Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

1.ª Pergunta:

Podemos considerar que, na frase «À noite, ela contava sempre uma história», temos dois complementos circunstanciais de tempo («à noite» e «sempre»)?

2.ª Pergunta:

Na frase «Demorámos cinco dias a chegar», «cinco dias» é o complemento directo, ou o complemento circunstancial de tempo?

Resposta:

Os complementos de tempo situam uma determinada acção no tempo, podendo veicular uma ideia associada de anterioridade, simultaneidade ou posterioridade. Podem ainda, como é o caso de sempre, veicular uma ideia de repetição. Podemos, pois, dizer que na frase 1 há, como diz, dois complementos circunstanciais de tempo (ou, na nova terminologia, modificadores de valor temporal), indicando um quando acontecia («à noite») e o outro a ideia de repetição da acção («sempre»). Esta ideia de repetição está também presente no tempo verbal.

1. «À noite, ela contava sempre uma história.»

O verbo demorar pode ser intransitivo ou transitivo. Na frase 2, a classificação do verbo não é fácil. Pode ser considerado transitivo, por analogia com as frases 3 e 4:

2. «Demorámos cinco dias a chegar.»
3. «Demorámos algum tempo a recompor-nos.»
4. «A baronesa demorou o olhar sobre a neta.»

Mas pode igualmente ser considerado intransitivo, prevalecendo o facto de a expressão «cinco dias» veicular uma ideia de tempo e não sofrer influência directa da acção do verbo, como acontece num verbo tipicamente transitivo como comer em «O João comeu um bolo». Nesta frase, «um bolo» sofre a acção designada pelo verbo (é, semanticamente, um paciente), o que não acontece com «cinco dias» em 2. Porém, se, pelo que foi dito acima, o verbo demorar pode ser considerado intransitivo, também tem algumas características que o aproximam dos verbos transitivos, uma vez que pode ser substituído pelo pronome pessoal, ainda que em contextos específicos e veiculando sempre uma ideia de tempo:

Pergunta:

Após pesquisar no Ciberdúvidas, não consegui o desejado efeito cibernético.

Se se pretender atribuir um nome a uma entidade pública administrativa nos Açores, com responsabilidades ao nível da execução de uma matéria nacional (isto é, não regionalizada), pergunto: deve ser utilizada a preposição de, ou em?

Exemplifico:

1) Instituto de Gestão da Reinserção Social «dos» Açores;

ou

2) Instituto de Gestão da Reinserção Social «nos» Açores.

Sei que a prática é o caso 1). Mas não será que o contexto requer o tão necessário quanto espinhoso «distinguo»?

O nome do exemplo é imaginado, mas o caso concreto é real. Trata-se de uma entidade com o mesmo nome da entidade ao nível nacional. O que as distinguirá no futuro será precisamente o complemento «Açores».

Se se seguir o que aqui foi escrito, o complemento «Açores», sendo um substantivo, parece que deveria ser qualificado como «determinante». Neste caso, porém, determinante é o facto de o «Instituto» ser da «Reinserção Social». O facto de estar «nos» Açores é meramente circunstancial.

Isto tem mais importância ao nível semântico: se a Reinserção Social não foi regionalizada, a preposição do caso 1) induz o leitor em erro pela sua ambiguidade, pois tem como significação a Reinserção Social pertencer aos Açores, o que do ponto de vista referencial está errado. Já o caso 2) significa que se trata do organismo que gere a Reinserção Social referente aos Açores, isto é, uma mera circunstância acessória ao nome (quem? o Instituto de Gestã...

Resposta:

No seu texto há, creio, uma palavra-chave em torno da qual giram as diferenças entre o que se pode ler na resposta «Complemento determinativo e complemento circunstancial de matéria», que assino, e o que expõe nesta questão: «o legislador».

É sabido que cada área do saber, ou profissional, tem, ou pode ter, uma forma característica de usar a língua que pode, mesmo, assumir o carácter de terminologia específica. E a área legislativa, ou jurídica, como a linguística, ou, se preferir, a gramatical, não foge à regra.

Na resposta que dei, não utilizo o termo determinante, e, se o tivesse feito, no âmbito da terminologia gramatical e no contexto em que escrevi, teria cometido um erro, pois determinante, em gramática, tem outro significado, específico. O que refiro é complemento determinativo, que é, também ele, como creio ter explicitado na resposta em análise, associado a um determinado contexto e apenas a esse. Repare que na resposta em causa a preposição em apreço é sobretudo de, surgindo em dois contextos diversos: a seguir a um nome e na sequência de um verbo. E são estes dois contextos que pretendem ser focados para distinguir o que tradicionalmente se designa como complemento determinativo e por complemento circunstancial.

Em termos semânticos, os complementos em análise na resposta em apreço eram de matéria, ou assunto no sentido material, digamos assim, ou abstraco. Em «taça de cristal», «de cristal» indica a matéria de que a taça é feita; poderia ser «de vidro», «de barro», «de bronze». Em «falar de política», «de política» designa, ou refere, «o assunto tratado». Poderíamos dizer «matéria tratada» ou «tema tratado».

Do ponto de vista da ...

Pergunta:

Podemos considerar família, amigos como merónimos do holónimo vida?

Resposta:

Os conceitos de holonímia e meronímia são associados à relação que se estabelece entre um determinado organismo e as suas partes. Por exemplo, no organismo (holónimo) corpo humano há um conjunto de elementos identificáveis e caracterizáveis per se, mas não contendo todos os elementos que formam o seu holónimo. Trata-se, pois, de uma relação parte-todo e não de uma relação hierárquica. Sobre a holonímia e a meronímia, o Dicionário Terminológico contém a seguinte nota, que me parece elucidativa:

«As relações de holonímia/meronímia distinguem-se das de hiperonímia/hiponímia na medida em que nestas há uma transferência de propriedades semânticas que não se verificam naquelas. Por exemplo, sardinha é hipónimo de peixe, porque também é peixe. Já a palavra escama não pode ser encarada como um hipónimo de peixe, uma vez que, apesar de ser uma parte do peixe (merónimo), não é um subtipo de peixe.»

Assumindo que a relação pretendida seja hiperonímia/hiponímia, tenho dificuldade em aceitar a existência de uma relação hierárquica ente vida e família, ou amigos. Claro que sem vida não há família, mas que tipo de elemento comum se pode isolar para justificar esta relação? Mesmo que transformasse vida numa expressão menos abstraca, como formas de vida, não chegaria, a meu ver, a família ou a amigos. Estas duas palavras remetem, do meu ponto de vista, para relações sociais. Em todo o caso, o estabelecimento de relações semânticas de hierarquia a um n...

Pergunta:

Para eu utilizar a forma "países-satélite" como plural de "país satélite", devo manter o hífen, ou posso deixar na forma "países satélite"?

Resposta:

Não encontrei dicionarizada a palavra composta país-satélite, ou a expressão lexicalizada país satélite. A exemplo de país-membro, creio que se poderia constituir a palavra país-satélite.

Neste caso, assumindo que país-satélite é uma palavra composta, o seu plural deve manter a ideia de composição e, por isso, o hífen. Se considerarmos que se trata de uma expressão lexicalizada, grafada sem hífen, então não o terá expresso tanto no singular como no plural.

Concordo com a proposta de plural: países-satélite.

Pergunta:

Gostaria de saber o que é mais correcto dizer-se quando nos referimos ao acto de escalar um processo para o departamento de qualidade, na sequência da reclamação dum cliente — foi feita uma "escalação" (o que costumo dizer) ou foi feito um "escalamento" (como alguns colegas dizem)?

Obrigado!

Resposta:

O verbo escalar tem, em conjunto com o verbo escalonar , sentidos como «distribuir por níveis, graduar, organizar». Talvez por isso o termo dicionarizado para a actividade que descreve seja escalamento. A par deste, encontrei, em dicionários portugueses, escalamento, significando «acto ou efeito de subir ou trepar, escalada». O nome escalação, encontrei-o em alguns dicionários brasileiros, como o Aurélio XXI e o UNESP, que não incluem escalamento.

Em linguagem comum, parece-me que a palavra mais adequada para acção que descreve seria escalamento. No entanto, a gíria profissional conduz muitas vezes à criação de termos específicos em cada área profissional, o que me parece ser o caso na situação em análise. Aí, o mais adequado é criar-se, ou adoptar-se, para uma acção um só termo, para que ele se revista do rigor terminológico que permita a todos os profissionais saber do que se trata. Nessa situação, diga eu o que disser, corro o risco de cometer um erro, uma vez que não domino a gíria da sua actividade profissional.

No âmbito do vocabulário geral da língua portuguesa, escalação, ainda que bem formada, é uma palavra não dicionarizada em Portugal e, havendo outra dicionarizada (seja ela escalonamento ou escalamento…), não se justifica a sua adopção.