Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Um dos reis magos chama-se Melchior ou Belchior? Já ouvi as duas e não sei qual a mais correcta!

Resposta:

O nome referido na pergunta tem duas variantes, Melchior e Belchior, forma que parece ser mais popular, pelo menos, em Portugal. José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista as duas variantes e atribui-lhes origem hebraica, mas não lhes dá um significado preciso, apenas as relacionando com a ideia de «rei».

Pergunta:

Qual é apalavra primitiva de desfiar? Será uma palavra derivada por prefixação e sufixação partindo do princípio de que a palavra primitiva é fio?

Resposta:

A base (ou palavra primitiva) de desfiar é fiar. É verdade que fiar deriva, por sua vez, de fio, mas os processos de prefixação e sufixação que resultam na formação de desfiar não são simultâneos. Se o fossem, estaríamos perante mais um dos casos (controversos) de derivação parassintética, que corresponde à junção simultânea de um prefixo e de um sufixo a uma base; p. ex.: avermelhar deriva de vermelho por prefixação e sufixação simultâneas, já que não deriva nem de “vermelhar” nem de “avermelho” (ver Margarita Correia e Lúcia San Payo Lemos, 2005, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, págs. 32/33).

Pergunta:

Segundo li algures, a Sociedade para a Língua Alemã (desconheço como será a palavra em alemão) propôs o feminino “chancelerina” para a nova primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel. A questão que levanto é se, de facto, em português, o feminino de chanceler é mesmo chancelerina ou, antes, “a” chanceler.

Recordo que, entre nós, a embaixatriz não é propriamente o mesmo que a embaixadora, assim como há mulheres (caso das já falecidas Natália Correia e Sophia de Melo Breyner) defendendo que a mulher poeta se deve intitular “a” poeta e não a poetisa.

Muito obrigado.

Resposta:

A página do Duden (o dicionário que é a fonte prescritiva da língua alemã) apresenta o termo Bundeskanzlerin, feminino de Bundeskanzler (à letra, «chanceler da república federal»), como a palavra do ano em 2005, o que confirma a sua novidade. No entanto, um dos elementos da formação de Bundeskanzlerin, a palavra Kanzlerin parece usar-se há mais tempo, porque em alemão é produtiva a formação de substantivos femininos por meio da adição do sufixo -in à designação de cargos que antigamente eram só ocupados por homens: assim como se forma o feminino Rektorin, «reitora», a partir de Rektor, «reitor», também se pode criar Kanzlerin, que é feminino de Kanzler.

Quanto ao português, solicitei a opinião de mais consultores, a quem agradeço o auxílio. Assim:

— José Neves Henriques considera que o vocábulo “chancelerina” é pronunciável em português, dada a maleabilidade da nossa língua. Aconselha, no entanto, o feminino "chancelera": «Essa é a regra geral na formação do feminino, em português – o acrescento da vogal a. Se tivessemos cá o cargo de chanceler, ocupado por uma mulher, o mais natural era o povo chamar-lhe "chancelera".» E dá outros casos similares de cargos ou profissões antes só de homens e agora, cada vez mais, exercidos no feminino: primeira-ministra, bombeira, agrimensora,

Pergunta:

Poderiam passar as frases para a voz passiva sintética?

«Eu vendi meu carro hoje.»
«Ele elogiou o filme.»
«Todos vão ler a carta.»

Resposta:

A expressão voz passiva sintética é corrente na terminologia gramatical brasileira (ver Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2004) e designa o mesmo que a construção com se apassivante ou passivo. Assim, as frases apresentadas na pergunta passarão a ser as seguintes:

(1) Vendeu-se meu carro hoje.
(2) Elogiou-se o filme.
(3) Vai-se ler a carta.

Pergunta:

Gostaria de saber por que razão se diz, por exemplo, "radiografia" e não radiograma, mas "electrocardiograna" e não electrocardiografia.Muito obrigada.

Resposta:

Radiografia era (e é) inicialmente um processo de produção de imagem e só depois, por uma impropriedade vocabular [de facto, é um processo linguístico chamado metonímia), é que passou a designar o resultado, isto é, a «cópia de uma chapa obtida por esse processo» (ver Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Existe o termo radiograma, mas significa «comunicação realizada através da radiotelegrafia» e «telegrama transmitido por rádio; radiotelegrama» (idem).Electrocardiograma sempre designou o «gráfico que registra oscilações eléctricas que resultam da actividade do músculo cardíaco [abrev.: ECG]» (idem), de acordo, aliás, com o radical de origem grega -grama, que significa genericamente «carácter de escrita, sinal gravado, letra, texto, inscrição, registro, lista, documento, livro, tratado» (idem).