Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava de saber o significado do provérbio: «A palavra é de prata o silêncio é de ouro.»

Resposta:

Podem ser dadas várias interpretações, todas elas à volta desta ideia fundamental: «falar (isto é, tomar a palavra) no momento certo é importante, mas manter a reserva ou saber conter-se em determinadas ocasiões é-o ainda mais.»

Pergunta:

Tenho uma dúvida relacionada à palavra custo. O certo é «Foram planejadas obras "a um determinado custo"», ou "com determinado custo"? E se também é certo grafar «ao custo de». A dificuldade está na colocação da preposição adequada.

Agradeço a atenção dispensada.

Resposta:

Se as expressões em causa são «a um determinado custo» ou «com determinado custo», é claro que ressalta uma diferença, para lá do contraste entre preposições: é que numa ocorre o artigo definido um, e noutra, não. Mas vou considerar que a presença do artigo indefinido não é pertinente para a discussão e concentrar-me-ei apenas nas preposições.

Assim, ambas as preposições são possíveis, mas a frase em que ocorre com pode tornar-se ambígua:

(1) «As obras foram planejadas a (um) determinado custo.»

= «As obras foram planejadas ao custo de X.»

(2) «As obras foram planejadas com (um) determinado custo.»

= «As obras foram planejadas ao custo de X.»
= «As obras foram planejadas com algum custo.» (= dificuldade)

Acrescente-se que «ao custo de», como sinónimo de «ao preço de», é uma expressão correcta.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem histórica da expressão «prata da casa».

Resposta:

Não se conhece a matéria factual que rodeia o aparecimento da expressão «prata da casa». Mas pode-se pensar que tenha surgido por comparação com o que se passava nas casas burguesas dos séculos XIX e XX: em ocasiões especiais ostentava-se o melhor que se possuía, por exemplo, à refeição, recorrendo à baixela de prata. Daqui, por extensão, «prata da casa» passou a significar «usar o que se tem de melhor».

Pergunta:

Grau do substantivo: Qual o aumentativo da palavra água?

Resposta:

Os nomes não contáveis massivos designativos de matéria como água, vinho, sangue, lava, mostram compatibilidade muito limitada, se não mesmo nula, com os sufixos de aumentativo: ?"águão"/"aguona", ?"vinhão", ?"sangão", etc. Além disso, mesmo que se recorra a uma construção analítica aumentativa («grande X»), nota-se que o significado desses nomes se altera : por exemplo, «grande água» parece de escasso uso, mas «grandes águas» podem ser sinónimo de «grandes chuvas». Concluo, pois, que água não tem um verdadeiro aumentativo.

Pergunta:

Fiz, há dias, a seguinte pergunta: «Como se pronuncia a palavra blister? Tem acento grave ou agudo?» Penso que a pergunta estará identificada pelo n.º 25 587 e foi respondida por Carlos Rocha.

Fiquei, porém, algo decepcionado com a resposta, que não correspondeu às minhas dúvidas.

Em primeiro lugar, argumenta-se que é uma palavra inglesa. Porém, como se argumenta na resposta, da vossa responsabilidade, à pergunta 15 205, «O “blister” é muito utilizado na indústria farmacêutica, para acondicionar os comprimidos, as drageias ou as cápsulas.» E não me recordo da sua utilização entre aspas, pelo que ela já está efectivamente a ser aportuguesada. Ou seja: a palavra é de uso frequente, mesmo que ainda não esteja no dicionário da academia, pelo que interessa saber pronunciá-la.

De seguida, argumenta-se com a pronúncia constante do Dicionário Houaiss, de origem brasileira. Ora, segundo sei, esse dicionário é muito conceituado, mas não terá uma tendência para a pronúncia brasileira? Que tantas vezes difere da portuguesa?

Por estas razões, reformulo a minha pergunta: caso a palavra blister já esteja (ou venha a ser) aportuguesada, como se pronunciaria? Não seria mais natural que tivesse acento tónico agudo, à imagem de clister, mister ou Almoster?

Resposta:

A pergunta inicialmente feita pressupunha a existência de um aportuguesamento gráfico do termo blister. Nesta conformidade, a resposta visou esclarecer precisamente este ponto: ainda não há grafia portuguesa consagrada, pelo menos, nos dicionários consultados, havendo um deles, o Dicionário Houaiss na versão brasileira, que regist{#|r}a o termo na grafia inglesa com transcrição fonética da pronúncia em inglês (não há, portanto, tendência brasileira nessa transcrição).

Seja como for, e uma vez que se trata de uma palavra corrente, a adaptação gráfica terá de ter em conta uma outra adaptação, a da pronúncia inglesa à pronúncia portuguesa. Sendo assim, calculo que em português europeu haja duas pronúncias possíveis:

a) a que mantém o acento t{#ó|ô}nico na primeira sílaba: [´bliʃtɛr];

b) a que desloca o acento para a segunda sílaba: [bliʃ´tɛr].

A grafia para a opção a) será "blíster", sequência que é possível em português, até porque já existe líder, também de origem inglesa (de leader). Se a opção for b), então concordo com o consulente: a forma será "blister", palavra aguda como mulher ou Almoster.

Em conclusão, a pronúncia portuguesa de blister não parece estável. Será preciso primeiro que os dicionários a fixem, para depois definirem a grafia mais adequada.