Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «A fada é leve, silenciosa, misteriosa» pode considerar-se que temos três orações coordenadas assindéticas? Ou deveremos considerá-la uma frase simples?

Resposta:

Consultámos F. V. P. da Fonseca, que explicou: «dado que o verbo não vem repetido (embora se subentenda), devemos considerá-la uma só oração». Acrescente-se que por orações coordenadas assindéticas se entendem as orações coordenadas por assíndeto, our seja, «[pela] ausência de conjunção coordenativa entre palavras, termos da oração ou orações de um período; justaposição, parataxe» (Dicionário Houaiss). Por outras palavras, trata-se de orações cuja ligação é feita apenas por uma pausa (representada por vírgula na escrita), sem o recurso a preposições (por exemplo, e). Seria este o caso  e a frase fosse formulada como «a fada é leve e é silenciosa e é misteriosa».

Contudo, é de frisar que o assíndeto não se limita a ligar orações. Por conseguinte, dizemos que a frase em questão é constituída por uma oração simples que inclui uma estrutura assindética não oracional, correspondente à sequência adjectival «leve, silenciosa, misteriosa».

Pergunta:

«Aquele era o tempo
em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes
as palavras voavam

E eu via que o céu
me nascia dos dedos
E a Ursa Maior
eram ferros acesos

Marinheiros perdidos
em portos distantes
Em bares escondidos
em sonhos gigantes

E a cidade vazia
da cor do asfalto
E alguém me pedia
que cantasse mais alto

[...]

Aquele era o tempo
em que as sombras se abriam
Em que homens negavam
o que outros erguiam

Eu bebia da vida
em goles pequenos
Tropeçava no riso
abraçava venenos

De costas voltadas
não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
nem a falha no muro

E alguém me gritava
com voz de profeta
Que o caminho se faz
entre o alvo e a seta
[...]»

Quais os tipos de figuras de estilo presentes nestas estrofes?

Resposta:

As estrofes apresentadas pertencem à letra de uma canção de Pedro Abrunhosa, músico português. A resposta que se segue não é definitiva nem está completa; sugere apenas uma uma pequena lista de exemplos retirados dos versos em análise, a qual poderá ser completada pelo próprio consulente à medida que se sinta mais à vontade com a análise estilística de um texto:

Figuras de construção (ou de sintaxe)

anáfora (repetição da mesma palavra no início do verso ou da frase): «em portos distantes/em bares escondidos/em sonhos gigantes» (repetição da preposição em)

Figuras de pensamento

antítese (aproximação de duas realidades, tornando-as mais enfáticas): «homens negavam/ o que outros erguiam» («negavam» vs. «erguiam»)

hipérbole (expressão que deforma a realidade por exagero): «E eu via que o céu/ me nascia dos dedos/ E a Ursa Maior/ eram ferros acesos» (ver também mais abaixo em metáfora).

Figuras de natureza semântica

metáfora (substituição de um termo por outro ou identificação de um com o outro por se considerar que são equivalentes): «a Ursa Maior/ eram ferros acesos» (ver acima hipérbole); «Marinheiros perdidos/em portos distantes» («marinheiros» = gente que se aventura; «portos» = lugares); «Eu bebia da vida/ em goles pequenos» («beber ... em goles» = viver, experimentar); «o caminho se faz
entre o alvo e a seta» («alvo» = o que se deseja; «seta» = perigo).

Pergunta:

Como explicar a um estrangeiro (chinês) o género no que se refere aos países?

Resposta:

Aplicam-se as regras gerais: muitos nomes de países terminam em -a, logo são femininos — Espanha, Rússia, China, Guatemala, Argentina —, mas há algumas excepções como «o Botsuana», «o Gana» e «o Quénia».

Todos os outros são masculinos, a saber:

a) os que terminam em terminam em -o e, por conseguinte, são claramente masculinos — Luxemburgo, Egipto, Congo, Togo, México.

b) terminados em vogal oral (-á, com acento; -e, sem acento, e -é, com acento; -u e -i) ou ditongo oral (-ai): Canadá, Panamá, Chipre (sem artigo), Iraque, Vietname (Vietnã, no Brasil), Moçambique (sem artigo), Chile, Zimbabué, Peru, Mali, Jibuti, Uruguai.

c) terminados em vogal nasal (-ã, -im) ou ditongo nasal (-ão): Omã, Benim, Gabão, Sudão, Irão (Irã no Brasil), Paquistão, Japão.

Pergunta:

Estou com uma dúvida sobre a regência do verbo convidar. Li no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa sobre a regência do verbo convidar: pede objeto direto. Tenho lido várias mensagens na qual o redator diz: «A empresa X convida a todos...»

«A UFCG convida a professores para..., etc.» Está correta essa regência do verbo convidar?

Resposta:

Acerca do verbo convidar, Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português Confrontando Regras e Usos, São Paulo, Editora Unesp) frisa o seguinte:

«usa-se com complemento sem preposição (objeto direto), podendo ocorrer, também, um complemento iniciado pelas preposições para e a. CONVIDOU o deputado, e não o empresário. [...] Um engraxate batuca na caixa me CONVIDA para limpar os sapatos. [...] Um outro vizinho, que trabalhava numa loja de decorações, CONVIDOU-o a uma festa. [...]»

Pergunta:

Do meu interesse imediato, são os topónimos. Assim: Favariça (lugar), Cornaga (lugar), Gevim (sítio) e Lousã (vila), todos desta vila, em Portugal.

Agradeço saber a origem dos mesmos.

Resposta:

Por ordem alfabética:

Cornaga: José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (DOELP), nada indica sobre a etimologia deste topónimo.

Favariça: não está registado no DOELP; alguma relação com Favas, Favascal, Faveira (cf. idem)?

Gevim: «De *Gebini, genitivo de um antr[opónimo] Gebino, provavelmente de origem germânica (Piel)» (ibidem).

Lousã: do latim «*lausana (villa), derivado de Lausus, se não for um adj. formado de lousa: «(vila) em que há lousas» (ibidem).