Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na oração «O tamanho da riqueza encontrada é milhares de vezes maior do que o bilhete de loteria premiado», o corretor ortográfico eletrônico sugere que o adjetivo maior concorde com o sintagma nominal «milhares de vezes»; porém, a meu ver, deve concordar com o sintagma nominal que inicia a oração («o tamanho da riqueza encontrada»). Existiria um caso em que a concordância deveria ser feita com o segundo sintagma numa locução do tipo «maior do que»?

Muito obrigado e cumprimentos pela seriedade e pelo profissionalismo com os quais vocês trabalham!

Resposta:

Maior é o comparativo de grande, adjectivo qualificativo. Os adjectivos concordam em género e número com o nome que qualificam, quer como atributo ou adjunto adnominal («o miúdo esperto») quer como predicativo do sujeito («o miúdo é esperto»). Na frase em apreço, maior é predicativo do sujeito de «o tamanho da riqueza encontrada»; por conseguinte,  é com esta expressão que deve concordar: «O tamanho da riqueza encontrada é maior...»

O corrector deu indicação de erro, talvez porque tenha lido a sequência «milhares de vezes maior...» como uma expressão nominal, quando o que se passa é que nessa passagem temos dois constituintes diferentes. Por um lado, temos o predicativo do sujeito, «maior»; por outro, um adjunto adverbial (um complemento circunstancial), «duas vezes».

Pergunta:

Gostaria de enriquecer meu trabalho de pós-graduação, indicando a origem de algumas palavras, e as palavras são: equivalência, patrimonial.

Se puderem me ajudar, fico muito grato, e faço questão de colocar a fonte em meu trabalho.

Desde já meu muito obrigado.

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, equivalência é substantivo deverbal: equivaler + ência. Por seu lado, o verbo equivaler tem origem no verbo latino aequivalĕo,es,ŭi,ĭtum,ēre, «ter igual valor», formado pelo antepositivo aequi- [do adje{#c|}tivo aeqŭus,a,um, «unido, plano, horizontal; igual; justo, imparcial; vantajoso (como termo militar, com referência a um terreno, uma posição); propício, favorável»] e pelo verbo valĕo,es,ui,ĭtum,ēre, «ser forte, valente, vigoroso; ter força, ter crédito; exceder, levar vantagem».

Pode-se considerar que o adjectivo patrimonial deriva da palavra património, que tem origem no latim patrimonĭum,ĭi, «patrimônio, bens de família, herança; posses, haveres». Mas é também possível considerar patrimonial como adaptação do latim patrimoniālis,e, «patrimonial, relativo ao patrimônio, à herança paterna». Quer patrimonial quer património remontam, em última análise, a pater, «pai».

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem a seguinte dúvida: no interior de Portugal é comum usarem-se as expressões «piabaixo» e «piacima», no sentido de «por aí abaixo» ou «por aí acima». «Fui piabaixo até ao rio» — «Fui por aí abaixo até ao rio». Gostaria de saber se existe uma forma correcta de escrever essas expressões ou se a ortografia fica ao critério de cada um.

Obrigado.

Resposta:

As expressões em causa não têm grafia específica em nenhum dos dicionários consultados. Em princípio, trata-se da aglutinação de «por aí abaixo» e «por aí acima», ocorrendo a fusão dos monossílabos por e numa única sílaba, formada pelo ataque consonântico da primeira palavra (o [p] de por), que era átona, e pela vogal tónica da segunda, ou seja o [i] de .1 Deste modo, a grafia "piabaixo" e "piacima" só poderão ser utilizadas em contextos que pretendam reproduzir registos divergentes da norma. Noutras situações, deverá escrever-se «por aí abaixo» e «por aí acima».

1 Poderia pensar-se que "piabaixo" fosse a aglutinação de «pia abaixo», no sentido de «ir pelo cano (de esgoto abaixo)», expressão registada Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves. Mas é legítimo supor que "piacima" seja o mesmo que «pia acima»? É certo que a noção de descida ou de queda do advérbio abaixo adquire uma conotação negativa que reforça a conotação também negativa de pia, dado a esta palavra se associar a defecação. Neste contexto, só por ironia ou paradoxo se concebe a expressão «pia acima», pressupondo a expressão pejorativa «pia abaixo». Sem negar a possibilidade de tais jogos linguísticos existirem em dialectos rurais, atenho-me à explicação que me parece mais simples, a da alteração fonética das expressões «por aí abaixo» e «por aí acima».

Pergunta:

Peço que me informem sobre a origem dos nomes próprios Eurico e Hermengarda

Agradeço.

Resposta:

Os dois nomes próprios são de origem germânica. Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), Eurico tem origem no gótico *Aiwareiks, «rico em legalidade»;  Hermengarda é o feminino de Hermengardo, do germânico Ermin, «universo» (nome de divindade) e waldan, «governar», pelo francês Ermegard ou Armengard.

 

Cf. Quem é Eurico, o Presbítero?

Pergunta:

Depois de ver a vossa resposta n.º 24464, gostaria de dar uma achega, pode ser que isso ajude um bocadinho mais a consulente.

A palavra morabeza (pronunciada [moɾɐ'bɛzɐ]) é tida como sendo um substantivo derivado do adjectivo morabi (supostamente do português amorável). A palavra morabi (pronunciada [mo'ɾabi]) significa «amável, afável, atencioso(a), delicado(a), gentil, simpático(a), carinhoso(a)». Enquanto o sufixo -abi para formar adjectivos é raro em crioulo (morabi, pussibi, terribi), o sufixo -eza para formar substantivos é frequentíssimo em crioulo (brabeza, buniteza, coitadeza, minineza, runheza, sperteza, tchefreza, etc.). A morabeza é tida pelos cabo-verdianos como algo difícil de traduzir (como a palavra saudade em português) e exprime um sentimento tipicamente cabo-verdiano, análogo (mas não expresso da mesma forma) à osprindadi na Guiné-Bissau e à teranga no Senegal.

Se me permitirem uma correcção, a palavra morabeza não é um regionalismo da ilha Brava, ela existe em todas as variantes do crioulo. A morabeza encontra-se frequentemente associada à ilha Brava porque as pessoas da Brava são tidas como as mais morabi de Cabo Verde.

Também não sei se a palavra já faz parte do vocabulário da língua portuguesa. Algumas palavras do crioulo sei que já foram adaptadas para o português (por exemplo: cachupa, do crioulo catchupa). Não tenho (ou melhor, não tinha) conhecimento da existência da palavra morabeza no vocabulário da língua portuguesa. Se dizem que o Agradecemos a sua esclarecedora achega. O Dicionário Houaiss confirma a formação de morabeza, registando-a não como derivada do crioulo morabi mas do regionalismo cabo-verdiano morabe, «que demonstra afeição e/ou dela se mostra digno; amorável, afetuoso». A diferença entre a forma morabi e morabe não é semanticamente relevante; apenas sugere que morabe, com e final, é certamente o aportuguesamento do termo crioulo, visto haver poucas palavras grafadas com i final em sílaba átona. Quanto à pronúncia, o Dicionário Houaiss nada indica, porque este dicionário normalmente não apresenta a transcrição fonética das entradas.