Diamantino Antunes - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Diamantino Antunes
Diamantino Antunes
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Doutorando em Linguística Portuguesa Descritiva, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP); mestre em Linguística Descritiva; assistente de linguística na FLUP (2002-2004); investigador do CLUP.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber como se divide a oração seguinte: «Apesar da sua fraqueza, os Homens superaram sempre os Deuses.» A minha professora afirmou que existiam duas orações. A 1.ª: «Apesar da sua fraqueza» — oração subordinada concessiva; e a 2.ª: «os Homens superaram sempre os Deuses» — oração subordinante. Só que, para mim, essa divisão e essa classificação não me convencem. Gostaria muito que me esclarecessem sobre este ponto, porque vou fazer o Exame Nacional de 9.º ano em Junho.

Muito obrigada.

Resposta:

(1) «Apesar da sua fraqueza, os Homens superaram sempre os Deuses.»

É muito frequente aparecerem exemplos destes nos manuais e nas fichas de gramática, no ensino básico. Pessoalmente, acho que tem razão, pois, para ser uma oração, tem de existir um verbo em «apesar da sua fraqueza». Poderia eventualmente considerar-se que o verbo estaria subentendido, mas, neste caso, penso que nem isso acontece. Se, em vez da estrutura nominalizada, tivéssemos «apesar de serem fracos», o caso mudaria de figura.

Fica, no entanto, a questão acerca de como classificar o segmento que não seria oração subordinada concessiva: adjunto adverbial de concessão(?).

Pergunta:

Examine-se a seguinte frase: «O preço das amêndoas estava subindo, ao passo que o do trigo caía.»

Pergunto: a locução «ao passo que» assume o valor de adverbial proporcional, ou de coordenada adversativa? A frase pode tanto significar que «o preço das amêndoas estava subindo, à proporção que caía o do trigo», quanto querer dizer que «o preço das amêndoas estava subindo, mas o do trigo caía».

Existe realmente essa ambiguidade, ao utilizarmos «ao passo que»?

Obrigado.

Resposta:

Nesta frase, parece existir, de facto, essa ambiguidade: trata-se de uma oração coordenada adversativa, ou de uma subordinada adverbial proporcional?

Um teste para o efeito é a deslocação para o início: com frases coordenadas, resulta agramaticalidade, pois apenas as subordinadas, de um modo geral, podem ser colocadas à esquerda da principal:

(1a) «O preço das amêndoas estava subindo, ao passo que o do trigo caía.»

(1b) «Ao passo que o preço do trigo caía, o das amêndoas estava subindo.»

(«ao passo que» = «à medida que»)

(2a) *«Ao passo que o João vai estudar para Évora, a Maria vai para Coimbra.»

(2b) «A Maria vai para Coimbra, ao passo que o João vai estudar para Évora.»

Na frase (2) não haveria essa ambiguidade, sendo a oração coordenada adversativa, uma vez que não parece poder ocorrer no início.

Pergunta:

Como dividiriam e classificariam as orações das seguintes frases?

«A Joana não só limpou a casa como também lavou a loiça.»

«Vou sair, quer chova quer faça sol.»

Tenho dúvidas sobretudo quando se utilizam as locuções como «não só... mas também», «ou... ou», «quer... quer», por exemplo.

Resposta:

A frase «Vou sair, quer chova quer faça sol» contém três orações:

1. «Eu vou sair» (oração principal)

2. «quer chova» (oração coordenada disjuntiva)

3. «quer faça sol» (oração coordenada disjuntiva)

Por tradição, é esta a análise que tem sido apresentada. No entanto, esta frase levanta algumas questões. Uma delas é acerca do tipo de relação/dependência entre a oração 1 e as que se encontram ligadas pela locução coordenativa disjuntiva (2 e 3), que não fica claro através desta análise simplista.

A frase «A Joana não só limpou a casa como também lavou a loiça» contém duas orações:

1. «A Joana não só limpou a casa» (oração coordenada copulativa)

2. «como também lavou a loiça» (oração coordenada copulativa)

Na frase 1, o sujeito terá sido deslocado para um ligar na estrutura da frase acima do conector, assemelhando-se a uma estrutura de tópico marcado. As frases teriam a seguinte estrutura básica:

1a. «Não só a Joana limpou a casa»

2 a. «como também [a Joana] lavou a loiça»

Pergunta:

«Todas as magnólias cheiram igual», ou «Todas as magnólias cheiram iguais»?

Resposta:

A palavra igual ocorre numa posição de advérbio, pelo que a forma aceitável seria a que não apresenta marcas de flexão/concordância (i.e. igual, equivalente a igualmente). Vejamos outros exemplos:

(1) «Eles jogam fácil.» («de modo fácil»)

(2) «Elas pensam rápido.» («rapidamente»)

(3) «Falem-me direito.» («educadamente»)

(4) «Falai claro.» («de forma clara», «claramente»)

Pergunta:

No verso «E navegar meus longos mares ousas» (Os Lusíadas, Canto V, 41), «meus longos mares» desempenha a função sintáctica de complemento circunstancial de lugar, ou complemento directo?

Obrigado.

Resposta:

O segmento da frase que motivou a dúvida apresentada faz parte da oração completiva infinitiva «navegar meus longos mares», que tem a função de complemento directo do verbo ousar:

(1) «Ousas navegar meus longos mares

Olhando atentamente, agora, para a infinitiva, verificamos que o autor dá um emprego transitivo directo ao verbo navegar, sinónimo de atravessar ou cruzar.

(2) «Ousas navegá-los

O segmento «meus longos mares» é um grupo nominal e, como tal, desempenha, por via de norma, funções essenciais na frase. Quando se encontra subcategorizado por uma preposição é que poderá desempenhar funções não essenciais (circunstanciais).

O emprego transitivo deste verbo continua a ser frequente na actualidade, como se pode observar através do exemplo seguinte:

(2) «Copie um sítio completo no seu disco rígido para navegá-lo depois sem necessidade nenhuma de ficar conectado à Internet.»