Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se existe alguma regra gramatical para a criação de adjectivos pátrios compostos, ou seja, existe alguma forma de saber qual o adjectivo que deve vir em primeiro lugar? Por exemplo «russo-ucraniano» ou «ucraniano-russo»?

Já consultei as respostas anteriores sobre este assunto, mas não referem regras gramaticais de criação dos adjectivos compostos.

Agradeço, desde já, a vossa disponibilidade.

Resposta:

Não me parece que haja regras de precedência entre os elementos constituintes dos adjectivos em questão. Tudo depende da perspectiva. O que importa saber é que, em função do lugar ocupado no composto, os elementos constituintes podem não ter a mesma forma, porque os primeiros a aparecerem podem ter formas reduzidas: «russo-chinesa» vs. «sino-russa».

Pergunta:

Procurei em vários dicionários e não consegui confirmar se existe a palavra "globalizador" (adjectivo), o sufixo é aplicável para a classe adjectival, mas pretendo que me confirmem se a palavra existe 'oficialmente'. Agradeço a colaboração.

Resposta:

Dicionarizado, encontramos globalizante, «que globaliza ou tende a globalizar». A forma globalizador está bem formada, tem o mesmo significado que globalizante, podendo, por causa do sufixo -dor, ser usada não só como adjectivo mas também substantivo. Apesar disto, globalizador ainda não mereceu entrada nos dicionários consultados (Dicionário Houaiss, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Grande Dicionário da Porto Editora, Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, edição de 2008 do dicionário da Texto Editora).

Pergunta:

O termo «para tanto», se correto, deve ser aplicado em que situação?

A locução «com vista a» (ou «com vistas a») significa «com o propósito de», «com o intuito de», ou possui apenas a finalidade de submeter um assunto à consideração de um outro setor ou pessoa?

Resposta:

«Para tanto» significa «para tal coisa acontecer». É usado em referência ao que se disse antes nos discursos oral e escrito.

«Com vista a» ou «com vistas a» são locuções que partilham os significados que a consulente menciona. Exprimem genericamente a finalidade, não se limitando à situação descrita na pergunta. Note que a forma «com vistas a» é mais frequente no Brasil (ver Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Portguês, São Paulo, Editora Unesp, 2003, pág. 194).

Pergunta:

Na vossa resposta 23596, não reconheceram a utilização popular, já presente na comunicação social, dos termos "estamina" e "estamínico", os quais transmitem o significado incluso em "estâmina"; não se confundindo, pois, com os homófonos "histamina" e "histamínico". Assim, volto à questão: qual a sua legitimidade?

Resposta:

Não encontro as formas estâmina e estamina em dicionários publicados em Portugal. O mesmo não acontece com os dicionários brasileiros: o Dicionário Houaiss (versão brasileira de 2001) regista só estâmina; o Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (2004) e o Dicionário de Usos do Português do Brasil (2002) consignam apenas estamina, porque é esta a forma mais frequente nos corpora utilizados. Uma outra obra, também brasileira e da autoria de Agenor Soares dos Santos, o Dicionário de Anglicismos (Rio de Janeiro, Elsevier, 2006), opta pela forma estâmina como entrada do respectivo verbete, mas  adverte que «o corpus registra tb. "estamina", paroxítono: "empresas e escolas que não têm a organização e a estamina para as maratonas burocráticas nos corredores de Brasília [...]».

A origem mais imediata de estâmina/estamina é, como se sabe, o inglês stamina, que se pronuncia com acento tónico na terceira sílaba a contar do fim da palavra. Se recuarmos à etimologia do inglês stamina, vemos que é um empréstimo que provém do latim stamĭna, «fios da roca», nominativo plural do substantivo neutro stāmenĭnis, étimo da palavra portuguesa estame. A sílaba  tónica do étimo latino é também a antepenúltima. Por conseguinte, a forma portuguesa etimologicamente mais adequada é de facto a que é esdrúxula ou proparoxítona — estâmina — e não a que é grave ou paroxítona — estamina. Contudo, pelo menos, no Brasil, o uso parece estar a impor a forma estamina, que me parece menos correcta pelo motivos já apontados; veremos o que se passará em Portu...

Pergunta:

Gostaria de saber quando foi usada pela primeira vez a palavra currículo no sentido de «currículo escolar».

Resposta:

Por enquanto, não sabemos se conseguiremos identificar a primeira ocorrência de currículo na acepção que o consulente refere. Trata-se de uma tarefa que requer investigação exaustiva, o que idealmente implica ter toda a documentação disponível, não só constituída por dicionários ou outro material descritivo mas também por uma amostra representativa dos textos da época em que se estima ter surgido a palavra.1

De dois dicionários etimológicos de que disponibilizamos, um deles (o Dicionário Etimológico de José Machado) nem sequer apresenta o vocábulo; o segundo, de Antônio Geraldo da Cunha, refere só «séc. XX», sem mais. Entre os dicionários gerais com informação etimológica, o Dicionário Houaiss, em relação a currículo enquanto «documento que reúne dados sobre a vida pessoal, académica e profissional de um indivíduo», remete para o já referido dicionário de Antônio Geraldo da Cunha; a respeito de currículo como «acto de correr», «atalho» e «programação total ou parcial de um curso ou de matéria a ser examinada» (regionalismo brasileiro), o referido dicionário remete para a 1.ª edição, de 1899, do Novo Diccionário da Língua Portuguesa, do lexicógrafo português Cândido de Figueiredo. De facto, parece ser assim, pelo menos, a julgar pela consulta que fizemos do dicionário de Cândido Figueiredo, na sua 3.ª edição de 1922, onde se consigna a forma currículo nas acepções de «acto de correr»», «curso», «atalho» e ainda, como brasileirismo, «parte de um curso literário». O Diccionario da Lingua Portugueza, de Fernando Mendes e publicado em 1904 em Lisboa, grafa a palavra como "corrículo" (estamos no período anterior às reformas iniciadas em Portugal em 1911), mas apenas no sentido de «acção de correr; curso», sem nenhuma referência à semântica brasileira da palavra. Nada pudemos apurar acerca da...