Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Preciso de saber qual a forma mais correcta de se utilizar para sinónimo de ingenuidade. Já fiz diversas pesquisas: Em dois dicionários de língua portuguesa a palavra não constava, e na pesquisa “on-line” encontro argumentos que me validam as duas hipóteses. Agradeço que me esclareçam e já agora aproveito para dar os parabéns pelo “site”, que é fantástico. Muito obrigada.

Resposta:

A palavra “naïf” é um galicismo que se traduz por ingénuo. Em francês, o masculino é “naïf”, e o feminino, “naïve”. Em português, o termo tanto se encontra no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, como no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Em ambos os dicionários, “naïf” é nome e adjectivo dos dois géneros, ou seja, no feminino não se altera.

Pergunta:

Qual é a origem de "folar" em latim?

Resposta:

José Pedro Machado (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa) considera de origem obscura a palavra folar, «bolo de massa, com ovos cozidos inteiros em cima, que se usa pela Páscoa» (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa). Não é, pois, possível atribuir-lhe com segurança um étimo latino.

Pergunta:

No Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora encontra-se a palavra “média” a significar «meios de comunicação de massas”. Sabendo que a palavra latina ‘media’ está na origem da forma portuguesa, estará correcto aportuguesá-la, colocando-lhe um acento agudo, e usá-la como um plural? Não vai isto contra as regras da morfologia portuguesa? Não é verdade que essas regras prevêem que se faça o plural com o acrescentamento de um -s às palavras?

Muito obrigado.

Resposta:

A forma média está de facto consignada no Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (2004), também com a acepção referida na pergunta e classificada como substantivo masculino plural; trata-se, portanto, de um homónimo de média, «nível geral médio». No entanto, o aportuguesamento da forma latina media como "média" levanta um grande problema: uma vez que se diz «os média», passa-se a aceitar a possibilidade de em português haver plurais com um sufixo diferente do habitual. Por outras palavras, é estranho que uma palavra no plural termine em -a, em vez de apresentar o sufixo -s como é regra.

É certo que o aportuguesamento de ‘curriculum’ tem como plural ‘curricula’, mas, neste caso, há duas opções: por um lado, pode-se dizer e escrever «os ‘curricula’», com a palavra latina em itálico ou entre aspas; por outro, pode-se recorrer ao aportuguesamento currículo, que tem como plural currículos, forma morfologicamente regular.

Mas acontece que, com media, não temos opções semelhantes. Com efeito, não usamos “médio”, em português, como nome singular, na acepção de «meio de comunicação social», pelo que não é aceitável o plural “médios”, na mesma acepção. Só resta, portanto, media, que à semelhança de curricula se deve usar entre aspas ou em itálico, de forma a marcar que se trata de um termo não português, sujeito a regras gramaticais diferentes. Deste modo, é possível dizer «os ‘media’», uso que ...

Pergunta:

Gostaria que me ajudassem com a etimologia de alguns nomes: Florbela, Florípedes (quanto a este, tenho inclusivamente dúvidas no que diz respeito à grafia correcta), Rosalinda e Santiago.

Resposta:

Baseei-me no Dicionário Onomástico-Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e na Antroponímia Portuguesa, de José Leite de Vasconcelos, para apresentar as seguintes etimologias: Florbela: contracção de flor e bela (Machado, op. cit). Floripes (e não “Florípedes”): talvez derive do nome de uma figura feminina de um auto popular de origem francesa; Machado (op. cit.) sugere mas não confirma que o nome provenha do latim flōre-, «flor». Rosalinda: a divulgação do nome terá que ver com Rosalind, nome de uma personagem de Shakespeare (As you like it); o dramaturgo inglês ter-se-á baseado no italiano, na aglutinação de “rosa linda”; mas há quem defenda que a origem deste nome está no antropónimo germânico “Roslindis”, formado por (“h)ros”, «cavalo», e “lindi”, «serpente» (idem). Santiago: antropónimo que deriva do topónimo Santiago, por sua vez, aglutinação de santo e de Iago, forma popular e medieval de Jacob. Desta aglutinação formou-se Tiago (cf. Vasconcelos, op. cit, pág. 75).

Pergunta:

Está, entre os informáticos, largamente generalizado o uso dos termos "justificado" e "por defeito".

Se para o primeiro é fácil encontrar o termo correcto para traduzir "justified" ("ajustado" e não ""justificado", neste contexto de alinhamento de texto), já para o segundo não sei que termo ou expressão portuguesa possa correctamente traduzir o "default". "Por defeito" é que não: O nosso "defeito" nada tem a ver com "default".

Poderá ser "por norma"?

Resposta:

O termo justificado está já de tal maneira vulgarizado, que me parece difícil substituí-lo por ajustado, como propõe o consulente. Não quero dizer com isto que seja impossível adoptar ajustado. Pode alguém ou um grupo influente considerar que ajustado é que é o termo preferível, e o uso mudar, porque se concorda que a palavra é semanticamente adequada ao conteúdo que se representa lexicalmente ou simplesmente por um comportamento de “ajustamento” sociolinguístico («parece mal usar “justificado”, o melhor é empregar “ajustado”) . No entanto, considero que não me cabe a mim decretar que uma forma seja melhor que a outra, porque não vejo razão para tal. Justified tem, em inglês, para além das acepções de «justificar», «explicar», as de «enquadrar», «centrar», as quais se atestam desde o século XVI («to make exact», isto é, «tornar exa(c)to»; ver Online Etymology Dictionary).

O novo uso de justificado é, de fa(c)to, um empréstimo semântico, uma vez que a uma palavra já existente em português se deu um significado que era característico da forma cognata (que evoluiu da mesma origem) em inglês. O sentido que justificado adquire por influência do inglês constitui, assim, um “decalque” ou tradução literal, de acordo com o que Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos explicam em Inovação Lexical em Português (Lisboa, Editora Colibri, pág. 56).

Note-se, por último, que no Brasil justificar está já dicionarizado com esta acepção: «transitivo direto Rubrica: artes gráficas. compor (as linhas de um texto) na mesma medida, com alinhamento à esquerda e à direita, aumentando ou diminuindo os espaços entre as palavras e letras se necessário; blocar (termo brasileiro...