Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
67K

Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Ouvi há pouco tempo uma explicação interessante, e não completamente descabida, sobre a origem da expressão «carapau de corrida», que sempre me intrigou!

O peixe é vendido pelos pescadores nas lotas, em leilões «invertidos», ou seja, com os preços a serem rapidamente anunciados por ordem decrescente, até que o comprador interessado o arremate com o tradicional «chiu!». Isto implica que o melhor peixe, e o mais caro, é o que é vendido primeiro, ficando para o fim o de menor qualidade. Em tempos anteriores ao transporte automóvel, as peixeiras menos escrupulosas compravam esse peixe no fim da lota, por um preço baixo, e corriam literalmente até à vila ou cidade, tentanto chegar ao mesmo tempo que as que tinham comprado peixe melhor e mais caro na lota (e tentando vendê-lo, evidentemente, ao mesmo preço que o de melhor qualidade). Nem sempre os fregueses se deixavam enganar, e percebiam que aquele carapau era «carapau de corrida», comprado barato no fim da lota e transportado a correr até à vila. Hoje ainda, o que se arma em carapau de corrida julga-se mais esperto que os outros, mas raramente os consegue enganar.

Resposta:

Agradecemos o seu contributo sobre a expressão referida, lembrando que se encontram em linha duas respostas sobre o tema: «Carapau de corrida» e Sobre a origem da expressão «carapau de corrida.

Pergunta:

Há dias, deparou-se-me uma dúvida que gostaria de ver esclarecida. Neste momento, creio que apenas esta vossa secção me poderá ajudar, porque já outras muitas vezes encontrei no Ciberdúvidas informações preciosas, que devo agradecer. 

Ainda aluno, ouvi um professor dizer que o topónimo Aldeia Galega (Sintra) era enganador, porquanto não remetia para Galiza mas para Galécia, "terra dos Galos", isto é, França. A justificação apresentada era que aquela zona tinha sido povoada na Idade Média por franceses, como aconteceu noutras regiões de Portugal. Ora, há dias, ao consultar o Dicionário Houaiss, verifiquei que Galécia surge identificada com a Galiza. Agradeço uma indicação de V. Exas. para sair desta dúvida.

Resposta:

O Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (3.ª ed., II, Lisboa, Livros Horizonte, 2003), de José Pedro Machado, regista o termo Galega como topónimo frequente na língua portuguesa, indicando que Aldeia Galega surge atestada em Scriptores (in Portugaliae Monumenta Historica) e, tendo como fonte J. Leite de Vasconcelos (Opúsculos, III, p. 289), esclarece que a origem do topónimo está relacionada com os seus fundadores. Assim, «Aldeia Galega porque foi fundada por galegos».

É de referir que, relativamente à região de Sintra, há registos de um antigo topónimo, Terra da Galega (1952), referido pelo Jornal de Sintra de 18-XII-1981 (p. 4).

Tal como o consulente sugere, este dicionário coloca, também, a hipótese de o topónimo Galega se referir à fundação do local por provençais (da Gália) que, atualmente, corresponde à França.

Relativamente à questão apresentada sobre o topónimo Galécia, é de referir que tem origem no latim «Gallaecĭa, província romana a noroeste da Hispânia, hoje a Galiza».

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma correcta de dizer:

«O aluno transita para o 4.º ano», ou «O aluno transita ao 4.º ano»?

Resposta:

Aconselha-se, em primeiro lugar, que seja lida a resposta em linha A regência de transitar, em que se verifica que a preposição para é a indicada para os casos de uso do verbo transitar com o sentido de «passar um aluno para o ano seguinte, transitar de ano letivo».

No entanto, Celso Luft, no seu Dicionário Prático de Regência Verbal (São Paulo, Ática, 2003), regista também a ocorrência da preposição a nos casos em que se use a expressão «Transitar de… a, para…» para designar «mudar de lugar, estado ou posição», como, por exemplo, em:

«Transitar de um ponto a (ou para) outro.»

«Políticos sem convicções transitam da oposição para a situação, de um partido para [ou a] outro.»

Tendo em conta o que foi dito, para que se use a preposição a com o verbo transitar, a frase deverá explicitar o ano escolar que o aluno concluiu e aquele para/a que transitou. Assim, poderia construir-se uma frase como: «O aluno transita do 3.º ao/para o 4.º ano.»

Pergunta:

Tenho ouvido bastantes vezes o termo paródia empregado, e sempre me soou ao inglês parody. De todas essas vezes me pareceu que seria mais adequado usar o termo sátira do que o referido. Por exemplo, «O Último a Sair é uma sátira dos reality shows habituais», em vez de «O Último a Sair é uma paródia aos reality shows habituais».

Agradecia que me explicasse qual é a a forma mais adequada e, já agora, qual é a preposição que cada um destes verbos pede.

Resposta:

Embora se tenha banalizado a palavra paródia, sendo usada frequentemente, na grande maioria das vezes, com o sentido de «pândega, divertimento, gracejo, troça» ou de «imitação ridícula ou cínica de qualquer coisa» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010), a realidade é que tal termo tem a sua origem no domínio literário. Remetendo para a etimologia, verifica-se que paródia deriva «do grego parōdès [de para, “semelhante” + odès, “canto”], “um canto, uma poesia semelhante à outra, com carácter humorístico” (Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa, VI, de Silveira Bueno, 1966), o que nos parece representar o conceito que se tornou comum designar por sátira.

No entanto, e apesar da vulgarização da palavra, tanto paródia como sátira são, de facto, termos literários, que têm em comum a criação do cómico, mas designam realidades diferentes. Carlos Ceia, em E-Dicionário de Termos Literários, apresenta as características da paródia do seguinte modo:

«Em definição simples, a paródia, enquanto termo literário, refere-se ao processo de imitação textual com intenção de produzir um efeito de cómico. A forma como se processa essa imitação, a motivação para o acto imitativo e as consequências esperadas para esse acto determinam a natureza literária da paródia. Por exemplo, a paródia é a forma privilegiada do exercício poético-ficcional da auto-reflexividade [presente em vários romances, como os] de Italo Calvino, John Fowles, David Lodge, José Saramago, Mário de Carvalho ou Alexandre Pinheiro Torres, de Camilo Castelo Branco […] e também em alguns periódicos. Não sendo um recurso exclusivo de uma época, está suficientemente documentada no espaço que se convencionou chamar literatu...

Pergunta:

Em alguns artigos de crítica literária e outros textos (mais relacionados com análise de álbuns (enquanto obra literária para a infância) tenho encontrado a referência a elementos paratextuais da obra — indicando quer elementos do texto visual, quer elementos do texto verbal "dentro" da obra ou referências evocadas por excertos de comentários "sobre" obra, autor/a, ilustrado/a, etc. Em outros artigos, estas denominações são separadas, isto é: elementos peritextuais: tudo o que diz respeito à obra propriamente dita; elementos epitextuais: todas as referências "sobre" a obra (como comentários, dados sobre obra, autores/as, etc.). Qual a expressão mais correcta, ou estarão as duas correctas (assumindo que são todas elas "neologismos")?

Resposta:

Segundo o E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia (org.), paratexto designa «aquilo que rodeia ou acompanha marginalmente um texto e que tanto pode ser determinado pelo autor como pelo editor do texto original. O elemento paratextual mais antigo é a ilustração. Outros elementos paratextuais comuns são o índice, o prefácio, o posfácio, a dedicatória ou a bibliografia. O título de um texto é o seu elemento paratextual mais importante e mais visível, constituindo, como observou Roland Barthes, uma espécie de “marca comercial” do texto».

Assim, consideram-se como paratextuais todos os elementos que fazem parte de um texto ou de uma obra — o título, o prefácio, a dedicatória, os nomes dos capítulos… —, assim como os que foram construídos sobre esse texto, explicando-o, analisando-o, comentando-o (como, por exemplo, comentários, entrevistas, notícias, críticas). Trata-se, portanto, de duas modalidades/categorias paratextuais: o peritexto (no espaço físico da obra) e o epitexto (exterior à obra, mas sobre ela), segundo Gerard Genette (Seuil, Paris, Ed. Seuil, 1987, pp. 10-11).

Como, e de acordo com a pesquisa realizada, se atribui a Genette o estudo sobre paratextualidade, em que este autor se debruça sobre a especificidade do peritexto e do epitexto como as duas modalidades paratextuais, consideramos que nos devemos guiar pela sua terminologia, tendo como referência as realidades que designam.