Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é o aumentativo de cobra?

Resposta:

Enquanto nome/substantivo, a palavra cobra pode formar o grau aumentativo de duas formas:

— analiticamente, «juntando-lhe um adjetivo que indique aumento [grande, enorme], ou aspetos relacionados com essas noções» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 199), do que resultam formas como «grande cobra», «cobra enorme»;

— sinteticamente, «mediante o emprego de sufixos especiais» (aumentativos -ão, -aço, -aça, -uça, -ázio, -anzil, -aréu, -(z)arra, -(z)orra, -astro, -az; cf. idem, pp. 90-92), a partir do que se podem obter formas como cobrazorra, cobraça ou outras.

É de referir que esta últimas formas são exemplos de possíveis aumentativos de cobra, feitas a partir das regras de formação (sinteticamente) dos aumentativos. Trata-se, portanto, de aumentativos que não se encontram dicionarizados nem estabilizados, que podem ocorrer em situações informais, em casos de uso da linguagem familiar e corrente, para se traduzir uma situação em que se realce, pela positiva ou pela negativa, uma determinada cobra.

Pergunta:

Peço ajuda dos amigos professores para solucionar a seguinte dúvida:
* «A libertinagem e a devassidão corrompeu Roma.»

É possível a concordância acima? O correto não seria: «A libertinagem e a devassidão corromperam Roma», visto que a regra geral para o verbo após o sujeito composto diz que «não é possível concordar com o núcleo mais próximo por atração, como na concordância nominal»?

Resposta:

De facto, a regra geral para os casos de frases com mais de um sujeito (sujeito composto) evidencia que «o verbo vai para o plural e, quanto à pessoa, [...] irá para a 3.ª pessoa do plural, se os sujeitos forem da 3.ª pessoa» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, pp. 494-495). Ora, tendo como referência a regra geral, a frase apresentada pelo consulente – «A libertinagem e a devassidão corrompeu Roma» – não está correta, porque viola a regra da concordância.

No entanto, se prestarmos atenção aos casos particulares de frases com mais de um sujeito, apercebemo-nos de que há situações em que o verbo pode ocorrer no singular, concordando com o sujeito mais próximo. Destacam-se os seguintes casos, indicados por Cunha e Cintra (op. cit., pp. 505-506):

a) quando os sujeitos vêm depois do verbo («Habita-me o espaço e a desolação»);

b) quando os sujeitos são sinónimos ou quase sinónimos («A conciliação, a harmonia entre uns e outros é possível»; «O amor e a admiração nas crianças compraz-se dos extremos»);

c) quando há uma enumeração gradativa («A mesma coisa, o mesmo acto, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos»);

d) quando os sujeitos são interpretados como se constituíssem em conjunto uma qualidade, uma atitude («A grandeza e a significação das coisas resulta do grau de transcendência que encerram»; «Morro se a graça e a misericórdia de Deus me não acode»).

Confrontados com estes casos particulares, e apesar de não nos esquecermos da situação de desvio (da regra geral) da frase apresentada pelo consulente, apercebemo-nos de que se pode enquadrar em dois destes casos particulares: b), o da sinonímia dos sujeitos (A libertinagem e a dev...

Pergunta:

Como se usa correctamente: verificámos, ou verificamos?

Resposta:

Atualmente, com a aplicação do novo Acordo Ortográfico, é facultativa a grafia sem o acento agudo para o caso que distinguia o pretérito perfeito do presente do indicativo. Assim, quer se trate de uma frase em que se utilize o presente do indicativo (por exemplo: «Neste momento, verificamos que tudo está em ordem»), quer se queira usar o pretérito perfeito do indicativo, cuja pronúncia implica a abertura da penúltima sílaba — e que, habitualmente, se escrevia com o acento — («Há dias, verificámos/verificamos que tudo estava em ordem»), podem escrever-se as duas formas verbais sem o acento distintivo.

Até à entrada em vigor do AO, era obrigatório o uso do acento agudo na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo dos verbos da 1.ª conjugação, o que não significa que não se continue a escrever (corretamente) essa forma verbal, usando as duas formas – verificamos e verificámos.

 

Nota: A facultatividade na acentuação gráfica nas formas verbais é um dos casos de mudança previstos pelo Acordo Ortográfico de 1990 (Base IX), e essa decisão está relacionada com a existência de variantes de timbre da vogal tónica: «É facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do indicativo, do tipo amámos, louvámos, para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos), já que o timbre da vogal tónica/tônica é aberto naquele caso em certas variantes do português.»

Pergunta:

Como é correcto dizer: Desejamo-vos, ou desejamos-vos, um bom ano letivo?

Resposta:

Desejamos-vos é a forma correta, porque só com o pronome nos como enclítico é omitido o -s final da desinência –mos «das primeiras pessoas do plural dos verbos reflexivos ou pronominais, quando o pronome é enclítico [depois do verbo]», em virtude de uma antiga assimilação à nasal inicial do pronome seguinte» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 410).

Pergunta:

Comprei um livro para ler à minha filha, cujo título é Cuquedo. A minha dúvida é como acentuar esta palavra: Cúquedo, ou Cuquêdo?

Obrigado

Resposta:

Segundo as regras da acentuação da língua portuguesa, «todas as palavras proparoxítonas [isto é, quando o acento recai na antepenúltima sílaba] devem ser acentuadas graficamente1» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 1997, p. 70), o que não ocorre na grafia de Cuquedo.

Por isso, esta palavra não é esdrúxula/proparoxítona, o que impede que se faça a incidência do acento na antepenúltima sílaba. Assim, a sílaba tónica é a penúltima, «Cuquedo», razão pela qual é uma paroxítona (grave), palavras que, na sua grande maioria, não são acentuadas graficamente, o que é reiterado na Base IX (Da acentuação gráfica das palavras paroxítonas) do novo Acordo Ortográfico2.

Portanto, a segunda hipótese colocada pelo consulente é a da pronúncia correta ("Cuquêdo").

 

1 «Recebem acento agudo as que têm na antepenúltima sílaba as vogais a aberta, e, o semiabertas, i ou u; e levam acento circunflexo aquelas em que figuram na sílaba predominante as vogais a, e, o semifechadas: árabe, exército, gótico, límpido, louvaríamos, público