Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Peço que me informem sobre a origem dos nomes próprios Eurico e Hermengarda

Agradeço.

Resposta:

Os dois nomes próprios são de origem germânica. Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), Eurico tem origem no gótico *Aiwareiks, «rico em legalidade»;  Hermengarda é o feminino de Hermengardo, do germânico Ermin, «universo» (nome de divindade) e waldan, «governar», pelo francês Ermegard ou Armengard.

 

Cf. Quem é Eurico, o Presbítero?

Pergunta:

Depois de ver a vossa resposta n.º 24464, gostaria de dar uma achega, pode ser que isso ajude um bocadinho mais a consulente.

A palavra morabeza (pronunciada [moɾɐ'bɛzɐ]) é tida como sendo um substantivo derivado do adjectivo morabi (supostamente do português amorável). A palavra morabi (pronunciada [mo'ɾabi]) significa «amável, afável, atencioso(a), delicado(a), gentil, simpático(a), carinhoso(a)». Enquanto o sufixo -abi para formar adjectivos é raro em crioulo (morabi, pussibi, terribi), o sufixo -eza para formar substantivos é frequentíssimo em crioulo (brabeza, buniteza, coitadeza, minineza, runheza, sperteza, tchefreza, etc.). A morabeza é tida pelos cabo-verdianos como algo difícil de traduzir (como a palavra saudade em português) e exprime um sentimento tipicamente cabo-verdiano, análogo (mas não expresso da mesma forma) à osprindadi na Guiné-Bissau e à teranga no Senegal.

Se me permitirem uma correcção, a palavra morabeza não é um regionalismo da ilha Brava, ela existe em todas as variantes do crioulo. A morabeza encontra-se frequentemente associada à ilha Brava porque as pessoas da Brava são tidas como as mais morabi de Cabo Verde.

Também não sei se a palavra já faz parte do vocabulário da língua portuguesa. Algumas palavras do crioulo sei que já foram adaptadas para o português (por exemplo: cachupa, do crioulo catchupa). Não tenho (ou melhor, não tinha) conhecimento da existência da palavra morabeza no vocabulário da língua portuguesa. Se dizem que o Agradecemos a sua esclarecedora achega. O Dicionário Houaiss confirma a formação de morabeza, registando-a não como derivada do crioulo morabi mas do regionalismo cabo-verdiano morabe, «que demonstra afeição e/ou dela se mostra digno; amorável, afetuoso». A diferença entre a forma morabi e morabe não é semanticamente relevante; apenas sugere que morabe, com e final, é certamente o aportuguesamento do termo crioulo, visto haver poucas palavras grafadas com i final em sílaba átona. Quanto à pronúncia, o Dicionário Houaiss nada indica, porque este dicionário normalmente não apresenta a transcrição fonética das entradas.

Pergunta:

Já foi analisada a questão do plural de "nu proprietário". Tenho outras duas dúvidas, quanto à mesma expressão:

a) qual o feminino?

b) há hífen entre as duas palavras?

Resposta:

Como já dissemos em respostas anteriores, a palavra nu-proprietário tem hífen. Quanto à possibilidade de ter marcas do género feminino, se a usufrutuário cabe o feminino usufrutuária, não vejo porque não se há-de criar, em correspondência com nu-proprietário, o feminino nua-proprietária.1

1Apesar de o Dicionário Houaiss registar só a forma masculina, é de assinalar que, em relação às designações de profissões, cargos, situações jurídicas ou estados civis, o referido dicionário consigna apenas as formas femininas de substantivos cujo sentido abranja não só os indivíduos do sexo feminino com tais cargos, situações, mas também outras acepções. Por exemplo, o feminino de engenheiro não tem entrada, mas o de viúvo tem, porque viúva tem outros significados além de «mulher cujo marido morreu e ainda não casou de novo». Por conseguinte, o facto de o dicionário em causa somente acolher nu-proprietário não significa que a forma nua-proprietária não exista ou seja impossível.

Pergunta:

Os casos de tuberculose podem ser causados por estirpes bacterianas sensíveis a todos os antibióticos ou por estirpes resistentes a um (monorresistentes), a dois ou mais antibióticos (convencionou-se chamar multirresistente).

Recentemente começaram a aparecer estirpes resistentes a todos ou quase todos os cerca de 20 antibióticos actualmente disponíveis para tratar a doença. A OMS começou a designar estas estirpes, em inglês, por «extensively resistant Mycobacterium tuberculosis strains» usando também a sigla XDR-TB (tendo já ficado esta sigla consagrada e em uso em todo o mundo — ninguém ousa modificá-la ou adaptá-la).

A minha dúvida prende-se com a tradução do termo por extenso. Dado que tenho responsabilidades na gestão do programa de controlo da doença ao nível nacional, tive de adoptar a terminologia que mais se adaptasse à “gíria médica” e ao sentido que se lhe quer dar. A designação que adoptámos para traduzir «extensively resistant Mycobacterium tuberculosis strains» foi «estirpes de Mycobacterium tuberculosis extensivamente resistentes».

Assinalo o facto de esta condição de resistência extensa resultar de um processo biológico de expansão sucessiva do espectro de resistência, não precisando, contudo, de ser resistente a todas os antibióticos para merecer esta classificação. Desde Setembro de 2006 que usamos o termo sem que tenha havido reacções negativas dos diversos grupos profissionais da saúde, e a semelhança com o termo inglês facilita a transmissão do conceito e é útil como palavra-chave para pesquisa bibliográfica.

Desde já agradeço a atenção.

Aguardo com grande expectativa o vosso parecer.

Resposta:

A tradução parece-nos perfeita. Resta acrescentar que o Mycobacterium tuberculosis é vulgarmente conhecido por bacilo de Koch (cf. Dicionário Houaiss e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Em discurso directo, o pedido de desculpa simples deve levar ponto de interrogação, ou de exclamação?

«— Desculpa?»

Ou

«— Desculpa!»

Resposta:

Em português europeu, quando realmente se trata de pedir desculpa, a entoação característica é marcada pelo ponto de exclamação («desculpa!», «desculpe!»), embora as reticências, uma vírgula ou um ponto também sejam possíveis: «Desculpa/desculpe...»; «Desculpa/desculpe.»; «Desculpa/desculpe, não percebi.»

Contudo, se perguntar ao seu interlocutor se ele o desculpa, a frase é interrogativa e, por conseguinte, termina com ponto de interrogação: dirá assim «desculpas?», se o tratar por tu, e «desculpa?», se recorrer à forma de tratamento de 3.ª pessoa. É também possível empregar a forma de imperativo desculpa (informal) e desculpe (formal) quando não percebeu o que o interlocutor disse: «desculpa?», «desculpe?». Neste caso, as expressões interrogativas são equivalentes a uma das frases atrás indicadas — «desculpa/desculpe, não percebi».