Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nos períodos abaixo, o emprego da vírgula é obrigatório, facultativo, ou não cabível? Favor justificar.

1) Dize-me com quem andas, e te direi quem és.

2) Dize-me com quem andas, que te direi quem és.

Resposta:

1) O sujeito da primeira oração é diferente do da segunda; por conseguinte, sem ser estritamente obrigatório, é aconselhável usar a vírgula antes da conjunção e.

2) O que é um conjunção explicativa equivalente a pois, introduzindo uma nova oração; deve, portanto, ser antecedido de vírgula.

Pergunta:

O meu filho frequenta o 1.º ano do ensino básico, e a professora primária começou um texto dirigido aos alunos da seguinte forma:

«Meus amores e minhas amoras...»

Pergunto: este feminino existe, está correcto?

Agradeço que me respondam, porque até ao meu filho fez confusão, e eu não lhe soube responder.

Obrigada.

Resposta:

A professora fez apenas um jogo com as palavras amor (sentimento) e amora (fruto). Quanto a mim, o jogo está bem conseguido: parece à primeira vista criar o feminino de amor, que, realmente, não existe; mas, depois, porque explora as possibilidades de criar palavras, permite-nos descobrir que amor até se pode relacionar poeticamente com a palavra amora (com ó aberto), que é um simples fruto silvestre, pequenino e muito saboroso. Até há canções populares que associam a amora ao Verão, que, antigamente, no meio rural, era tempo de trabalho mas também de festas e namoricos. No fundo, a professora quer dizer carinhosamente qualquer coisa como «meus amores e meus doces...», fazendo substituir a metáfora «doce» por outra metáfora, construída com a palavra amora.

Peço, portanto, à consulente que não se alarme: o edifício gramatical não vai desabar; é só um jogo de palavras, e não há nenhuma confusão. Pelo contrário, receber um texto assim escrito é estimulante porque, além de imaginativo, é extremamente afectuoso. Que sorte a desses alunos receberem um texto endereçado assim! O que é preciso é brincar com a linguagem e deixar que as crianças participem no jogo — porque com doce de amoras tudo se percebe...

Pergunta:

A dúvida é: assinale a palavra que fuja ao campo semântico das demais:

a) pirâmide

b) deserto

c) camelo

d) giba

e) ribalta

A resposta é ribalta; contudo não entendi o que giba tem a ver com os demais termos. Poderiam me esclarecer?

Resposta:

Giba pode significar «bossa», «corcova». Relaciona-se, portanto, com camelo, ou melhor, com dromedário, uma vez que a presença de pirâmide na série de palavras sugere o Egipto e os desertos do Norte de África e do Médio Oriente, onde existem dromedários, que, por terem uma bossa, se distinguem dos camelos, que têm duas.

Giba pode ainda significar, segundo o Dicionário Houaiss: «(morfologia botânica) proeminência em forma de corcova em um órgão laminar ou maciço»; «(termo de marinha) vela de proa, de forma triangular e que se prende no pau de mesmo nome, situada logo na anteavante da bujarrona»; «(termo de marinha) pau de vante da proa, que espiga para fora do pau da bujarrona e onde é amurada a vela de mesmo nome».

Pergunta:

Qual é a origem do apelido Justo?

Resposta:

O apelido Justo tem origem no nome próprio Justo. Este provém do adjectivo latino justus, «que observa o direito, a razão» (ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Minha dúvida é sobre o uso da palavra safadinho. Em minha família, a exemplo de meus pais e avós, chamamos nossas crianças de safadinhos quando estão em brincadeiras e travessuras. Meu pequeno de 3 anos foi repreendido em sua escola por chamar seus coleguinhas de safadinhos em suas brincadeiras. A escola nos informou por escrito que, embora ele não conheça o significado da palavra, ela é muito desagradavél como também seria caso as crianças levarem esta palavra para casa. Gostaria de saber seu parecer, pois na minha opinião o único problema com essa palavra é o contexto em que ela for utilizada, pois até onde eu sei um de seus significados é travesso, da mesma forma que meu cunhado chamava pãezinhos de "cacetinhos" após trabalhar cinco anos como motorista por grande parte do nordeste brasileiro.

Obrigado pela atenção.

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, a palavra safado, que está na base de safadinho, tem as seguintes acepções:

I. como adjectivo: «1 gasto ou inutilizado pelo uso»; «2 que perdeu nitidez; apagado, desbotado»; «3 arrastado, afastado de lugar onde corria perigo»; «4 Regionalismo: Sul do Brasil, Rio de Janeiro. muito zangado; enraivecido, danado, irado»; «5 Regionalismo: Rio de Janeiro. travesso, traquinas»

II. como adjectivo e substantivo masculino: «6 Uso: informal. que ou o que não tem vergonha de seus atos censuráveis; descarado, desavergonhado, cínico»; «7 Regionalismo: Brasil. que ou o que leva uma vida dissoluta; libertino, devasso, obsceno.»

Penso que os educadores do filho do consulente estão a considerar a acepção 7 de safado, que se mantém, talvez de forma atenuada, em safadinho. Penso também que toda a palavra tem o seu contexto: safadinho, entre familiares, ou cacetinho, no Nordeste ou em Portugal, podem ser termos inocentes; mas proferidos em Brasília, diante de um grupo de deputados, ou à frente do prefeito de São Paulo, calculo que se tornem palavras inadequadas ou sujeitas a más interpretações. Dito de outro jeito: se, numa comunidade linguística alargada, há palavras que são tabu no grupo A mas que o não são no grupo B, talvez valha a pena um membro de B ser prudente com certas expressões do seu dialecto, entre elementos de A. Isto não impede que os elementos de A saibam interessar-se pelo dialecto de B. Além disso, não sei que expectativas tem a escola do seu filho quando intervém por causa do emprego de safadinho. Mas se, no meio em que a escola se insere, a palavra em causa for considerada menos própria para ser usada entre crianças, é natural que os educa...