaura N. Fernandes, Os Provérbios e a Cultura Popular, Vila Nova de Gaia, Gailivro, 2007; José Alves Reis, Provérbios e Ditos Populares, Liteza Ed., 1996; R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e Curiosidades, São Paulo, Cultrix, s.d.; Orlando Neves, Dicionário de Frases Feitas, Porto, Lello & Irmão, 1991; Orlando Neves, Dicionário das Origens das Frases Feitas, Porto, Lello & Irmão, 1992.

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a origem da expressão «vi-me e desejei-me...».

Resposta:

Orlando Neves, no seu Dicionário das Frases Feitas (Porto, Lello & Irmão, 1991), explica-nos o sentido da expressão «Ver-se e desejar-se», usada para designar uma situação que transpareça «estar muito atrapalhado; estar sobrecarregado» (idem, p. 370), mas não nos esclarece sobre a sua origem.

No entanto, no seu Dicionário das Origens das Frases Feitas (Porto, Lello & Irmão, 1992), o mesmo autor elucida-nos sobre a origem de uma expressão com o mesmo sentido — «Ver-se grego»,  sobre a qual nos diz que a mesma é utilizada «quando se nos depara uma dificuldade que muito trabalho e tempo demora a transpor-se» (idem, p. 167), explicando-nos que (e tendo como fonte Vasco Botelho do Amaral, em Maravilhas e Mistérios da Língua Portuguesa) «o grego foi sempre tomado na romanidade como coisa difícil» (idem), razão pela qual «na Idade Média era frequentíssimo o dito, muito usado pelos que faziam transcrições ou traduções: Graecum est, non legitur — É grego, não se entende», o que ainda hoje se diz de uma outra forma — Isto para mim é grego. Por isso, a expressão «ver-se grego» pressupõe que se teve de ultrapassar muitos obstáculos (algo que não se dominava) para se conseguir realizar o que se pretendia.

Por sua vez, a expressão «Vi-me e desejei-me» deverá, decerto, ter surgido a partir de alguma situação em que alguém se viu perante muitas dificuldades e teve de ser muito persistente e de lutar contra as adversidades (razão pela qual desejou não ter de passar por isso) para conseguir o que desejava.

Pergunta:

Será correcto usar «Programa Doutoral» para designar um curso de 3.º ciclo, ou deve apenas usar-se «Programa de Doutoramento»?

Obrigado.

Resposta:

O adjectivo doutoral significa «relativo a ou próprio de doutor» e não a doutoramento, palavras que designam realidades distintas: enquanto doutor se refere a «indivíduo diplomado com o mais alto grau universitário; pessoa que, tendo defendido tese de doutoramento, obteve o mais elevado grau académico e universitário, tendo direito a este tratamento expresso graficamente por extenso; aquele que se doutorou», doutoramento significa «curso de pós-graduação com vista à obtenção do mais elevado grau universitário e que consiste na elaboração de um extenso trabalho de investigação e dissertação sobre determinado tema, matéria científica, literária, artística… inédita, sob orientação de um professor catedrático; acto de doutorar-se».

Do que foi dito depreende-se que a forma correcta é «Programa de Doutoramento», uma vez que o programa se refere ao curso e não a alguém que já tenha o grau de doutoramento. No entanto, há uma nova tendência para se usar «doutoral» no sentido de «relativo a doutoramento (segundo o Google).

Fontes: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (2001) e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2004).