Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Os casos de tuberculose podem ser causados por estirpes bacterianas sensíveis a todos os antibióticos ou por estirpes resistentes a um (monorresistentes), a dois ou mais antibióticos (convencionou-se chamar multirresistente).

Recentemente começaram a aparecer estirpes resistentes a todos ou quase todos os cerca de 20 antibióticos actualmente disponíveis para tratar a doença. A OMS começou a designar estas estirpes, em inglês, por «extensively resistant Mycobacterium tuberculosis strains» usando também a sigla XDR-TB (tendo já ficado esta sigla consagrada e em uso em todo o mundo — ninguém ousa modificá-la ou adaptá-la).

A minha dúvida prende-se com a tradução do termo por extenso. Dado que tenho responsabilidades na gestão do programa de controlo da doença ao nível nacional, tive de adoptar a terminologia que mais se adaptasse à “gíria médica” e ao sentido que se lhe quer dar. A designação que adoptámos para traduzir «extensively resistant Mycobacterium tuberculosis strains» foi «estirpes de Mycobacterium tuberculosis extensivamente resistentes».

Assinalo o facto de esta condição de resistência extensa resultar de um processo biológico de expansão sucessiva do espectro de resistência, não precisando, contudo, de ser resistente a todas os antibióticos para merecer esta classificação. Desde Setembro de 2006 que usamos o termo sem que tenha havido reacções negativas dos diversos grupos profissionais da saúde, e a semelhança com o termo inglês facilita a transmissão do conceito e é útil como palavra-chave para pesquisa bibliográfica.

Desde já agradeço a atenção.

Aguardo com grande expectativa o vosso parecer.

Resposta:

A tradução parece-nos perfeita. Resta acrescentar que o Mycobacterium tuberculosis é vulgarmente conhecido por bacilo de Koch (cf. Dicionário Houaiss e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Em discurso directo, o pedido de desculpa simples deve levar ponto de interrogação, ou de exclamação?

«— Desculpa?»

Ou

«— Desculpa!»

Resposta:

Em português europeu, quando realmente se trata de pedir desculpa, a entoação característica é marcada pelo ponto de exclamação («desculpa!», «desculpe!»), embora as reticências, uma vírgula ou um ponto também sejam possíveis: «Desculpa/desculpe...»; «Desculpa/desculpe.»; «Desculpa/desculpe, não percebi.»

Contudo, se perguntar ao seu interlocutor se ele o desculpa, a frase é interrogativa e, por conseguinte, termina com ponto de interrogação: dirá assim «desculpas?», se o tratar por tu, e «desculpa?», se recorrer à forma de tratamento de 3.ª pessoa. É também possível empregar a forma de imperativo desculpa (informal) e desculpe (formal) quando não percebeu o que o interlocutor disse: «desculpa?», «desculpe?». Neste caso, as expressões interrogativas são equivalentes a uma das frases atrás indicadas — «desculpa/desculpe, não percebi».

Pergunta:

Gostaria de saber a correta pronúncia do nome Aixa, sei que a origem é árabe, mas não tenho certeza de qual haverá de ser a pronúncia. Uma das minhas alunas se chama assim e sempre que falo com ela surge a dúvida.

Obrigada.

Resposta:

O x de Aixa é pronunciado como o x de caixa. O símbolo fonético deste som é [ʃ]: Aixa = Ai[[ʃ]a. Refira-se que os substantivos comuns de origem árabe que se escrevem com x têm sempre esta letra pronunciada como [ʃ]: almoxarife, xarope.

Pergunta:

Trabalho em auditoria e frequentemente me deparo com relatórios com as expressões inconformidade e não-conformidade. Sempre fico na dúvida qual usar.

Já pesquisei no processo de formação das palavras e não achei o sufixo não. Qual das duas expressões usar?

Podem me mandar uma resposta fundamentada para eu divulgar na minha empresa.

Resposta:

Inconformidade e não-conformidade são praticamente substantivos equivalentes. É natural que não encontre não-conformidade, porque um substantivo com esta estrutura não tem necessariamente de estar dicionarizado. E repare que não, na posição da palavra, é um prefixo, e não um sufixo.

Acresce ainda que o termo inconformidade já está dicionarizado e adquiriu uma certa autonomia, não sendo a simples negação de conformidade: em geral, significa «ausência de conformidade» e «falta de acordo, de entendimento; divergência, desacordo», pelo que abrange o sentido de não-conformidade; mas pode ser interpretado como  «falta de resignação, de submissão; rebeldia, resistência», ficando em relação com o adjectivo participial inconformado (cf. Dicionário Houaiss).

Em suma, terá de ter em conta os contextos em que usa as palavras em apreço. Alguns contextos permitirão o uso indiferente das duas, mas noutros há que verificar qual a mais adequada.

Pergunta:

Quando se pergunta «de onde derivam as seguintes expressões: maquiavélico e maquiaveliano», como devo responder? A professora de meu filho considerou certo maquiavélico como derivado da palavra mal, e maquiaveliano como derivado da obra Comentários da Primeira Década de Tito Lívio. Acho que está errada, mas não encontro nos dicionários a palavra maquiaveliano, nem consigo descobrir como se originou.

Resposta:

Maquiavélico é o adjectivo que os dicionários consultados mostram; não há registo de "maquiaveliano", embora haja forma alternativa atestada, maquiavelista (cf. Dicionário Houaiss). Mas atenção: maquiavélico não deriva de mal, como diz o consulente; tem é origem no nome próprio Maquiavel, para qualificar aquilo ou aquele que é falso, enganador, pérfido.

Quanto à boa formação de "maquiaveliano", parece-me um adjectivo possível e até adequado em certos contextos, quando o que se pretende é não referir alguém como pérfido (maquiavélico) nem como adepto (maquiavelista) da doutrina de Maquiavel, o maquiavelismo, mas mencionar algo relativo ao estilo ou ao pensamento de Maquiavel. Penso ser este o caso, uma vez que, como indica o consulente, esta nova palavra surge a propósito da obra Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, de Maquiavel.