Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a correta pronúncia do nome Aixa, sei que a origem é árabe, mas não tenho certeza de qual haverá de ser a pronúncia. Uma das minhas alunas se chama assim e sempre que falo com ela surge a dúvida.

Obrigada.

Resposta:

O x de Aixa é pronunciado como o x de caixa. O símbolo fonético deste som é [ʃ]: Aixa = Ai[[ʃ]a. Refira-se que os substantivos comuns de origem árabe que se escrevem com x têm sempre esta letra pronunciada como [ʃ]: almoxarife, xarope.

Pergunta:

Trabalho em auditoria e frequentemente me deparo com relatórios com as expressões inconformidade e não-conformidade. Sempre fico na dúvida qual usar.

Já pesquisei no processo de formação das palavras e não achei o sufixo não. Qual das duas expressões usar?

Podem me mandar uma resposta fundamentada para eu divulgar na minha empresa.

Resposta:

Inconformidade e não-conformidade são praticamente substantivos equivalentes. É natural que não encontre não-conformidade, porque um substantivo com esta estrutura não tem necessariamente de estar dicionarizado. E repare que não, na posição da palavra, é um prefixo, e não um sufixo.

Acresce ainda que o termo inconformidade já está dicionarizado e adquiriu uma certa autonomia, não sendo a simples negação de conformidade: em geral, significa «ausência de conformidade» e «falta de acordo, de entendimento; divergência, desacordo», pelo que abrange o sentido de não-conformidade; mas pode ser interpretado como  «falta de resignação, de submissão; rebeldia, resistência», ficando em relação com o adjectivo participial inconformado (cf. Dicionário Houaiss).

Em suma, terá de ter em conta os contextos em que usa as palavras em apreço. Alguns contextos permitirão o uso indiferente das duas, mas noutros há que verificar qual a mais adequada.

Pergunta:

Quando se pergunta «de onde derivam as seguintes expressões: maquiavélico e maquiaveliano», como devo responder? A professora de meu filho considerou certo maquiavélico como derivado da palavra mal, e maquiaveliano como derivado da obra Comentários da Primeira Década de Tito Lívio. Acho que está errada, mas não encontro nos dicionários a palavra maquiaveliano, nem consigo descobrir como se originou.

Resposta:

Maquiavélico é o adjectivo que os dicionários consultados mostram; não há registo de "maquiaveliano", embora haja forma alternativa atestada, maquiavelista (cf. Dicionário Houaiss). Mas atenção: maquiavélico não deriva de mal, como diz o consulente; tem é origem no nome próprio Maquiavel, para qualificar aquilo ou aquele que é falso, enganador, pérfido.

Quanto à boa formação de "maquiaveliano", parece-me um adjectivo possível e até adequado em certos contextos, quando o que se pretende é não referir alguém como pérfido (maquiavélico) nem como adepto (maquiavelista) da doutrina de Maquiavel, o maquiavelismo, mas mencionar algo relativo ao estilo ou ao pensamento de Maquiavel. Penso ser este o caso, uma vez que, como indica o consulente, esta nova palavra surge a propósito da obra Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, de Maquiavel.

Pergunta:

Sou estudante de Letras Português/Inglês do 3.º período e desde a 8.ª série possuo uma dúvida que nenhum professor soube me responder até hoje, ou quando me respondia pelo pouco que eu já havia pesquisado ficava insatisfeita com a resposta. E agora recorro a vocês para me ajudarem. Bem, vou à pergunta: sempre que nos referimos a um casal, tendemos ao masculino; por exemplo, «mãe e pai» = «meus pais»; «tia + tio» = «meus tios»; «prima + primo» = «meus primos»; «irmão + irmã» = «meus irmãos». Por que somente no caso de avós tendemos ao feminino («avô + avó» = «meus avós»)? Teria isso a ver com plural metafônico, ou estou falando besteira?

Resposta:

Não é besteira. De certa maneira, é um "plural metafónico" como ovos, com ó aberto na penúltima sílaba, que é o plural de ovo, forma do singular, que tem ó fechado na mesma sílaba. Como já expliquei, a rigor, é o singular e não o plural que é metafónico, uma vez que o o da penúltima sílaba se fecha ("ô") por acção de um tipo particular de assimilação (a metafonia), que é devida ao o da última sílaba, pronunciado [u].

O plural avós tem vogal aberta porque é o resultado da forma romance *avolos ou *aviolos (o * indica que se trata de forma não atestada). Na Idade Média, a queda do l intervocálico deu origem a avoos que se contraiu no moderno avós. Avós não é, portanto, o plural de avó mas sim uma forma que evoluiu de um masculino plural. Por conseguinte, apesar das aparências, a forma avós mantém, pelo menos, do ponto de vista histórico, o uso do masculino plural na referência a duas ou mais pessoas de pessoas de sexos diferentes definidas por uma dada relação de parentesco.

Pergunta:

Antes de mais, cabe-me agradecer a resposta que deram à minha questão anterior.

No entanto, decidi voltar a contactar-vos, pois a dúvida que tenho não ficou esclarecida, provavelmente por culpa minha, que não soube pôr claramente a questão.

A escolha da frase que dei como exemplo poderá não ter sido feliz. Essa frase é retirada do livro Pirapato O Menino sem Alma, de Chico Anes, e foi a única que encontrei na Internet que pudesse ilustrar a minha dúvida. No entanto, como o uso que aí se faz das palavras não cumpre o referido protocolo tradicional, centrou-se aí a vossa resposta.

Não tenho dúvida de que se escrevem com maiúscula ambas as palavras em «Vossa Majestade» ou «Sua Alteza». A minha questão prende-se com a obrigatoriedade do uso de maiúscula nas palavras majestade e alteza fora dessas fórmulas, em situações como as seguintes:

[PRÍNCIPE] – O meu cavalo está pronto?
[CRIADO] – Sim, alteza.

ou

[REI] – Como está o dia lá fora?
[RAINHA] – O dia amanheceu chuvoso, majestade.

É errado usar minúscula nestes dois exemplos?

Antecipadamente grato.

Resposta:

É, porque a minúscula não pode marcar a deferência com que os locutores, as personagens criado e rainha, tratam os seus interlocutores, as personagens príncipe e rei. A maiúscula é que reflecte essa relação no uso de alteza e majestade, quer nas fórmulas «Vossa Alteza» e «Vossa Majestade» quer na simplificação destas, «Alteza» e «Majestade».

Note que na correspondência se recorre às maiúsculas para marcar o respeito que se tem pelo destinatário: «Exmo. Senhor Doutor X.» E numa frase de discurso oficial como «o momento é histórico, Senhor Presidente», escreve-se o vocativo final com maiúsculas iniciais. O mesmo se aplica às palavras majestade e alteza nos diálogos em questão.