Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por mais que eu tenha exaustivamente lido sobre o assunto, não consigo identificar quando uma oração está elíptica ou não. Exemplo retirado de uma das provas de concurso mais conhecidas do Rio de Janeiro, Brasil:

Qualquer canção de amor

1 – É uma canção de amor

2 – Não faz brotar amor e amantes

3 – Porém, se esta canção

4 – Nos toca o coração

5 – O amor brota melhor e antes

(Chico Buarque)

O gabarito foi o seguinte: há elipse apenas na última frase, mas não há elipse na segunda frase. É isso que eu não entendo! Por que não há elipse na segunda frase?! Ajudem-me! Obrigado.

 

Resposta:

Considera-se que há elipse, quando, para evitar redundâncias, se omitem constituintes numa frase ou oração que podem ser recuperados por intermédio de outra. Penso que o exercício apresentado é discutível, porque aborda um tema controverso da análise gramatical. Assim:

1. Quer na frase 2 quer na frase 5 ocorre a conjunção coordenada e a ligar orações coordenadas. Alguns gramáticos, tendo em conta que e é uma conjunção coordenativa copulativa e, portanto, só pode operar sobre orações, diriam que há elipse em ambas:

(2)´ Não faz brotar amantes e (não faz brotar) amantes

(5)´ O amor brota melhor e (o amor brota) antes.

Mas, segundo outros autores, a coordenação também ocorre com outros tipos de constituinte. Nesse caso, consideraríamos «Não faz brotar amor e amantes» uma única oração em que existe uma estrutura de coordenação que integra dois complementos directos («amor» e «amantes»).

Contudo, a interpretação (5)´ pode não ser a mais adequada. Com efeito, se é possível ler «o amor brota melhor e brota antes», outra leitura parece mais consistente: «o amor brota melhor e (quando brota melhor é) antes». Apesar de «melhor» e «antes» serem adjuntos adverbiais, o que poderia dar passo à sua coordenação, a interpretação alternativa é legitimada pelo facto de  haver uma relação hierárquica entre tais adjuntos, porque «antes» modifica não o verbo «brota» mas sim a sequência «brota melhor». Por isso, pode falar-se de elipse em (5) uma vez que se afasta a repetição de «brota melhor». No fundo, a coordenação de «antes» no verso de Chico Buarque acaba por ser uma engenhosa forma sintáctica de destacar este advérbio em relação à oração a que está coordenado.

Pergunta:

Existe a palavra globalizável?

Resposta:

Se existe o verbo globalizar, é claro que se pode formar o adjectivo globalizável, com o sentido de «susceptível de se globalizar». De notar que muitos adjectivos em -vel não se encontram dicionarizados, tal é a produtividade deste sufixo no português contemporâneo.

Pergunta:

Quase por acaso, li a pergunta e a resposta Sobre parentescos (23/04/2007). Quando fui confrontado com a mesma dúvida que a da consulente Carla Pires, respondi da mesma maneira que A. Tavares Louro, só que acrescentei: «os avós» deve ser o único caso em que um nome feminino plural engloba um masculino. Caso único na "machista" língua portuguesa.

Resposta:

As línguas em que há dois géneros são normalmente "machistas", porque o género não marcado, isto é, aquele que se pressupõe geralmente, é o masculino. Por exemplo, com substantivos que tenham o mesmo radical para os dois géneros, por exemplo, gato/gata, acontece usar-se apenas o masculino quando queremos designar a espécie: falamos de um gato e não de uma gata.

No caso de avós, a intuição da língua actual levar-nos-ia a aceitar a observação do consulente. Mas historicamente os factos são outros: o "machismo" impõe-se, porque avós é a evolução do plural *aviŏlos, que em latim vulgar é o plural de aviŏlu, «avô». Sem entrar em grandes pormenores, diga-se que a relação fonética histórica entre o singular avô, «pai do pai ou da mãe», e o plural avós, «os pais do pai ou da mãe», é semelhante à existente entre novo e novos: pelo fenómeno de metafonia (assimilação à distância) o -o final do singular, muito fechado, fechou o da penúltima sílaba; no caso de aviŏlu, passou-se a avoo, com três sílabas (a-vo-o), a penúltima das quais com ó fechado, e finalmente, por contracção das duas vogais das duas últimas sílabas, ambas fechadas, chegámos a avô. Contudo, no plural e no feminino, não houve metafonia, e a vogal da penúltima sílaba manteve-se aberta.

A forma avós é também o feminino, que evoluiu de aviŏlas por intermédio da forma medieval e ainda hoje galega avoas. Há portanto duas palavras latinas que convergiram numa única forma, avós. A forma avôs terá aparecido posteriormente, já em português, com base no masculino avô

Pergunta:

Gostaria de saber se existe alguma regra gramatical para a criação de adjectivos pátrios compostos, ou seja, existe alguma forma de saber qual o adjectivo que deve vir em primeiro lugar? Por exemplo «russo-ucraniano» ou «ucraniano-russo»?

Já consultei as respostas anteriores sobre este assunto, mas não referem regras gramaticais de criação dos adjectivos compostos.

Agradeço, desde já, a vossa disponibilidade.

Resposta:

Não me parece que haja regras de precedência entre os elementos constituintes dos adjectivos em questão. Tudo depende da perspectiva. O que importa saber é que, em função do lugar ocupado no composto, os elementos constituintes podem não ter a mesma forma, porque os primeiros a aparecerem podem ter formas reduzidas: «russo-chinesa» vs. «sino-russa».

Pergunta:

Procurei em vários dicionários e não consegui confirmar se existe a palavra "globalizador" (adjectivo), o sufixo é aplicável para a classe adjectival, mas pretendo que me confirmem se a palavra existe 'oficialmente'. Agradeço a colaboração.

Resposta:

Dicionarizado, encontramos globalizante, «que globaliza ou tende a globalizar». A forma globalizador está bem formada, tem o mesmo significado que globalizante, podendo, por causa do sufixo -dor, ser usada não só como adjectivo mas também substantivo. Apesar disto, globalizador ainda não mereceu entrada nos dicionários consultados (Dicionário Houaiss, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Grande Dicionário da Porto Editora, Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, edição de 2008 do dicionário da Texto Editora).