Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O termo «para tanto», se correto, deve ser aplicado em que situação?

A locução «com vista a» (ou «com vistas a») significa «com o propósito de», «com o intuito de», ou possui apenas a finalidade de submeter um assunto à consideração de um outro setor ou pessoa?

Resposta:

«Para tanto» significa «para tal coisa acontecer». É usado em referência ao que se disse antes nos discursos oral e escrito.

«Com vista a» ou «com vistas a» são locuções que partilham os significados que a consulente menciona. Exprimem genericamente a finalidade, não se limitando à situação descrita na pergunta. Note que a forma «com vistas a» é mais frequente no Brasil (ver Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Portguês, São Paulo, Editora Unesp, 2003, pág. 194).

Pergunta:

Na vossa resposta 23596, não reconheceram a utilização popular, já presente na comunicação social, dos termos "estamina" e "estamínico", os quais transmitem o significado incluso em "estâmina"; não se confundindo, pois, com os homófonos "histamina" e "histamínico". Assim, volto à questão: qual a sua legitimidade?

Resposta:

Não encontro as formas estâmina e estamina em dicionários publicados em Portugal. O mesmo não acontece com os dicionários brasileiros: o Dicionário Houaiss (versão brasileira de 2001) regista só estâmina; o Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (2004) e o Dicionário de Usos do Português do Brasil (2002) consignam apenas estamina, porque é esta a forma mais frequente nos corpora utilizados. Uma outra obra, também brasileira e da autoria de Agenor Soares dos Santos, o Dicionário de Anglicismos (Rio de Janeiro, Elsevier, 2006), opta pela forma estâmina como entrada do respectivo verbete, mas  adverte que «o corpus registra tb. "estamina", paroxítono: "empresas e escolas que não têm a organização e a estamina para as maratonas burocráticas nos corredores de Brasília [...]».

A origem mais imediata de estâmina/estamina é, como se sabe, o inglês stamina, que se pronuncia com acento tónico na terceira sílaba a contar do fim da palavra. Se recuarmos à etimologia do inglês stamina, vemos que é um empréstimo que provém do latim stamĭna, «fios da roca», nominativo plural do substantivo neutro stāmenĭnis, étimo da palavra portuguesa estame. A sílaba  tónica do étimo latino é também a antepenúltima. Por conseguinte, a forma portuguesa etimologicamente mais adequada é de facto a que é esdrúxula ou proparoxítona — estâmina — e não a que é grave ou paroxítona — estamina. Contudo, pelo menos, no Brasil, o uso parece estar a impor a forma estamina, que me parece menos correcta pelo motivos já apontados; veremos o que se passará em Portu...

Pergunta:

Gostaria de saber quando foi usada pela primeira vez a palavra currículo no sentido de «currículo escolar».

Resposta:

Por enquanto, não sabemos se conseguiremos identificar a primeira ocorrência de currículo na acepção que o consulente refere. Trata-se de uma tarefa que requer investigação exaustiva, o que idealmente implica ter toda a documentação disponível, não só constituída por dicionários ou outro material descritivo mas também por uma amostra representativa dos textos da época em que se estima ter surgido a palavra.1

De dois dicionários etimológicos de que disponibilizamos, um deles (o Dicionário Etimológico de José Machado) nem sequer apresenta o vocábulo; o segundo, de Antônio Geraldo da Cunha, refere só «séc. XX», sem mais. Entre os dicionários gerais com informação etimológica, o Dicionário Houaiss, em relação a currículo enquanto «documento que reúne dados sobre a vida pessoal, académica e profissional de um indivíduo», remete para o já referido dicionário de Antônio Geraldo da Cunha; a respeito de currículo como «acto de correr», «atalho» e «programação total ou parcial de um curso ou de matéria a ser examinada» (regionalismo brasileiro), o referido dicionário remete para a 1.ª edição, de 1899, do Novo Diccionário da Língua Portuguesa, do lexicógrafo português Cândido de Figueiredo. De facto, parece ser assim, pelo menos, a julgar pela consulta que fizemos do dicionário de Cândido Figueiredo, na sua 3.ª edição de 1922, onde se consigna a forma currículo nas acepções de «acto de correr»», «curso», «atalho» e ainda, como brasileirismo, «parte de um curso literário». O Diccionario da Lingua Portugueza, de Fernando Mendes e publicado em 1904 em Lisboa, grafa a palavra como "corrículo" (estamos no período anterior às reformas iniciadas em Portugal em 1911), mas apenas no sentido de «acção de correr; curso», sem nenhuma referência à semântica brasileira da palavra. Nada pudemos apurar acerca da...

Pergunta:

Gostaria de saber se existe algum recurso, preferencialmente na Internet, que me permita a busca por uma palavra ou conjunto de palavras que façam parte da definição de uma outra.

Por exemplo, eu introduzia as palavras erro e raciocínio, e era-me devolvida, entre outras, se as houvesse, a palavra paralogismo.

Resposta:

Na Internet, ignoro. Sei, porém, da possibilidade de pesquisa reversa (a tal «pesquisa ao contrário») no Dicionário Eletrônico Houaiss: insere-se uma palavra e, desde que esta tenha sido utilizada nos verbetes, obtém-se uma lista de palavras em cujas definições ela participa. Em edição impressa, há os chamados dicionários ideológicos ou analógicos; posso recomendar Artur Bivar, o Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa (Porto, Edições Ouro, sem data).

Pergunta:

As expressões culinárias «espinheta de bacalhau» e «punheta de bacalhau» pertencem ao mesmo nível de língua?

Qual a origem etimológica das duas expressões?

Resposta:

Entre os dicionários que consultei, só a 10.ª edição revista do dicionário de  Morais (Lisboa, Confluência/Livros Horizonte, 1980), regista punheta, que além de significar «exercício de auto-masturbação masculina», também tem a acepção de «acepipe de bacalhau cru desfiado, preparado com cebola, alho, pimenta, azeite e vinagre». O mesmo dicionário consigna a forma espinheta como variante de espineta, mas a esta palavra não atribui outro sentido que não seja o de «antigo instrumento de cordas e teclas, anterior ao cravo».

De qualquer modo, numa rápida consulta à Internet, verifiquei que tanto espinheta como punheta se reportam ao prato confeccionado com bacalhau cru. Numa página, da autoria de Nuno Rebocho, encontra-se uma explicação etimológica, que os dicionários que consultei não confirmam:

«Vamos à espinheta. Dessalgada a conserva do bacalhau, memória do tempo de “fiel amigo”, era só desfiá-lo para a gamela, tirar-lhe as espinhas. Cebola e alho picados, muito picados, coentro e salsa do mesmo modo. Azeitado o conjunto, um nada de vinagre, e era só amassá-lo à mão. Daí o de algum modo justificar-se o derivativo do nome que erradamente perdurou — a punheta.»

Em conclusão, espinheta e punheta são termos técnicos, do campo da culinária, mas o uso de punheta parece ser uma extensão metafórica de um termo que pertence originalmente ao nível calão (cf. Dicionário Houaiss, qu...