Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Foi dito a um dos consulentes do Ciberdúvidas que a palavra fênix tem cinco letras (indiscutível) e cinco fonemas. Pela análise que fizeram, deram-me a entender que consideram haver seis fonemas, que representaram assim: f-e-n-i-k-s. Entretanto, seguindo a pronúncia correta, pelo menos aquela registrada no Aurélio (que nunca ouvi no Brasil), fênix tem o x pronunciado "s", o que mudaria a contagem: f-e-n-i-s. Cinco letras e cinco fonemas, portanto.

Obrigado por este maravilhoso espaço de discussão.

Resposta:

Penso que o consulente pretende que confirmemos o que diz. Retomemos, pois, a questão da pronúncia de fénix.

Já aqui se disse que em Portugal não há consenso quanto à pronúncia de fénix. A pronúncia tradicional – e recomendada – é a que termina com o som que começa a palavra xaile. Deste modo, as cinco letras (ou os cinco grafemas) de fénix representam cinco sons: <fénix> = [fɛniʃ].1 Contudo, há muitos falantes de português europeu (PE) que pronunciam com [ks] final, imitando a pronúncia do <x> final das palavras tórax e clímax.

No Brasil parece haver uma situação semelhante, isto é, de variação entre [ʃ] e [ks] em final de palavra, visto Maria Helena de Moura Neves ter a necessidade de observar que a «a pronúncia recomendada é fênis» (Guia de Uso do Português – confrontando regras e usos). Se às cinco letras correspondessem sempre cinco sons no português brasileiro (PB), acho que a referida linguista dispensar-se-ia de lembrar o emprego recomendado.

Note-se, por último, que em PB, mesmo que a palavra seja pronunciada só com cinco sons, haverá duas variantes: uma, com o [s] de sal ou passar – [fenis]; e outra quase como em PE – [feniʃ]. Disse «quase como em PE», porque a vogal da primeira sílaba é não um e aberto ([ɛ]) mas um e fechado ([e]), dado que em PB só há vogais fechadas antes de consoante nasal, como sucede em cênico e fenômeno. É por isso que a grafia brasileira fênix se distingue pelo acento da portuguesa fénix.

1 A transcrição entre []...

Pergunta:

A palavra Quaresma surge de quadragesima, do latim. Gostaria de saber qual foi o processo que transformou quadragesima em Quaresma. E, na vossa opinião, um período de jejum de 50 dias, como se chamaria?

Resposta:

De facto, o substantivo próprio Quaresma, «período do ano litúrgico católico, que decorre, como preparação penitencial da Páscoa, desde Quarta-Feira de Cinzas» e o substantivo comum quaresma , «planta herbácea, glanduloso-viscosa, de flores brancas, pertencente à família das Saxifragáceas, espontânea em Portugal» e «flor desta planta»1 são no fundo a mesma palavra porque remontam ambos ao latim quadragesĭmam (partem, diem), isto é, «quadragésima parte» e «quadragésimo dia» (ver Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário Houaiss). Na evolução de quadragesĭmam, caíram vários sons no meio da palavra, num fenómeno que se designa tradicionalmente síncope, como se ilustra em (1):

(1) quadragesima(m) > quaragesima > quaraesima ou quaresima

Segundo José Joaquim Nunes (Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa, Lisboa, Clássica Editora, pág. 119), a evolução representada em (1) verificou-se no latim vulgar, registo linguístico em que já se dera a queda do -m final que marcava o caso acusativo no latim clássico.

Deve também ter ocorrido a queda do i, do seguinte modo:

(2) quaresima > quaresma

Edwin B. Williams ...

O texto de Ferreira Fernandes é bem sintomático de como actualmente a causa das línguas chamadas minoritárias anda a perder a simpatia da opinião pública. Segundo este jornalista português, as crianças galegas, catalãs, bascas e cabo-verdianas arriscam-se a ficar em desvantagem por serem educadas nas línguas tradicionais das regiões ou países em que vivem. Lendo o texto, parece que é porque os “miúdos” (como diz o jornalista) vão ficar ...

Pergunta:

No vosso site existem várias abordagens sobre a pronúncia correcta de coelho, mas a resposta não é clara.

Para F. V. P. da Fonseca, a pronúncia correcta é “coâilho”, sendo “coêlho” um regionalismo (alentejano). Mas para José Neves Henriques sucede o contrário: “coêlho” é o correcto, e “coeilho”, um regionalismo (lisboeta). Não sei se há diferença entre as fonetizações “coâilho” e “coeilho”, utilizadas nos textos (teistos?).

Seria possível uma terceira pessoa desempatar?

A pronúncia de cerveja será similar, suponho. Outra questão que gostava de colocar é: se a língua evolui para, por exemplo, se dizer “cerveija”, porque é que, em determinada altura, não se passou a grafar ‘ei’? Na escola, aprendi os valores fonéticos das vogais, sendo estas fundamentalmente “abertas” ou “fechadas”, mas creio que não abordámos casos em que uma vogal se lê como se se tratasse de um ditongo.

Resposta:

Creio que os dez anos do Ciberdúvidas, ainda há pouco celebrados, já permitem ver que a norma evolui de facto. A forma com a vogal fechada, isto é, "coêlho", era — e ainda é — considerada como mais correcta, porque era esse o timbre vocálico mais antigo. No entanto, em muitos dialectos portugueses, há a tendência para ditongar essa vogal como um "âi" antes de uma consoante palatal: "coâilho" (coelho), "tâinho" (tenho), "cervâija" (cerveja), "fâicha" (fecha). Na fala lisboeta, que é tida como padrão (por muito controversa que seja esta perspectiva), o referido ditongo passa outra a vez a vogal, mas desta vez como o primeiro "â" de tâmara; temos assim "coâlho" e "tânho".

Que juízo normativo se pode aqui produzir? Durante muito procurou-se identificar uma única pronúncia correcta para cada palavra. Contudo, a expansão das línguas europeias acarretou a diversidade no espaço e a afirmação de normas locais. Por exemplo, no espaço de língua inglesa, contrapôs-se à norma da corte de Londres a norma criada nos Estados Unidos; no Brasil, nasceu um padrão linguístico que se diferenciava do padrão de Portugal. A consciência destes factos levou também a encarar a variação de outra maneira e a falar em normas locais, respeitando-se mais as características dialectais. Esta situação é notória no domínio da pronúncia, e em países como o Reino Unido já se admitem locutores que, dentro de certos limites, muitas vezes não explícitos, mantêm a pronúncia regional.

Actualmente em Portugal, pode-se dizer com alguma segurança que a pronúncia com e fechado, "coêlho", é a mais marcada, ou seja, é uma pronúncia tida como conservadora e como...

Pergunta:

Pode-se dizer que «1001 pessoas» são milhares? Ou só são milhares a partir de 2000 pessoas?

Obrigado.

Resposta:

Só partir de 2000 é que podemos falar de milhares. Aliás, o próprio extenso, «dois milhares», mostra que só a partir deste número é que temos o plural de milhares. É de notar que o uso de milhares sugere uma grande quantidade, pelo que «2 milhares» pode ainda não ser a expressão adequada para transmitir essa ideia.