Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como se faz a divisão silábica do verso «ondados fios de ouro reluzente»?

Obrigada.

Resposta:

Segundo o Tratado de Versificação Portuguesa, de Amorim de Carvalho (5.ª ed., Lisboa, Universitária Editora, 1987, pp. 15-16), em poesia, «na contagem das sílabas [contagem essa que se refere à medição musical do verso, ou metro (como também é designado)] fundem-se estas conforme a pronúncia corrente (o que constitui a sinalefa), de modo que se contam só as emissões de voz individualmente bem distintas, e cada emissão chama-se sílaba métrica ou prosódica».

Por isso, no verso de Camões que nos apresenta, há um caso de fusão de sílabas, em que se verifica «a contracção numa sílaba de duas ou mais vogais em contacto» (Celso Cunha e Lindley Cinta, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 667) – «de ou / ro /» –, o que leva a que a contagem dessas sílabas respeite as ligações das palavras. Portanto, no verso que nos apresenta, a divisão métrica pressupõe a junção do e final da preposição de às vogais do ditongo ou da palavra ouro. Assim sendo, o que em prosa corresponderia a duas sílabas, em tal  caso de fusão («de / ou /») tem, na divisão métrica, o valor de uma sílaba.

Para além desta especificidade, não podemos esquecer-nos, também, de que, «metricamente, a contagem das sílabas métricas se faz apenas até ao último acento tónico, inclusive» (Amorim de Carvalho, op. cit., p. 16), razão pela qual se colocam entre parêntesis a(s) sílaba(s) que se lhe(s) segue(m), significando as sílabas não contadas. É esse o caso do verso apresentado — « On / da / dos /  fi / os / de ou / ro / re / lu / zen (te) » — que termina com uma palavra grave, o que faz com que tenha 10 sílabas métricas.

...

Pergunta:

Ouvi a seguinte frase: «Telefonou-me para saber se eu dava-lhe explicações.» Refutei que deveria ser «... se eu lhe dava explicações». Foi garantido que não e que o pronome pessoal poderia ser colocado das duas formas. Será possível confirmarem se é realmente assim?

Obrigada.

Resposta:

Embora usemos com frequência esse tipo de pronomes, arbitrariamente e, na maioria das vezes, inconscientemente, a colocação dos pronomes átonos é considerada «um dos pontos mais complicados da sintaxe portuguesa» (Pilar Vásquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Edições 70, 1971, p. 493), pois, embora a sua posição lógica seja a ênclise (depois do verbo) — a posição normal do objecto directo ou indirecto, as funções dos pronomes átonos —, «há casos em que, na língua culta, se evita ou se pode evitar essa colocação» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramátiva do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p.  310), optando-se pela próclise (antes do verbo).

Assim, apesar de alguns gramáticos e linguistas apresentarem algumas regras para as situações de próclise do pronome, pela forma como as colocam, depreende-se de que estão conscientes de que são casos em que não há «exactidão absoluta» (Gramática da Língua Portuguesa, op. cit.), evitando o risco da assertividade e usando cautelosamente expressões do tipo «é […] preferida a próclise» (Cunha e Cintra, op. cit., p. 311) ou «a língua portuguesa tende à próclise pronominal» (idem, p. 313). Ora, a frase que nos apresenta encontra-se, precisamente, prevista nas regras gerais com um só verbo em que é preferida a próclise, porque se trata de uma oração subordinada (neste caso, iniciada pela conjunção se).

Portanto, e tal como a consulente sugere, a forma mais correcta é «Perguntou-me se eu lhe dava explicações».

Nota: Sobre a colocação dos pronomes átonos, aconselha-se a consulta de várias respostas (

Pergunta:

As expressões «em casa» e «no parque» podem ser consideradas locuções adverbiais, uma vez que têm o valor de um advérbio (aqui ou , por exemplo)?

Obrigada.

Resposta:

As expressões em causa não podem ser consideradas locuções adverbiais, porque não são formas fixas nem estão lexicalizadas como tal. Repare-se que se diferenciam de «por ali», «por aqui», «em  cima», «de perto», «ao lado», «à esquerda», «à direita» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 541), porque «em casa» e «no parque» são meros grupos preposicionais que não são fixos e que não se encontram dicionarizados.

Se repararmos nos exemplos fornecidos pelo Dicionário Terminológico, apercebemo-nos da diferença entre umas expressões e outras:

Locuções adverbiais: «em breve», «com certeza»;

Locuções prepositivas: «em cima de», «debaixo de»;

Locuções conjuncionais: «assim que», «logo que», «ainda que».

Pergunta:

Como se classifica quando nas frases apresentadas?

«Estavam agora terrivelmente enervados e não sabiam o que haviam de fazer, quando o ministro americano se lembrou de repente de que dera autorização...» e «Mal tinha, porém, andado umas milhas, quando ouviu alguém a galopar ao seu encalço».

Gostaria igualmente que me explicassem o significado de «mal tinha».

Muito obrigado!

Resposta:

Quando é, segundo a tradição gramatical, uma conjunção temporal «que inicia uma oração subordinada indicadora de circunstância de tempo» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 583) — como se pode verificar na frase apresentada através da oração «quando o ministro americano se lembrou de repente».

As novas correntes linguísticas classificam-no, também, como conector temporal (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª ed., Lisboa, Caminho, 203, p. 722), usado «para exprimir o valor de tempo» (idem) ou «quando  as frases temporais descrevem situações que se sobrepõem no tempo, total ou parcialmente, às situações descritas na subordinante» (idem, p. 106).

É de referir que esta última terminologia é aceite pelo Dicionário Terminológico, que, nas classes de palavras, define conectores como «uma classe de marcadores discursivos, que ligam um enunciado a outro enunciado ou uma sequência de enunciados a outra sequência, estabelecendo uma relação semântica e pragmática entre os membros da cadeia discursiva, tanto na sua realização oral como na sua realização escrita». 

Por sua vez, atendendo ao contexto em que ocorre, a expressão «mal tinha» significa «apenas tinha», pois a palavra mal é, neste caso, usada como advérbio com valor de «apenas», «somente».

Pergunta:

Na frase «Compraste pouco material», como classificamos a palavra pouco: advérbio de intensidade/quantidade, ou determinante indefinido?

Por definição dizemos que os determinantes precedem os nomes, mas, nas seguintes frases, como podemos classificar a palavra o que precede o advérbio mais e o pronome teu?

«O João é o mais sábio.»

«O meu carro avariou, e o teu?»

Resposta:

Associado a um substantivo — material, por exemplo —, pouco1 é um pronome adjectivo indefinido (nomenclatura gramatical brasileira), um determinante definido (terminologia portuguesa que se tornou corrente há cerca de trinta anos) ou um quantificador existencial (de acordo com o Dicionário Terminológico, actualmente válido para o ensino básico e secundário português).

Relativamente à classificação de o que precede o pronome — «o teu» —, cita-se a explicação de Carlos Rocha:

Nos casos em apreço, a literatura não tem diferenciado a classe nem a função da forma o, associada ao possessivo meu, em casos como o das duas frases. Normalmente, considera-se que esse o é um artigo definido, quer acompanhe um pronome possessivo («o meu») quer se junte a um adjectivo numa construção elíptica («estou a usar o casaco velho, porque não encontro o novo», onde «o novo» = «o casaco novo»).

Por sua vez, o o que precede o superlativo relativo de superioridade na frase «O João é o mais sábio» é, também, um artigo/determinante definido, como o afirma a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra, evidenciando que «o artigo definido é de emprego obrigatório com o superlativo relativo», podendo preceder o substantivo — «O João é o jovem mais sábio» —  ou o superlativo — «O João é o mais sábio» (Cunha e Cintra, op. cit., p. 224 e p. 216 com pronome possessivo).

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