Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agradeço esclarecimento! Deve escrever-se:

— «aptidões física e psíquica»

ou

— «aptidões física e psíquicas»?

Obrigada.

Resposta:

Se modificar o substantivo aptidão primeiro com o adjectivo físico e depois com o também adjectivo psíquico, pode usar tanto o singular

a) «aptidão física», «aptidão psíquica»

como o plural:

b) «aptidões físicas», «aptidões psíquicas»

Quando coordena estas expressões, para evitar ser redundante («aptidão física/físicas e aptidão psíquica/psíquicas») deverá escrever «aptidões», no plural, seguida dos adjectivos ou no singular, pressupondo as expressões em a), ou no plural, pressupondo b).

Não recomendo «aptidões física e psíquicas», por uma questão de coerência: é o mesmo que misturar a) com b).

Pergunta:

Agradecia saber a que época da língua portuguesa pertencem as seguintes palavras: analyse, therapeutico, annos.

Desde já, agradecido.

Resposta:

Esclareça-se para já que a pergunta se prende com a história da ortografia e não com a história do léxico português. Mesmo assim, se o que se pede são as primeiras atestações das palavras em causa, hoje grafadas análise, terapêutico e anos (plural de ano), remeto o consulente para as datações propostas pelo Dicionário Houaiss:

análise: 1726 (formas históricas: 1726 analysis, 1764 analizis)

terapêutico: 1839 (forma histórica: therapeutico)

ano: 1047 (formas históricas: 1273 ano, 1275 año, 1278 ãno)

Quanto às grafias apresentadas, são elas anteriores à Reforma Ortográfica de 1911. Podem, portanto, ocorrer no princípio do século XX, no XIX ou mesmo antes. Note-se que, mesmo depois de 1911, formas com y (analyse ou anályse), consoantes duplas (nn, ll: annos e alliar), ph (pharmacia ou pharmácia), th (therapeutico ou therapêutico) e ch (com valor de [k]: chymica ou chimica ou chímica) coexistiram durante algum tempo com as grafias modernas (análise, anos, aliar, farmácia, terapêutico, química), pelo menos na lexicografia, como mostra a terceira edição do Novo Diccionario da Língua Portuguesa, de Cândido Figueiredo.

Pergunta:

Estou fazendo a revisão de um livro de informática e tem o termo test-drive significando fazer um teste com um determinado comando no computador, só que achei estranho, pois usamos este termo para teste de direção em veículos. Há a possibilidade de usarmos este termo de um modo mais abrangente?

Agradeço a atenção e mais uma vez parabenizo a equipe do Ciberdúvidas.

Resposta:

Há. Encontro a expressão test drive (sem hífen) no Dicionário de Anglicismos (Rio de Janeiro, Elsevier, 2006), de Agenor Soares dos Santos, que o define do seguinte modo:

«Ato de dirigir um veículo a fim de avaliar sua qualidade e características — antes de sua comercialização ou por um comprador potencial; p[or] ext[ensão] qualquer teste ou avaliação a que se submete um produto antes de sua compra: "RealPrev. O único com test-drive da sua aposentadoria" (publicidade de um plano de aposentadoria (É, 2004; em ing[lês] não há hífen). Expr. não dicionarizada [...]»

Parece-me, pois, que é por extensão que test drive se aplica ao teste de determinado comando no computador.

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa a palavra infografismo.

Obrigada.

Resposta:

Não encontro infografismo, mas dou com os substantivos infografia e infográfico, assim definidos pelo Dicionário Houaiss:

infografia

«gênero jornalístico que utiliza recursos gráfico-visuais para apresentação sucinta e atraente de determinadas informações»

infográfico

«apresentação de informações com preponderância de elementos gráfico-visuais (fotografia, desenho, diagrama estatístico etc.) integrados em textos sintéticos e dados numéricos, ger. utilizada em jornalismo como complemento ou síntese ilustrativa de uma notícia; infografia»

Considerando que já existe grafismo, na acepção de «estilo característico do conjunto de signos gráficos (linhas, curvas, traços, pinceladas etc.) us. por um artista em seus desenhos ou pinturas», parece-me que infografismo é possível, no sentido de «estilo de quem utiliza em jornalismo recursos gráfico-visuais para apresentação sucinta e atraente de determinadas informações».

Pergunta:

Relativamente à resposta dada em 22/04/2008, com o título Grafia de malvisto, gostaria de saber se são aceitas as seguintes frases:

1) «O João foi mal visto, porque chegou disfarçado ao velório.»

2) «A placa foi/ficou mal vista, pois o mato a encobriu.»

Outras situações com mal:

3) «O prédio malfeito/malconstruído foi vendido por um preço baixo.»

4) «O prédio foi mal feito/mal construído pela construtora.»

5) «Aquele quadro está/ficou malpintado.»

6) «Aquele quadro foi mal pintado pelo João.»

7) «O texto acima ficou mal-elaborado.»

8) «O texto acima foi mal elaborado pelo consulente.»

Há alguma forma de se identificar o mal separado, com hífen, ou "tudo junto" sem hífen, ou o contexto é que definirá entre uma ou outra?

Obrigado.

Resposta:

Não há uma forma, mas sim uma interpretação permitida pelo contexto. Haverá situações em que ambas as formas (separada e aglutinada) são possíveis.

Passando às frases que submete a apreciação:

(1) «O João foi mal visto, porque chegou disfarçado ao velório.»

É possível, se não o viram por causa do disfarce; mas escrever-se-á malvisto, se a sua conduta for objecto da reprovação de alguém (em princípio, não se vai a um funeral disfarçado).

(2) «A placa foi/ficou mal vista, pois o mato a encobriu.»

Como malvisto denota uma apreciação moral, torna-se muito pouco provável que um nome não animado, que representa um objecto, seja malvisto (mas pode acontecer, num contexto literário).

Relativamente aos outros exemplos, diga-se que as formas aglutinadas estão dicionarizadas1 e podem ser alternativa às formas separadas em 3), 5) e 7). Mas, nos casos de 4), 6) e 8), são impossíveis, porque a presença de agentes da passiva («pela construtora», «pelo João», «pelo consulente»)2 indicia a construção passiva; sendo assim, separa-se a palavra mal, que é advérbio modificador de uma expressão verbal passiva: «foi mal feito», «foi mal pintado», «foi mal elaborado».

1 Não obstante, o Dicionário Houaiss não acolhe "malconstruído".

2 Em 3), a expressão «por um preço baixo» não é um agente da passiva, é antes o complemento preposicional seleccionado peo verbo