Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Agradecia que me informassem qual o superlativo absoluto sintético de ocre. Será "ocríssimo"? "Ocrérrimo"?

Obrigado.

Resposta:

Antes de se entrar propriamente na resposta, é de referir que só os adjectivos admitem os graus comparativo (de igualdade, de superioridade e de inferioridade) e superlativo (absoluto e relativo). Esta chamada de atenção deve-se ao facto de a palavra ocre ser mais frequentemente usada como substantivo/nome, para designar a «argila colorida por um óxido e que se emprega na pintura» ou a «cor amarela acastanhada dessa argila», do que como adjectivo (de dois géneros) que caracterize algo «que tem a cor do ocre».

Ora, só nos casos em que ocre seja um adjectivo, que classifique ou caracterize um nome/substantivo, é que se pode formar qualquer um dos graus (comparativos e superlativos). Estaremos, então, perante frases do tipo «Aquele tecido ocre está manchado» em que se poderão formar os diversos graus:

«Aquele tecido, que é tão ocre como este, está manchado» (comparativo de igualdade).

«Aquele tecido, que é mais ocre do que este, está manchado» (compar. de superioridade).

«Aquele tecido, que é menos ocre do que este, está manchado» (compar. de inferioridade).

«Aquele tecido, o mais ocre, está manchado» (superlativo relativo de superioridade).

«Aquele tecido, o menos ocre, está manchado» (superlativo relativo de inferioridade).

«Aquele tecido muito ocre está manchado» (superlativo absoluto analítico).

«Aquele tecido ocríssimo está manchado» (superlativo absoluto analítico).

Tal como Edite Prada já explicitara:

«[...] a regra geral para a formação do superlativo absoluto simples, ou sintético,...

Pergunta:

Gostaria de saber por que as palavras canteiro, acetileno, solidão e resistente possuem sufixo que exprime a ideia de agente.

Resposta:

Nem todos os sufixos das palavras que nos apresentam têm valor/sentido de agentes.

De facto, os sufixos -eiro (de canteiro) e -ente (em resistente) estão classificados como sufixos nomimais agentes por Silveira Bueno, na sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa (São Paulo, Edição Saraiva, 968, p. 83). Cunha e Cintra colocam-nos como sufixos com outros sentidos, pois ao sufixo -eiro atribuem os valores  de «ocupação, ofício, profissão: barbeiro, copeira», de «lugar onde se guarda algo: galinheiro, tinteiro», de «árvore ou arbusto: laranjeira, craveiro», de ideia de intensidade ou de aumento: nevoeiro, poeira», de «objecto de uso: cinzeiro, pulseira» e de «noção colectiva: berreiro, formigueiro» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 100) e ao sufixo -ente o sentido de agente, pois provém «das terminações do particípio presente latino com aglutinação da vogal temática da respectiva conjugação». Compreende-se assim o valor de agente («aquele que age/a{#c|}tua) nas palavras canteiro (aquele que trabalha a pedra) e resistente (aquele que resiste).

Por sua vez, o sufixo -(i)dão (de solidão, mansidão, gratidão) é usado para formar «substantivos derivados [de adjectivos], geralmente abstractos, indicando qualidade, propriedade, estado ou modo de ser».

Por outro lado, o sufixo -eno presente em acetileno não tem o sentido de agente (acetil- + -eno), devendo tratar-se de um sufixo usado na terminologia científica, mais propriamente, no domínio da quí...

Pergunta:

Estando a acompanhar crianças de 1.º ciclo, surgiu num texto, para classificar morfologicamente, a palavra Alicante. Ficámos em dúvida quanto ao seu género e desejávamos, se possível, que nos informassem.

Obrigada.

Resposta:

Alicante é um nome próprio de uma cidade de Espanha. Trata-se, portanto, de um topónimo que se encontra registado no Dicionário de Gentílicos e Topónimos, da responsabilidade do ILTEC, acessível no Portal da Língua Portuguesa.

Relativamente ao seu género, segundo Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (13.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 1997, p. 190), «os nomes das cidades e ilhas, nos quais se subentendem as palavras cidade e ilha, são femininos».1 Por isso, Alicante é um nome próprio feminino.

1 Exceptuam-se «alguns nomes de cidades que se formaram de substantivos comuns masculinos, como Rio de Janeiro, Porto, Cairo, Havre» (idem, p. 230) e que são, portanto, masculinos.

Pergunta:

Qual é a divisão do verso em sílabas métricas?

Re/co/lho a/s à /noi/te/ por/to/do o/ la/(do)

ou

Re/co/lho/ as à /noi/te/ por/to/do o/ la/(do)?

Obrigada.

Resposta:

Como sabemos, «a melodia do verso exige que as palavras venham ligadas umas às outras mais estreitamente do que na prosa» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 13.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 1997, p. 667), o que implica que a fronteira das sílabas se faça pela «leitura, numa só emissão de voz, da vogal final de uma palavra com a vogal inicial da palavra seguinte», contraindo numa sílaba uma ou mais vogais em contacto.

Portanto, e respondendo à sua questão, no verso que nos apresenta, a divisão métrica pressupõe a junção do último o de «Recolho» à vogal inicial do pronome as (não esquecer na escrita o hífen) e a do último o de todo ao artigo o, na sequência «todo o lado», do que resulta o seguinte (junções indicadas a negrito):

«Re / co / lho-as / à  / noi / te / por / to / do o / la (do)

A contracção na mesma sílaba de tais encontros intervocálicos ocorre, no primeiro caso («recolho-as»), através de sinalefa, em que «a primeira vogal perde a sua autonomia silábica e se torna uma semivogal, que passa a formar ditongo com a vogal seguinte» (idem, p. 667), do que resultaria a seguinte pronúncia: «Re / co / lho-as» = "recolhuas". No segundo caso — «to/do o /la (do)» —, verifica-se uma crase, isto é, duas vogais iguais fundem-se numa só (cf. idem, p. 668): "todulado".

Pergunta:

Gostaria de saber se existe alguma diferença entre pergunta e questão. Se sim, qual é?

Obrigada.

Resposta:

Se tivermos como referência a etimologia de cada uma das duas palavras em causa, verificamos que a origem da palavra pergunta remete, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (vol. IV, 4.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, 1987), de José Pedro Machado, para o séc. XIII (?): «de nunca hir tal pregunta fazer», de Pero Garcia Burgalês, no CBN, n.º 198», como substantivo «derivado regressivo de perguntar». Por sua vez, este verbo «é forma bastante antiga em Portugal, se bem que na fase arcaica deste se documente mais raramente que preguntar […], como forma genuína portuguesa, que deve remontar ao latim vulgar *praecunctāre, *precunctāre ou * preconctāre, alterações de qualquer das [seguintes] formas do latim clássico percontāre e percunctāre, menos vulgares que as formas passivas percontāri e percunctāri, “inquirir, interrogar, questionar; sondar, no sentido moral”». Os documentos mais antigos remetem preguntar para um texto redigido entre 1188 e 1230: «Iste alcalde lo pregunte et qui negauerit…» (Leges, p. 768) e, preguntar, por seu lado, no séc. XIII: «Vos me perguntades pelo uosso amigo/E eu bem uos digo que (h)e san e vyuo… Vos me perguntades pelo uosso amado/E eu bem uos digo que…» (D. Dinis, no CBN, n.º 533).»

Por sua vez, o termo questão parece ter estado associado ao domínio judicial, uma vez que deriva «do latim quaestĭōne, “procura; interrogatório; questão; inquérito; problema; tema; inquérito judiciário; informação; tortura», e, por analogia, o verbo questionar remonta ao «latim tardio quaestĭonāre, “discutir no tribunal"».

Da pesquisa realizada em vários dicionários de língua portuguesa1, aper...