Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber como fazer a divisão silábica e a translineação da palavra colmeia. Esta junção de três vogais é chamada de tritongo, ou se passa com palavras como quais, quão?

Obrigada.

Resposta:

A divisão silábica gráfica é a seguinte: col-mei-a.

A sequência "eia" não é um tritongo, antes inclui duas sílabas. No entanto, o facto de i constituir uma semivogal torna possível interpretá-la como fazendo parte de ambas as sílabas, como se a pronúncia fosse "eiia". Por este motivo, há quem considere que o "eia" de ceia e colmeia ou o "eio" de meio são também tritongos.

Observe-se que, a rigor, se considera como tritongo a sequência formada por uma vogal e duas semivogais: negocieis = negoc[jɐj]s. Não é este, no entanto, o caso de colmeia.

Na translineação, a palavra é separada como segue: col-meia.

Pergunta:

Gostava de saber qual a origem etimológica da palavra Boadela, uma vez que designa uma pequena aldeia nortenha. Na mesma há vestígios da passagem do povo romano, e, inclusive, vestígios de um povo castrense.

Resposta:

Boadela ou Aboadela são as formas do nome de povoações das zonas de Amarante e Lamego. José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) indica que num documento do ano de 954 ocorre a grafia Abohadella, considerando que deve tratar-se da adaptação do nome próprio árabe abū ´abd allaH, «pai do servo de Deus», que, segundo o mesmo autor, deu também a forma Bobadela, que ocorre nas zonas de Amarante, Oliveira do Hospital, Chaves, Boticas, Loures, bem como na Galiza, na região de Celanova e Allariz (Ourense). Com este nome, Machado relaciona também Boabdil, adaptação românica divergente (de origem andaluza) do nome do último rei mouro de Granada.

É, portanto, provável que este topónimo do Centro e do Norte de Portugal esteja ligado a um nome próprio árabe, o que não é de admirar, dada a importância das comunidades moçárabes no Centro de Portugal e as possíveis deslocações de população na extensa zona de fronteira cristã-muçulmana existente na Alta Idade Média. Que o nome apareça no Sul da Galiza também não é de estranhar, porque a zona de Celanova encontra-se ligada ao monarquismo do século X, que compreende uma importante componente moçárabe.

Mesmo assim, cabe perguntar se estamos realmente a lidar com um antropónimo árabe. É que os que existem espalhados entre o Norte e o Centro de Portugal terminam em -e, evolução do -i do genitivo latino que era sufixado a esses antropónimos, já na sua adaptação ao romance galego-português ou moçárabe: Afife (Viana do Castelo) < Afifi < árabe `afif, «casto, decente, virtuso»; Ceide (Guimarães, Famalicão) < *Ceidi<...

Pergunta:

Qual a forma correcta de escrever, "Merlim" ou "Merlin", referindo ao mago da corte do rei Artur?

Resposta:

A forma correcta do nome dessa personagem é Merlim, uma vez que termina em vogal nasal. O nome tem proveniência francesa medieval — Merlin.

Pergunta:

Gostaria de saber se na frase «A igreja parecia leve, de algodão» há locução adjetiva. E expliquem por favor.

Resposta:

Há uma locução, constituída por uma preposição e por um substantivo, que tem a função de predicativo do sujeito. Muitas vezes, esta função sintáctica é realizada por um adjectivo, mas tal não é obrigatório, porque também podem ocorrer substantivos («o João é professor») locuções adverbiais («a casa é de madeira») e até orações («o problema é haver muitos automóveis»). Em suma, eu diria que se trata não de uma locução adjectiva mas, sim, de uma locução adverbial com valor pedicativo e adjectival («a casa é de madeira»; «a casa de madeira»).

Pergunta:

Nas minhas aulas de linguística, aprendi que o sistema escrito é apenas uma tentativa de representação do sistema oral. Certamente que, no português europeu, tem havido outras reformas/acordos ortográficos que foram alterando as regras de escrita. Gostaria de saber quais foram as principais reformas/acordos ortográficos na história da língua portuguesa (variante europeia) e quais as principais alterações por eles levadas a cabo.

Resposta:

Durante a Idade Média, a ortografia da língua portuguesa foi sobretudo fonética, havendo um certo grau de variação, já que a forma gráfica podia depender de cada autor e até de cada copista. No século XVI, afirmou-se uma tendência para criar uma ortografia de carácter etimológico, que pretendia dar às palavras um aspecto gráfico latino ou grego. Muitas vezes, as grafias eram estabelecidas em etimologias incorrectas, no afã de mostrar que a língua portuguesa pouco se afastara do latim. Os primeiros gramáticos da língua portuguesa — Fernão de Oliveira, João de Barros, Duarte Nunes de Leão, Pêro Magalhães de Gândavo — mostraram especial interesse pela ortografia e, embora as suas propostas apresentassem divergências, considera-se que procuraram moderar a tendência para a ortografia etimológica— sem sucesso. Foi assim que, no século XVIII, a ortografia etimológica se consolidou, mediante a acção da Academia das Ciências de Lisboa, criada em 1779.

Nos finais do século XIX, reconhecia-se que a ortografia etimológica tinha vários inconvenientes, entre eles, a possibilidade de variação individual. Em 1885, no intuito de uma simplificação ortográfica, A. R. Gonçalves Viana e G. Vasconcelos Abreu propuseram novas bases ortográficas. Em 1911, o Governo da República nomeou