Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Precisava de ajuda para saber o significado exacto da palavra "professiograma", que me parece mal escrita, ou "profissiograma". Trata-se de uma palavra que está inserida num contexto de medicina familiar. Já corri quanto dicionário havia, e só me aparece "profissiograma", cujo significado é «as aptidões básicas que alguém tem de ter para exercer uma determinada profissão». Mas será que não terá que ver com a hierarquia profissional de alguém? Por exemplo, de um médico? Se me pudessem ajudar, agradecia muito.

Resposta:

Tive os mesmos problemas que a consulente face à palavra profissiograma. Creio ser esta a única forma adequada. É utilizada, ao que parece, para designar listas de competências associadas a uma profissão. Estas listas funcionam como indicadores de selecção de candidatos, por exemplo, em caso de concurso, e poderão igualmente ser usadas para situar profissionais numa lista graduada, para, por exemplo, efeitos de avaliação. O termo usa-se para qualquer profissão e, se for usado em situação de avaliação (e mesmo de concurso), acaba por influenciar a posição hierárquica dos diferentes profissionais ou candidatos.

O profissiograma, pode, assim, ser um instrumento que gradua, ou coloca em hierarquias diferentes, diversos profissionais, eventualmente concorrentes a uma posição superior na hierarquia dessa profissão, seja medicina ou outra. Claro que para cada profissão o conteúdo do profissiograma será diferente.

Vale ainda a pena referir que o termo parece ser mais usado no Brasil do que em Portugal. Faz parte do Vocabulário da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, mas não é incluído em nenhum dos vocabulários editados em Portugal.

Pergunta:

Frequentemente os alunos usam a expressão «isto/aquilo foi bem conseguido». A maioria das vezes a utilização desta expressão parece-me adequada, como no exemplo «Este espectáculo foi bem conseguido». No entanto, quando comentam: «Esta comida está bem conseguida» parece-me que a expressão deveria ser «esta comida está bem concebida».

Esta opinião resulta apenas do conhecimento implícito que tenho da língua, contudo, gostaria de saber se há uma fundamentação linguística que apoie ou rejeite a minha opinião.

Obrigada pela vossa ajuda.

Resposta:

Parece-me que as duas expressões têm um ponto de referência diferente, e tenho como base apenas a minha própria análise das duas expressões. «Bem concebida» concentra-se, parece-me, no planeamento, na fase de concepção. Por seu lado, «bem conseguida» centra-se no produto final, no resultado.
Assim, uma refeição bem concebida pode ser bem conseguida, tal como um espectáculo.

Pergunta:

O mestre lusitano Cândido de Figueiredo doutrinava que o verbo tem de anteceder o sujeito quando se trata de orações interrogativas. Segundo o ensinamento que ele abraçava e defendia, a construção legítima é «Poderão as mulheres ser sempre honestas?» e não «As mulheres poderão ser sempre honestas?». Percebe-se hoje a predominância da construção errada (sujeito antes do verbo), ao arrepio do que preconizava o doutíssimo Cândido de Figueiredo. Qual é a vossa opinião?

Muito grato.

Resposta:

A primeira coisa que me ocorre dizer é que a língua evolui, e as suas regras também. Efectivamente, hoje, contrariamente ao que se defendia nas primeiras décadas do século XX, são correctas as duas estruturas: a que tem inversão do sujeito (há quem defenda que é elevação do verbo) e a que apresenta como marca de interrogação apenas o respectivo sinal de pontuação.

Pergunta:

Relativamente às funções sintácticas (FS) desempenhadas pelas orações subordinadas adverbiais, julgo estar certa ao dizer que:

— as causais, as finais e as temporais desempenham sempre a FS de modificador (frásico) do grupo verbal (GV);

— as concessivas e as condicionais desempenham sempre a FS de modificador (frásico) da frase;

— as comparativas e as consecutivas (aquelas que, julgo, têm pouca, ou nenhuma, mobilidade) também são modificadores. E agora aqui vai a dúvida: são modificadores da frase, ou do GV?

Grata pela prontidão com que a equipa do Ciberdúvidas sempre me responde!

Resposta:

Concordo com a análise que faz nas duas primeiras situações. Acompanho-a, igualmente, nas dúvidas quanto às comparativas e às consecutivas. No capítulo 17 da Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, Ana Maria Brito considera, na página 697, adverbiais as condicionais, causais, finais, concessivas e temporais. Em nota, na mesma página, diz-se que «as comparativas, as consecutivas e as proporcionais típicas não têm propriedades de subordinação». As comparativas e as consecutivas são estudadas à parte, no capítulo 18, por Ana Maria Brito e Gabriela Matos, aproximando-as das estruturas de coordenação, por um lado, e das estruturas de subordinação adjectiva, por outro.

As autoras, num estudo bastante pormenorizado, consideram que em alguns aspectos as comparativas se aproximam das coordenadas correlativas. Dão como exemplo, na página 745, as frases seguintes:

«(45) Ele consultou mais jornais do que revistas.»
«(46) Ele consultou não só jornais como revistas.»

Estabelecem ainda relação entre as comparativas e as relativas. Por um lado, porque umas e outras podem incidir sobre um elemento da frase, em exemplo como «O João é [mais inteligente do que trabalhador]». Frases como esta ilustram igualmente a ocorrência das comparativas em estruturas lacunares, que as subordinadas prototípicas não admitem: «O João é mais inteligente do que [é] trabalhador.»

As consecutivas, por seu lado, são comparadas com as conclusivas ou com as explicativas:

«O Luís é tão inteligente, que descobriu de imediato a solução do problema.»
«O Luís é inteligente; logo, descobriu de imediato a solução do problema.»
«O Luís é inteligente, pois descobriu de imediato a solução do problema.»

Nenhuma das estruturas (consecu...

Pergunta:

A expressão latina «probatio diabolica», que é utilizada no Direito para exprimir a ideia de grande dificuldade ou impossibilidade de provar o que se alega, vem apresentada de dois modos nos manuais de Direito: «probatio diabolica» ou «diabolica probatio».

Que modo de escrever/dizer a expressão está mais correcto? Ou estão os dois correctos por causa de, nas frases latinas, a ordem das palavras ser aleatória?

Obrigado.

Resposta:

A ordem das palavras na frase, ou no constituinte, tem, no latim, uma grande liberdade da qual os grandes escritores souberam tirar partido, dispondo as palavras de forma muito livre na frase.
As línguas românicas, ao perderem o caso, começaram a ter outras restrições de ordem que, curiosamente, se reflectem em muitas das expressões latinas que ainda hoje usamos. Por exemplo, «modus operandi» para um romano do período clássico seria, mais provavelmente, «operandi modus», uma vez que era comum o complemento em genitivo anteceder o núcleo.

Poderá ter sido o que aconteceu com as expressões «probatio diabolica» e «diabolica probatio», pois, embora ambas as formas sejam correctas, a que se fixou parece ter sido «probatio diabolica», na qual a ordem é a habitual em português e nas outras línguas românicas que conheço.