Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A construção frásica «Esperemos fazer parte de muitos outros momentos» suscitou algumas dúvidas entre amigos. O verbo volitivo esperar, tal como outros, dadas as suas propriedades sintático-semânticas, usualmente introduz orações subordinadas completivas e os verbos no modo conjuntivo (como em «Esperamos que a reunião comece cedo» — neste caso, o verbo esperar encontra-se no presente do indicativo e o verbo da completiva no conjuntivo). Todavia, na frase anterior, tendo por base o ato ilocutório expressivo, em que o locutor se incluiu entre os demais, como se se tratasse de uma exortação, a conjugação do verbo esperar no presente do conjuntivo está incorreta?

Muito obrigada e parabéns por este magnífico sítio.

Resposta:

As duas formas – usando o modo conjuntivo («Esperemos») ou o modo indicativo («Esperamos») – estão correctas como predicado da oração principal/subordinante. A única diferença para o seu uso reside no valor de cada um dos modos.

Assim, enquanto o modo indicativo traduz a ideia de realidade, de algo concreto — pois, «quando nos servimos do modo indicativo, consideramos o facto expresso pelo verbo como certo, real, seja no presente, seja no passado, seja no futuro» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 1997, p. 463) —, o emprego do conjuntivo implica uma atitude diversa, uma vez que este modo pode exprimir, «além das noções imperativas, um desejo […], uma ordem, […] uma hipótese» (idem, p. 465).
De facto, tudo depende da intenção e da atitude do sujeito. E não há dúvida de que, se se trata de uma oração principal, o emprego do modo conjuntivo «envolve sempre a acção verbal de um matiz afectivo que acentua fortemente a expressão da vontade do indivíduo que fala» (idem, p. 464).

Não é por acaso que, quando alguém nos coloca perante a perspectiva de algo desejado, seja habitual dizermos «Esperemos…» (e não «Esperamos»), porque só o verbo no conjuntivo traduz a ideia de vontade, de desejo do emissor.

 

N. E.: Relativamente ao caso das subordinadas, Fátima Oliveira, no capítulo «Modalidade e modo», de Gramática da Língua Portuguesa, afirma que «naturalmente verbos de expectativa como esperar, seleccionam o modo conjuntivo» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª ed., Lisboa, Caminho, 2003, p. 260), o que é confirmado por Cunha e Cintra ao dizerem que «...

Pergunta:

Recentemente, ouvi um professor universitário (mas não da área linguística) defender que dizer-se «Ministério da Educação» está errado e que este deveria ser «do Ensino», alegando que «Educação» se refere apenas àquilo que normalmente as crianças recebem dos pais, acrescentado que seria uma influência nefasta do «Education».

Gostava de saber a vossa opinião.

Obrigado.

Resposta:

Vários dicionários registam as palavras educação e ensino como sinónimos, enquanto «transmissão de princípios que regulam a vida em sociedade» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001).

No entanto, outros há que não conferem às duas palavras o mesmo valor.

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, educação deriva do francês éducation, que, por sua vez, remete para o latim ĕdǔcātĭōnem-, «acto de criar; instrução, formação do espírito», o que nos aponta para sentidos ligados à formação e ao desenvolvimento de competências e de faculdades. Estes são, de facto, os significados atribuídos à palavra educação por grande parte dos dicionários consultados: «acção ou efeito de educar, de desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais da criança e em geral do ser humano»; «desenvolvimento, aperfeiçoamento das faculdades intelectuais e morais do indivíduo»; «acção de desenvolver no indivíduo, especialmente na criança ou no adolescente, as suas capacidades intelectuais e físicas e de lhe transmitir valores morais e normas de conduta que visam a sua integração social», «aplicação de métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano»; «pedagogia»; «didáctica», assim como «sistema cujo objectivo é a formação e instrução dos cidadãos, de modo a podem alcançar uma melhor integração na sociedade, em geral, e na profissão, em particular», ocorrendo, também, com o sentido de aquisição de novos saberes: «acção de adquirir conhecimentos, desenvolver aptidões, de formar e de enriquecer o espírito, de se instruir = instrução».

Por sua vez, o termo ensino, «derivado regressivo de ens...

Pergunta:

Qual a função sintática do pronome te em «Lembra-te de vir aqui todas as semanas»?

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

A análise deste caso implica debruçarmo-nos sobre a especificidade do verbo lembrar-se, uma vez que se trata de um dos verbos «que surgem associados a formas idênticas aos reflexos [tal como admirar-se, arrepender-se, atrever-se, indignar-se, queixar-se]», razão pela qual «as formas me, te, se, nos, vos que aparecem com estes verbos são, portanto, uma propriedade lexical dos próprios verbos, sendo “reflexos inerentes” ou “pseudo-reflexos” (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª ed., Lisboa, Caminho, 2003, p. 808), posição partilhada pelo Dicionário Terminológico.

Assim, o pronome te da frase «Lembra-te de vir aqui amanhã» ocorre «como parte integrante do verbo com que se combina (valor inerente)» (DT), não desempenhando nenhuma função sintáctica na oração, sendo apenas um pronome de realce de valor inerente.

Nota: Na maioria das vezes, o pronome «reflexo é tipicamente o complemento/objecto directo, usando-se com verbos transitivos» (Mira Mateus, op. cit, p. 807) [Ex.: «A criança magoou-se no jardim»; «Tu lavas-te sozinha»], podendo «excepcionalmente ser um complemento/objecto indirecto, como em “A Maria perguntou-se (a si mesma) se queria mesmo concorrer ao concurso”» (idem).
Aconselha-se , também, a leitura de uma resposta em linha sobre «a função sintáctica de

Pergunta:

A pessoa a que é dedicada uma obra é o "dedicatário" dessa obra? Qual a palavra correta?

Obrigado.

Resposta:

De facto, dedicatário é o nome que designa a pessoa a quem é dedicada uma obra, segundo o Dicionário do Livro Da Escrita ao Livro Electrónico (Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão, Coimbra, Edições Almedina, 2008), a única obra em que encontrámos o registo desta palavra:

«DEDICATÁRIO – Pessoa ou pessoas a quem é dedicada uma obra; na iconografia medieval, o autor munido do livro aparece postado de joelhos na frente do dedicatário, geralmente uma pessoa altamente posicionada, rodeada pela sua corte, ou santo patrono, num ambiente que dá marcas da recepção favorável da obra; esta cena tomou o nome de accipies, aceita, palavra intimamente ligada à cena * Pessoa para a qual foi composta uma obra; é o caso de obras feitas especialmente para o delfim ou outro príncipe, com intenção pedagógica, como acontece com certas obras de carácter didáctico destinadas à educação do delfim ou herdeiro do trono em França ou de outro príncipe * Pessoa à qual uma obra é dedicada.»

Na verdade, tal termo não se encontra registado em nenhum dos vocabulários ortográficos (nem sequer nos três mais recentes: Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2009; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, 2009) nem em nenhum outro dicionário que consultámos1, assim como na bibliografia específica da terminologia literária2 (uma vez que se trata de uma realidade comum ao universo da arte: obra literária, musical…).

Deve, decerto, tratar-se de uma palavra bastante recente e pouco conhecida/...

Pergunta:

Tenho dúvidas quanto ao uso dos termos: «no qual», «do qual», «em que».

A frase abaixo está correta?

«Reprise do programa Mega Senha do qual participei.»

Obrigado!

Resposta:

A frase «Reprise do programa Mega Senha do qual participei» está correcta, assim como são, igualmente, legítimas as outras duas construções indicadas pelo consulente:

«Reprise do programa Mega Senha no qual participei»
«Reprise do programa Mega Senha em que participei.»

 

O uso de tais expressões depende, sempre, da regência ou da sintaxe dos verbos. Ora, o verbo participar, com o sentido de «tomar ou ter parte; partilhar», pode construir regência com duas preposições: de e em.1

A possibilidade de utilização de qualquer uma das duas preposições2, o que pode criar dúvidas, levou Celso Pedro Luft, em Dicionário Prático de Regência Verbal (São Paulo, Ática, 2003, p. 391), a apresentar-nos os dois casos nas seguintes construções:

«Participar das (ou nas) alegrias de alguém»
«Participar de uma (ou numa) discussão»
«Participar dos (ou nos) lucros e perdas»
«Participar de (ou em) trabalhos».

Em sintonia com Luft, outros exemplos são-nos fornecidos pelo Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses [Winfried Busse (coord.), Coimbra, Almedina, 1994, p. 325]:

Participar + preposição em:
«A reunião em que participou o governador militar de Lisboa não foi uma reunião de amigos.»
«Portugal é um dos países que participaram num exercício destinado a treinar a capacidade da OTAN para a gestão...