Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Assistindo a um filme russo, deparei-me nas legendas em português com as formas «amo-lhe» e «amo-o», não usuais no Brasil. Isso me levou a especular se é possível usar «amo-nos».

Resposta:

«Amo-o» é forma correcta, embora, ao que sei, no português brasileiro informal se diga «amo ele». Não se usa o pronome lhe, porque este desempenha a função de objecto indirecto, e o verbo amar selecciona objecto directo: é por isso que «amo o meu filho» é equivalente a «amo-o» e não a «amo-lhe».

Quanto a «amo-nos», em princípio, é uma sequência de verbo e pronome possível, parafraseável por «eu amo-nos a nós», em que «a nós» indica reforço do objecto directo «-nos» e não um objecto indirecto.

Pergunta:

A dúvida é sobre as graduações mais altas do judô, onde o praticante recebe uma faixa rajada de vermelho e branco: «Uma faixa vermelho-e-branca»?

Não creio que seja "vermelha-e-branca". Conforme a fonte consultada, o plural varia. Já vi «faixas vermelho-e-brancas». Como são dois adjetivos, há uma regra que manda flexionar os dois: «faixas vermelhas-e-brancas». E há recomendações até de não se flexionar: «faixas vermelho-e-branca».

O que recomendam?

Resposta:

Com a conjunção copulativa, a concordância deveria fazer-se normalmente, como a que se verifica entre um substantivo e dois adjectivos: «faixas vermelhas-e-brancas» tal como se diz «camisolas verdes-e-brancas» (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa). Mas a edição brasileira do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa indica que o plural do adjectivo verde-e-amarelo é verde-e-amarelos, o que significa que apenas o segundo elemento concorda, legitimando o feminino plural verde-e-amarelas. Por conseguinte, aceite-se, pelo menos no Brasil, o masculino plural vermelho-e-brancos e o feminino plural vermelho-e-brancas.

Acresce que verde-e-amarelo, quando substantivo, é verdes-e-amarelos no plural (cf. idem). Do mesmo modo, seguindo este modelo, obtemos para o composto em discussão o plural vermelhos-e-brancos.

Pergunta:

Na frase «V. Ex.ª está cansado», qual é a figura de estilo usada?

Resposta:

O sujeito da frase é a expressão «V. Ex.ª», que é gramaticalmente uma expressão do género feminino, muito embora, como forma de tratamento, possa ser aplicada a interlocutores de ambos os sexos. Por seu turno, o predicativo do sujeito é «cansado», que é um adjectivo no género masculino. Vemos então que «cansado» está a concordar não com «V. Ex.ª» mas com a pessoa que é visada, que é do sexo masculino. Este tipo de concordância, que é também considerada uma figura de estilo, chama-se silepse: trata-se de uma «figura pela qual a concordância das palavras na frase se faz segundo o significado, e não de acordo com as regras da gramática» (Dicionário Houaiss). No caso em análise, o significado de «V. Ex.ª» abrange um referente a que se atribui o género masculino; daí o uso de «cansado» no masculino.

Pergunta:

Qual o plural de "saber fazer", para que possa acabar a frase «é o conjunto de ...»?

Obrigada.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea indica que saber-fazer (escreve-se com hífen) é substantivo masculino singular e plural. O contexto em que se pretende usar a palavra é que talvez não seja o mais favorável para se depreender o plural desta palavra. Sugiro uma pequena alteração: «é o conjunto dos saber-fazer».

Pergunta:

Gostaria de saber o que quer dizer «ileíte condensante sacro-ilíaca».

Resposta:

Indicamos a seguir o significado de cada um dos termos:

ileíte: inflamação do íleo («parte terminal do intestino delgado, localizada entre o jejuno e a primeira porção do intestino grosso», Dicionário Houaiss);

condensante: «que condensa, que favorece a condensação»;

sacroilíaca ou sacrilíaca (sem hífen): «relativo a ou próprio do sacro e do ílio (diz-se de articulação e ligamento)»; ílio (diferente de íleo) é «a maior das três partes que compõem o osso ilíaco» (Dicionário Houaiss).

Observe-se, porém, que a expressão «ileíte condensante sacroilíaca» não faz sentido, porque a inflamação que é nomeada não tem que ver com o ílio. É de supor então que tenha havido confusão entre íleo e ílio e que a forma da palavra compatível com o contexto seja na realidade iliite.