D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Escreve EL PAÍS de 9 de outubro: "El portugués, un idioma hablado por 170 millones de personas, está amenazado por un cierto secesionismo procedente sobre todo de Brasil."

A Microsoft e outros distribuem programas em português do Brasil e Ibérico.

Até quando esta situação continuará?

Resposta:

Sejamos sinceros. Tem havido secessionistas brasileiros; alguns designando mesmo a fala do Brasil como `língua brasileira´.

E muita dessa culpa pode ser atribuída a Portugal: Porque oficialmente não se tem empenhado a fundo na actualização do léxico; porque tem teimado em manter ortografias obsoletas ou que, se eram necessárias antes de 1911, na barafunda existente, tornam-se agora opressivas na rápida evolução da língua, com a explosão dos conhecimentos e as aplicações informáticas.

No entanto, esse secessionismo, ideológico, não significa que haja secessão de facto; e os espanhóis não precisam de estar assim tão `preocupados´ com a nossa língua…

Muitos linguistas de boa vontade e espírito de união têm-se empenhado em conseguir unificar a `ortografia´ na língua. E quem lida simultaneamente com as grafias de Portugal e do Brasil, que é o nosso caso em Ciberdúvidas, sente-se bem gratificado, nesta ânsia de comunhão, quando verifica que aquilo que na ortografia nos desune é, afinal, muitíssimo pouco em relação a tanto que nos une.

Esta nossa língua é importante no seu conjunto e nas ramificações que foi deixando em todos os continentes. Uma língua exclusivamente brasileira, embora com numerosos falantes, ficaria diminuída dessa enorme virtude.

Quanto ao critério de haver programas informáticos diferentes para Portugal e para o Brasil, compreende-se essa necessidade. Por exemplo, um corrector ortográfico deve acusar (mostrar que ignora) os termos que são muito pouco usuais entre os falantes a que o texto se destina. E mesmo quando o novo acordo ortográfico entrar em vigor, as diferenças de programas poderão ser ainda convenientes, porque uma coisa é oficializar grafias diferentes (ex.: António ser, cá e lá, tão legal como Antônio), outra pode ser a necessi...

Pergunta:

Sou tradutora e estou a debater-me com uma dúvida terrível quanto ao uso de maiúsculas, nomeadamente nos seguintes três casos:

Cristão, Católico, Judeu? Ou cristão, católico, judeu? No sentido geral e não especifico, i.e., não há dúvida que Igreja Católica seria com maiúscula, ou Concelho Judeu, mas os cristãos, os judeus, etc.?

Português, Francês, Holandês? Ou português, francês, holandês? Novamente, apenas nos casos gerais, referindo-me aos naturais de dado país.

E ainda em relação com a dúvida anterior, quanto às línguas faladas nos diversos países, escreve-se português, inglês, etc., ou com maiúscula?

Desde já agradeço a vossa ajuda pois queria fazer um trabalho correcto e não me consigo desembaraçar disto...

Resposta:

Tem razão nas suas dúvidas. Antigamente havia o hábito de semear iniciais maiúsculas no texto, como deferência, por tudo e por nada. Presentemente, recomenda-se que se evitem as iniciais maiúsculas, quando for possível (procuro só usar as exigidas pela norma em vigor ou se penso que pode haver ofensa na inicial minúscula).

Quanto aos casos específicos que refere, eu escrevo:

i) - Com minúscula: cristão/s, católico/s, judeu/s, substantivos comuns. Com maiúscula: Igreja Católica, nome desta instituição religiosa (mas escrevo: `este edifício é uma igreja católica´).

ii) - A norma brasileira aceita que se escreva os portugueses; mas a norma portuguesa em vigor exige que se escreva com maiúscula: os Brasileiros (sic), quando o vocábulo designa todo o povo do país (e eu escrevo: `um brasileiro, dois brasileiros´, etc.). Note que, obedecendo ao espírito da norma portuguesa e no meu ponto de vista, preciso sempre de ver se o singular não estará a substituir a totalidade, num dos artifícios em que a nossa língua é rica; pois, nesse caso, frequentemente prefiro escrever com inicial maiúscula. Exemplos: `o Brasileiro é um povo da nossa família´; ` a Mulher é mesmo a fonte da vida´. Mas já escrevo: `o povo brasileiro é mais alegre´, porque neste frase o termo brasileiro é adjectivo; e escrevo: `eu não posso dizer que a mulher homossexual tenha sempre mau gosto…´, porque nesta acepção o termo mulher representa só uma parte do todo.

iii) - Presentemente, recomenda-se que se ...

Pergunta:

Gostaria de saber se existe diferença na pronúncia do a (sem crase) e com crase.

Aprendi que o a craseado é pronunciado de forma mais aguda e o a (sem crase) é mais agudo. Por este processo posso assegurar que não erro nenhuma frase.

Resposta:

Compreendo as suas dificuldades na crase. Nós os portugueses distinguimos bem sempre a vogal a semifechada, como em amamos, presente: ¦âmâmos¦, da vogal a aberta, como em saco ¦sáco¦.

Talvez o processo que indica possa ter utilidade no vosso caso (o seu texto está confuso, mas julgo ter percebido). O processo que eu uso é analisar sempre bem se devo desdobrar o a em artigo mais preposição (ex.: `vai a Maria´: ¦â¦, só artigo; mas `dou à Maria´: ¦à¦, sendo à o conjunto de preposição a mais artigo a: à = a+a). Note que também há crase, na pronúncia, em agrupamentos do tipo `para a Maria´, embora não seja legítimo o acento gráfico no a.

Ao seu dispor,

Pergunta:

Noto que mais que de há uns tempos atrás, respostas em Ciberdúvidas recorrem a um dicionário da língua brasileira, o "Aurélio". Por que é que não se cria, se não existe ainda, a palavra Portuguesa de acordo com as nossas regras linguísticas?

É bem sabido que a língua brasileira em muito difere da portuguesa embora tenha muitas raízes comuns, mas que evoluiu diferentemente em muitos aspectos devido ao meio onde se desenvolve. O mesmo se deu com o Português de há 800 anos até hoje em relação ao galego, leonês e ao castelhano!

Outros países da Europa, especialmente a Alemanha, esforça-se por encorajar evolução coerente da sua língua oficial!

Respeitosamente.

Resposta:

Em Ciberdúvidas faz-se frequentemente referência ao dicionário brasileiro Aurélio, porque temos muita correspondência com consulentes do Brasil, e este dicionário é muito conhecido naquele país.

Em Portugal temos excelentes dicionários, publicados por empresas privadas. Cito, sem desprimor para outros: «Grande Dicionário da Língua Portuguesa», de José Pedro Machado; «Dicionário Editora», da Porto Editora; «Dicionário Universal», da Texto Editora, etc.

Quanto às obras oficiais, o último trabalho da Academia das Ciências de Lisboa está já, de facto, desactualizado. Não ortograficamente (porque a norma portuguesa, salvo alterações de pormenor, é a mesma desde 1945), mas na obsolescência de muitos vocábulos e na falta de outros, de que entretanto a língua se enriqueceu. Aguarda-se, com expectativa, a publicação de novo trabalho da Academia (em tempos, foi anunciado que seria dado à estampa em 1997).

Sobre as diferenças Portugal Brasil, veja a minha resposta ao tema `Unificação da língua´, desta mesma data.

Ao seu dispor,

Pergunta:

Quais as diferenças existentes entre o português falado no Brasil e em Portugal, e quais são as razões para estas ocorrências?

Resposta:

Não sou um especialista da história das línguas, mas, neste caso, as causas das diferenças, em linhas gerais, parecem óbvias.

O português europeu foi o resultado da amálgama com várias línguas de povos com influência predominante nesta região da Península Ibérica: romanos, árabes, gregos pelo latim e nos termos científicos, castelhanos, ingleses, franceses (quando a língua franca era a sua e distinto usar as suas expressões).

A língua oral do Brasil é, por sua vez, uma amálgama do português europeu (com fixações dos primeiros tempos e daí muitos termos de português vernáculo que se ouve no Brasil terem caído em desuso no Portugal urbano), amálgama com línguas nativas de forte implantação, com línguas de outros povos europeus, com línguas africanas, com o inglês americano, etc.

Mas na língua escrita, a ortografia do Brasil assemelha-se muito à portuguesa, graças ao empenho nos acordos ortográficos entre os cientistas dos dois países, excluindo algumas sensatas simplificações no Brasil (como na supressão de consoantes mudas) e diferenças de acentos gráficos resultantes de diferentes prolações, etc. A sintaxe e a semântica já apresentam diferenças mais significativas, como é natural em cadinhos com produtos diferentes. Repare que digo diferentes e não melhores ou piores.

Ao seu dispor,

Cf. «Português de Portugal» é uma redundância?