Conceição Saraiva - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Conceição Saraiva
Conceição Saraiva
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Licenciada e Mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professora de PLE no Departamento de Língua e Cultura Portuguesa da FLUL. Formadora certificada pelo IEFP.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

"Fiabilizar" existe? Procurando em vários dicionários, não pude encontrar. Procurando na Internet, encontro várias vezes a palavra utilizada em referências tais como: «Tarefas: supervisionar o conjunto os equipamentos e de instalações, optimizar os custos de manutenção, fiabilizar a base de dados do software GMAO.» O sentido é: i) tornar fiável (1. em que pode confiar, 2. que merece crédito), ii) desencadear uma série de acções tendentes a confirmar a exactidão de determinada informação contida numa base de dados, com vista a que tal informação tenha um grau de fiabilidade (1. credibilidade 2. grau de confiança que algo merece) maior do que o actual.

Antecipadamente grato pelo vosso esclarecimento.

Resposta:

Também eu não encontrei fiabilizar em nenhum dos dicionários que consultei. Podemos, pois, considerar que se trata de um neologismo, pela ocorrência que apresenta no uso. É uma palavra bem formada, aceitável, derivada de fiável, que já tem um derivado dicionarizado, fiabilidade (ver Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Agradecemos, também, a sua presença.

Pergunta:

A palavra verbalizar significa «expressar ou exprimir por palavras». Este acto de exprimir pode ser pela forma oral ou escrita? A minha dúvida prende-se com o facto de associar o acto de verbalizar unicamente à oralidade. Aplica-se também à escrita?

Resposta:

A palavra verbalizar aplica-se quer à linguagem oral, quer à linguagem escrita. Tudo depende do termo que é sua base de derivação, verbal. A priori, a tendência é apenas fazer a correspondência com o oral, mas de facto há contextos em que verbal se refere à comunicação linguística em geral; daí, o contraste entre «linguagem verbal» e «linguagem não-verbal». Há um uso mais específico de verbal, por exemplo, em «acordo verbal», o qual é sinónimo de oral e se opõe a escrito. Verbal evidencia, assim, duas acepções, uma mais lata e outra mais restrita. E há, ainda, aquela que remete para uma classe sintáctica, verbo: «complemento verbal».

Pergunta:

Num teste pedi a classificação morfológica de tal em: «Eu farei de improviso tal castigo/Que seja mor o dano que o perigo.» Sempre considerei tal como determinante demonstrativo, mas há quem me diga que é um advérbio de intensidade. Estarei mesmo enganado?! Está junto de um nome, é variável... não é mesmo determinante?

Obrigado.

Resposta:

Conforme consta no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, tal em posição adnominal, com função de determinante, traduz intensidade. Quando combinado com substantivos abstractos ou massivos1 apresenta valor adjectival: tamanho, tantotal castigo/tamanho castigo — e indica intensidade e quantidade em correlação com uma frase consecutiva iniciada pela conjunção que: «…tal castigo/Que seja mor o dano…»

Na frase que indica, tal é um determinante com valor adjectival, não poderia ser advérbio, porque um advérbio é invariável e tal  pode variar em número: tal castigo/tais castigos.

 

1 O termo massivo é usado nos estudos linguísticos para classificar nomes não contáveis que «não podem designar partes singulares de conjuntos, são mais dificilmente pluralizáveis do que os nomes contáveis e, nos casos em que admitem variação de número (cf. água, ferro), a oposição singular/plural corresponde a diversidade de qualificações da entidade ou quantificações de porções delimitadas de matéria (cf. ferros)» (Mateus et aliae 2003: 219). Recorde-se, porém, que, noutros contextos, o adjectivo massivo não é aceitável e deve ser substituído por m...

Pergunta:

Como é correcto?

«Ele tem mais bom senso», ou «Ele tem melhor senso»?

«Ele tem mais mau senso», ou «pior senso»?

Resposta:

Melhor e pior, além de serem comparativos dos advérbios bem e mal, são, também, formas de comparativo dos adjectivos bom e mau:

«Ele desenha melhor/pior (advérbio) do que eu.»

«Os teus ténis são melhores/piores (adjectivo) do que os meus.»

Nas frases que indica, junto ao substantivo senso, não se flexionam os adjectivos bom e mau, porque bom senso (sem hífen) e mau senso (sem hífen, igualmente) se comportam como unidades lexicais, isto é, como se fossem palavras individuais. Assim,

«Ele tem mais bom senso do que…» e «Ele tem mais mau senso do que…».

Acontece o mesmo quando colocados antes do particípio passado de um verbo:

«A vossa equipa foi a mais bem classificada.»

«Este trabalho está mais mal feito do que o outro.»

Mas deve dizer-se:

«A vossa equipa obteve melhor classificação do que a nossa.»

«Este trabalho está pior do que o outro.»

N.E. – Sobre os critérios de hifenização depois do Acordo Ortográfico de 1990, acompanhe-se a explicação do gramático brasileiro Sérgio Nogueira em registo de vídeo:

 

Pergunta:

A palavra dono é da família de palavras do vocábulo abandonar?

Resposta:

Empiricamente, poder-se-ia dizer que o nome dono pertence à família de palavras do verbo abandonar porque, num registo familiar, o verbo abandonar significa «desfazer-se de alguma coisa; desligar-se de alguém»:

«Abandonou o cão» = «O cão ficou sem dono»

No entanto, entende-se por família de palavras as palavras que partilham o mesmo radical e que se relacionam etimológica e morfologicamente. Segundo o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, o substantivo dono provém do latim dŏmĭnus; o verbo abandonar tem origem no francês abandonner, derivado da expressão être à bandon, na qual bandon remonta ao germânico *ban, «jurisdição».

Comparando as respectivas etimologias, podemos concluir que dono e abandonar não têm o mesmo radical, por isso, não pertencem à mesma família de palavras.